07/08/2002 - 7:00
DINHEIRO ? O gás de cozinha é o vilão da inflação, como
diz o governo?
UEZE ZAHRAN ? O estranho nessa história é a continuidade dos aumentos de preços da Petrobras e dos impostos por parte da Secretaria da Fazenda. O preço do gás há seis meses era de R$ 720 e hoje é de R$ 1.120 a tonelada. Isso é o que nós, as engarrafadoras, pagamos para a Petrobras. Nesse valor estão incluídos os impostos, que nós pagamos antecipadamente. Se pagarmos a prazo, a Petrobras cobra 2% de juros, até mesmo sobre o imposto que pagamos antecipadamente.
DINHEIRO ? Então, em sua opinião, é falso dizer que os distribuidores são os responsáveis pelos aumentos?
ZAHRAN ? É falso. O botijão de 13 litros na refinaria aumentou
R$ 5,20 em seis meses. Hoje, ele custa R$ 15,50 para a engarrafadora, que enche o botijão. Nós precisamos de R$ 5
para fazer o engarrafamento. A concessionária, responsável pela distribuição e entrega, precisa de outros R$ 5. Se diminuir esse valor, vamos trabalhar no prejuízo e a concessionária também.
DINHEIRO ? Por que de repente o governo despertou para o gás
de cozinha e até o presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu falar sobre o assunto?
ZAHRAN ? Porque o dólar está estourando e o risco Brasil está nessa desgraça. A Petrobras começou a aumentar o preço de janeiro para cá. Quando o presidente da Petrobras diz que o preço na refinaria é R$ 9,80 por botijão, ele está falando parte da verdade. Porque em cima disso a distribuidora paga quase 6 reais de impostos antecipadamente. O que se vê é a Petrobras aumentar preço sem dar satisfação a ninguém. Ela produz 70% do gás que se consome neste País, mas ela trabalha com o preço internacional. Então, houve uma combinação do aumento do preço do gás lá fora com o aumento do dólar (porque ela paga em dólar). Isso provocou o reajuste na gasolina, no diesel e no gás de cozinha. Só que o preço do gás vai aumentar ainda mais lá fora, porque o inverno no hemisfério norte ainda não começou.
DINHEIRO ? O governo está procurando um bode expiatório?
ZAHRAN ? Pelo jeito, sim. O preço do gás aqui é a metade do preço lá fora. Na Europa eles pagam o mesmo preço que nós, mas o consumidor final paga US$ 21. Aqui estamos em torno de R$ 25, R$ 26, R$ 27. O gás é um produto diferente. A engarrafadora e a distribuidora não podem ter prejuízo porque esse setor trabalha com uma questão de segurança para 93% da população, que é a parcela que consome gás de cozinha.
DINHEIRO ? O sr. insiste nessa questão de segurança. Qual o impacto desse item no custo do produto?
ZAHRAN ? A segurança dos botijões, dos caminhões-tanques e da distribuição custa dinheiro. Fiquei anos brigando pela regulamentação do setor. Houve uma época em que cada empresa podia encher botijões de outras empresas e nenhuma delas tinha compromisso com nada. Era uma bagunça. Só consegui mudar isso, porque coloquei um Ministério, o da Justiça, dentro do Ministério das Minas e Energia, que não tinha interesse nem capacidade para impor as regras. Hoje uma engarrafadora só pode encher seus próprios botijões. Criamos 16 centros de destroca de botijões no País. Trocamos 8 milhões de botijões por mês. Isso é uma fortuna, um custo brutal. Ao mesmo tempo requalificamos os botijões. Mais de
30 milhões foram requalificados. Mais de 6 milhões não passaram
na requalificação e foram substituídos por novos. Fomos obrigados
a comprar mais de 20 milhões de botijões. Tivemos de investir
R$ 1 bilhão. De onde sai isso? Da margem do engarrafador. No mundo inteiro a requalificação se faz a cada 10 anos, no Brasil não se fez durante 45 anos. No mundo, o índice de destruição de botijões é de 3%, no Brasil foi de 20%. O consumidor compra o botijão uma vez e nunca mais paga por ele, só pelo conteúdo. A conservação, conserto, substituição, tudo isso sai da margem da engarrafadora.
DINHEIRO ? O ministro Francisco Gomide diz que a margem de comercialização era de R$ 9 em janeiro e agora é de R$ 14…
ZAHRAN ? Não. Nenhuma distribuidora tem isso. Os balanços da maioria estão no vermelho.
DINHEIRO ? Por que o governo levantou essa questão?
ZAHRAN ? Porque precisava pegar um bode expiatório e não conhecia todo o processo do gás e falou o que não devia. É isso
que leva o governo a achar que as companhias estão ganhando muito. As companhias não estão ganhando nada. As empresas devem R$ 2 bilhões para bancos. Há uma grande empresa do setor (cujo nome não vou citar) com 64 títulos protestados, segundo o Serasa. É com prejuízo que vão pagar isso? Eu pago o produto na refinaria à vista. Depois tenho de dar crédito de 15 dias para o concessionário. Esse volume de crédito, no caso da Copagaz, subiu de R$ 33 milhões em dezembro para R$ 55 milhões atualmente. A necessidade de capital de giro foi lá para cima.
DINHEIRO ? Há possibilidade do controle de preço, como disse o ministro Francisco Gomide?
