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Sem comando: Empresa ficou acéfala com a renúncia do presidente Manoel Guedes

 

 

A Varig está derretendo. Nos últimos dias, ocorreram dois golpes internos para se tomar o controle da maior e mais antiga empresa de aviação do continente ? e outros dois estão em gestação. Diretores da companhia, conselheiros da holding controladora FRB-Par, curadores da Fundação Ruben Berta, dona de 87% das ações da Varig, estão em guerra fraticida. Divididos em torno da aprovação do projeto de fusão com a TAM, já não escondem os bate-bocas freqüentes. Muitos já não conversam entre si, nem mesmo quando têm a mesma opinião. A empresa está acéfala, com nada menos que sete comandantes disputando o manche do piloto. O presidente oficial, Manoel Guedes, assinou sua carta de demissão na quarta-feira 16. O novo presidente do Conselho de Administração da holding, Gilberto Rigoni, ungido de direito ao poder na tarde de sexta-feira 11, foi destituído de fato na noite de quarta-feira 16, terceiro dia útil de sua gestão, quando desembarcou em Brasília para apresentar credenciais às autoridades federais. O ministro da Defesa, José Viegas, disse não às propostas de Rigoni de salvar a Varig sem que fosse necessária a fusão. Ficou acertada uma intervenção branca através do BNDES. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que dias atrás deu ordens para ajudar a companhia, agora está se dizendo ?furioso?. O ministro José Dirceu, da Casa Civil, outro ex-aliado, também está com o humor ?por um fio?. Ele informa que até mandou reservar dinheiro do BNDES para a Varig, mas só entrega se houver a fusão com a TAM. ?Não podemos apresentar solução sem termos garantia de que a reformulação da empresa será concluída?, justifica Dirceu. ?A aviação civil precisa ser reorganizada, como ocorre no mundo todo.?

Diferentes grupos de executivos da Varig terminaram a
semana em reuniões tensas e assembléias paralelas, no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Mas não conseguiram se entender sobre a restauração da ordem interna, nem decidiram se aceitam (ou não) o plano de fusão. O governo está reagindo apertando ainda mais o torniquete financeiro. Há o equivalente a US$ 280 milhões em dívidas vencendo este ano e somente US$ 180 milhões em faturamento previsto. A maior parte do buraco é com o próprio governo, dívidas em reais. A Varig deve R$ 207 milhões à Infraero, cerca de R$ 300 milhões ao Banco do Brasil e R$ 135 milhões à BR Distribuidora, da Petrobras. A direção da Varig calcula que, entre dezembro e março, já teria pago R$ 200 milhões ao governo para quitar dívidas antigas. No início do mês, quando havia boa vontade no Palácio do Planalto, a Varig conseguiu empurrar a dívida com a Infraero para quitação nos próximos anos. Isso porque não há problemas de caixa previstos para 2004. Com o Banco do Brasil, a reestruturação da dívida está complicada. Por contrato, desde o ano passado o banco tem retido parte do faturamento da companhia com a venda de passagens por cartões de crédito. Dias atrás começou a confiscar até mesmo o dinheiro de dívidas que ainda estão por vencer. A BR também só está vendendo combustível à vista, R$ 5,2 milhões por dia. Por ordem de Lula, esse ?à vista? não tem sido ortodoxo. A BR aceitava cheques da Varig, entregues depois das 16 horas, para serem cobertos só no dia seguinte. Na tarde de quarta-feira 16, a estatal recebeu ordens de Brasília para dar alguns dias de prazo na cobrança.

A corda pode afrouxar mais a qualquer momento se a Varig aceitar a fusão com a TAM. O plano, rascunhado pelo economista Luciano Coutinho em um documento de 38 páginas, previa a criação de uma empresa nova, juntando também Rio Sul e Nordeste, subsidiárias da Varig. As partes podres das companhias ficariam de fora, segundo apurou o editor Ricardo Grimbaum, de DINHEIRO. A FRB manteria o controle das demais empresas do grupo, como Velog, Sata e hotéis Tropical. Havia questões essenciais ainda em discussão. A primeira é sobre os sócios da nova empresa. Três credores internacionais da Varig já aceitaram entrar: a Boeing e as operadoras de leasing GE e ILFC. Teriam o total de 20% das ações. Também está acertado que o BNDES e o BB participariam. Teriam juntos entre 40% e 45% das ações. A questão mais difícil é resolver os percentuais da família de Rolim Amaro, fundador da TAM, e da FRB. A família pleiteia entre 30% e 35%, mais o controle decisório ? e gostaria de deixar a Fundação com 5%. O mais provável, contudo, é que a Fundação entregue parte das empresas coligadas, como a de manutenção, e suba o seu naco de ações para cerca de 15%. Desde a quarta-feira passada, todas essas decisões dependem, mais do que nunca, da vontade de Carlos Lessa, presidente do BNDES. Na reunião do ministro Viegas com Gilberto Rigoni, ficou decretado que Lessa passa a ser o avalista da fusão e, na prática, atuaria como um interventor na companhia. Coutinho e o banco Fator, até então no comando do processo, seriam colocados como meros consultores. Varig e TAM foram colocadas contra a parede: ou abrem totalmente seus números, ou serão abandonadas à própria sorte. ?O BNDES e o Ministério têm 30 dias para apresentar mais estudos sobre a fusão, coisa que o banco Fator não fez até agora?, disse Rigoni à DINHEIRO. Se a fusão vingar, haverá o lançamento de R$ 300 milhões em debêntures da nova companhia.

 

 

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Embarque: BNDES toma o manche do processo de fusão

Há um ano que a Varig tenta sair de um furacão, mas a anomia só tomou conta na tarde de 10 de abril, quinta-feira passada. Nesse dia, estava acertada a tomada do poder interno por um grupo de executivos afinados com o governo e com a TAM. O homem forte da companhia chama-se Yutaka Imagawa, que por quase uma década vinha acumulando as presidências do Conselho Curador da Fundação e do Conselho de Administração da holding FRB-Par. Ele tem sido apontado pelo mercado como o principal obstáculo à reestruturação da Varig. ?Esse japonês está dificultando as coisas, está escondendo o jogo, não conta direito o que ele quer ou não quer?, queixou-se o presidente Lula a um amigo. Imagawa, por sua vez, reclama que ninguém do governo quer recebê-lo e que estaria havendo uma conspiração para isolá-lo liderada pelo ministro Dirceu e por Luciano Coutinho. Em fins de março, quatro dos sete curadores da Fundação se rebelaram contra Imagawa e convocaram uma reunião para o dia 10, quando ele seria destituído do conselho da holding. O líder da rebelião chama-se George Ermakoff, ex-presidente da Rio Sul e atual presidente do sindicato das empresas aéreas. Imagawa acusa Ermakoff de estar mais próximo da TAM do que dos companheiros. Os dois já não se falam há meses. Ermakoff acertou com Coutinho uma chapa com três nomes ligados ao governo para assumir o Conselho de Administração da holding no lugar de Imagawa e sua turma. O novo presidente seria Nilton Molina, ligado ao ministro Luiz Gushiken, da Comunicação de Governo. Daniel Mandelli, presidente da TAM, participou das articulações; Imagawa não. Para surpresa do governo, ocorreu um golpe em cima da rebelião anunciada. De acordo com a Ata Oficial, a qual DINHEIRO teve acesso, Rigoni, um dos curadores rebelados, mudou de lado na véspera da reunião. Viajou secretamente a Brasília e voltou com outra chapa, a vencedora, formada por sindicalistas da CUT. Entre eles, Gilmar Carneiro, diretor do BNDES e ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, e o professor gaúcho Renato Della Vechia, ligado à deputada ultra-xiita Luciana Genro. Rigoni apresentou a chapa como sendo do governo, mas não revela quem a organizou. Na semana passada, Lula e José Dirceu caçavam o responsável pelo golpe. Inquirido, o ministro Tarso Genro, do Conselho de Desenvolvimento, negou. Gushiken também.

Nos próximos dias, pode haver uma revolução para debelar o golpe. Os curadores derrotados estão colhendo assinaturas para convocar uma assembléia do Colégio Deliberante, instância máxima da Fundação, formado por 228 funcionários. A idéia é que o Colégio aprove, no voto, o projeto de fusão. E depois virar a mesa. Na melhor das hipóteses, a decisão só sai no início de maio. O presidente demissionário da Varig, Manoel Guedes, passou a tarde de quarta-feira 16 reunido com a diretoria da empresa, em São Paulo. Ao final, jogou a toalha e assinou uma carta de demissão. Ele foi posto no cargo por Imagawa, entrou de cabeça no projeto de fusão e, hoje, ele e seu protetor já não conversam direito. Ao chegar à companhia em seu último dia no cargo, Guedes desabafou com colegas sobre o que está dando errado. Primeiro, há um jogo de estica-e-puxa entre Varig e TAM. A Varig atravessa dificuldades agora, mas, se o governo reescalonar as dívidas, chega inteira em 2004, sem a fusão. A TAM, por outro lado, se ficar sozinha, dentro de seis meses deve viver uma crise quase igual à da Varig. Por isso interessa à TAM fazer a fusão agora. Mas à Varig é melhor, segundo Guedes, adiar o acordo. Rigoni, de certa forma, concorda: ?A Varig está acima de dívidas e dúvidas?.