ZAHRAN ? Não haverá tabelamento. Ninguém vai fazer isso. O que falta para os homens que decidem é informação sobre a cadeia de gás. Além disso, o aumento da gasolina e do diesel aumenta o custo da distribuição do gás.
DINHEIRO ? O ano eleitoral não cria um ambiente favorável para tabelamento?
ZAHRAN ? Se ele tabelar ele vai tabelar no preço em que está. Quando o subsídio do gás ia acabar eu propus para o Cláudio Considera (secretário de Acompanhamento Econômico) a volta do vale gás, que deixou de existir em 1995. Todo mundo foi contrário. Todas as empresas, inclusive. O Considera estava presente na reunião, mas não opinou. Procurei o governo e fiz as seguintes contas: o Brasil consome 45 milhões de botijões por mês. Se aumentar 2 reais vai recolher 90 milhões por mês. As famílias identificadas pelo vale gás somam 6 milhões. Então pode entregar R$ 15 reais para cada família por mês. Escrevi uma carta e a entreguei para o Pedro Malan e para vários ministros. Só depois de dois anos o vale gás apareceu, com R$ 15 a cada dois meses e 9 milhões de famílias atendidas.
DINHEIRO ? O governo falou que a produção é um monopólio e a distribuição é um oligopólio…
ZAHRAN ? Ele não errou no caso da produção e também não errou no caso da distribuição. O monopólio é a Petrobras. E no caso
do oligopólio também está certo. Existem no Brasil oito companhias que vendem 7 milhões de toneladas por ano. No México, vendem
9 milhões e são 532 empresas de gás. Aqui tem oito. A Total Gas, francesa, vende 2 milhões de toneladas em 40 países. A Agip Liquigás vende sozinha 1,4 milhão só no Brasil. É difícil uma empresa trabalhar com tanto gás assim e dar condições de segurança. Ninguém faz. Não consegue fazer. Só que o oligopólio age no sentido contrário no Brasil.
DINHEIRO ? Como assim?
ZAHRAN ? Além de vender isso tudo, a Agip Liquigas rouba concessionários de outros. A Butano age assim e a Ultragás também. Pode colocar o nome delas aí. Por que elas fazem isso? Elas querem o mérito de ser a primeira em volume de vendas. O lucro não interessa. Todas estão em prejuízo. E com isso começam a roubar concessionárias de outras companhias. Eu estou acionando essas empresas através da promotoria pública. Só no Brasil isso acontece. Os dirigentes dessas empresas não têm ética, não têm compostura
e roubam o trabalho de outros. Vou impor a decência no setor de gás com a polícia.
DINHEIRO ? Então há um oligopólio na distribuição de gás?
ZAHRAN ? Há.
DINHEIRO ? E esse oligopólio não age na hora da
formação de preço?
ZAHRAN ? Não. Age ao contrário. Age na hora de roubar um concessionário meu. Quando uma engarrafadora nomeia um concessionário, é necessário entrar na ANP, tirar todas as licenças, emprestar botijões. Eu tenho 535 mil botijões emprestados. E o que a Butano, a Ultragas e a Agip Liquigas fazem? Chegam para o meu concessionário e dizem: ?Eu comprei o botijão de gás da Petrobras por 15,50 e vou vender para você por 15,50?. E, assim, toma o concessionário porque faz dumping, vendendo o gás para ele a preço de custo. A Liquigas faturou R$ 1,5 bilhão em 2001 e teve prejuízo de R$ 37 milhões. É o oligopólio burro. Qual o mérito de ser a primeira em volume, não pela primazia do público e pela qualidade do serviço, mas pelo roubo de concessionário? É uma burrice sem tamanho. É uma luta minha de 10 anos. Eu estou trabalhando há 47 anos com gás e nunca tive concorrente assim. Só puxam volume e roubam para puxar volume. Um dia fiz uma reunião no sindicato das engarrafadoras, cheguei 15 minutos atrasado de propósito, fiquei
em pé e disse. ?Vou dizer uma verdade para vocês. Vocês roubam concessionários e dizem que é aliciamento. Não é aliciamento, é roubo.? É um sacrifício trabalhar com esse pessoal como concorrente, porque a ética, a decência, a honestidade não funcionam. Volume de vendas sem lucro traz tragédia, traz explosão de shopping, traz morte de consumidor.
DINHEIRO ? Qual a saída para melhorar o preço do gás, já que, segundo o senhor, as empresas não ganham dinheiro com ele e a população paga caro?
ZAHRAN ? O País tem de crescer, criar emprego e estamos patinando há cinco anos. O País coloca 1,5 milhão de pessoas no mercado de trabalho com crescimento pífio como o nosso. O resultado está nas ruas, com violência, com desemprego. A saída não é mexer no preço. É melhorar o poder aquisitivo da população.
DINHEIRO ? Aumentar o valor do vale gás seria uma saída?
ZAHRAN ? Seria. Para a classe média não está tão caro. O pessoal de baixa renda é o mais atingido. O gás crescia 2% ao ano. Mas até junho deste ano, vendemos 140 mil toneladas a menos. Isso se deve tanto à concorrência do gás natural quanto à queda de consumo.
DINHEIRO ? Num momento em que o governo enfrenta problemas de caixa, o aumento do vale seria viável?
ZAHRAN ? É a única solução. É um subsídio justificável. Tem o vale transporte, o vale refeição, por que não o vale gás?