DINHEIRO ? Foi precipitado o aumento dos juros pelo Copom no momento em que a economia começava a reagir?
ILAN GOLDFAJN ?
O debate colocado é que o aumento de meio por cento é para evitar o crescimento. O que estou querendo dizer é que o aumento foi para evitar a inflação. Foi necessário porque a nossa projeção de inflação era maior que a meta. A meta não é apenas um número matemático. Nós temos nosso modelo que apontava para isso. E, claro, a nossa visão subjetiva também indicava isso. Na medida em que você observa que a inflação vai ficar acima da meta de inflação, o BC toma uma medida preventiva e acaba aumentando a taxa dos juros. Temos de fazer um Boeing, que é a economia brasileira, aterrissar em uma pista do Santos Dumont (aeroporto do Rio de Janeiro, onde a pista começa no mar). Se o piloto errar um pouco, o avião vai para a água. No ano passado, tínhamos uma meta de inflação de 6%. Fizemos 6%.

DINHEIRO ? Por que a percepção não é tão evidente para o mercado, que reagiu de forma tensa à decisão, e para os empresários?
GOLDFAJN ?
Há dois anos que não se observava um aumento de juros porque a taxa vinha de um patamar alto. O mercado nunca viu aumento de sintonia fina. Ele só conhecia aumentos grandes, no momento em que o leite já fora derramado. No passado, não se fazia ajuste fino como o que foi feito porque é impopular. Então, se esperava até chegar a um ponto que era necessário aumentar muito. Agora, se a projeção ficar acima da média, você pode aumentar um pouco, não vai ser nenhum desastre.

DINHEIRO ? Portanto, foi inaugurada uma mudança no ajuste de juros?
GOLDFAJN ?
Houve uma mudança estrutural. Os países mais desenvolvidos fazem isso: pequenos ajustes. Estamos entrando em um terreno de uma economia mais estável e nele há várias mudanças. Entre elas, está a percepção em relação à política monetária. Acho que da próxima vez que houver um aumento dos juros como o que foi feito, será percebido de outra forma. No dia em que divulgamos o reajuste, tinha gente pensando que aquele era o primeiro de uma série de 25. À medida que o tempo for passando, eles vão perceber que os 25 não aconteceram. As pessoas já começaram a perceber que o gato não subiu no telhado.

DINHEIRO ? Além do problema das contas externas, há uma preocupação do BC com o aquecimento de alguns setores da economia?
GOLDFAJN ?
Na realidade, a questão das contas externas e o aumento da capacidade instalada se juntam. A maioria dos setores está aquecendo. O que ocorre não é o desequilíbrio de oferta e demanda interna, com elevação de preços no mercado interno. O que está acontecendo é um aumento de importações. Isto tem feito com que a balança comercial fique mais deficitária. Há uma deterioração da balança nos últimos meses que afetou as expectativas no mercado de câmbio.

DINHEIRO ? O Brasil ainda é vulnerável a crises externas. O aumento de juros não adia ainda mais o processo de fortalecimento da economia que driblaria essa fragilidade?
GOLDFAJN ?
Queremos crescer e vamos crescer o que der para crescer, mas sem inflação. No ano passado, foi comprovado que não é possível crescer com inflação. Empresários representativos como Horácio Piva, da Fiesp, têm de entender isso. O que o BC tem de fazer para incrementar o crescimento é manter a credibilidade e a inflação controlada, cumprindo as metas. Talvez seja possível crescer mais, se a meta de inflação não for respeitada. Mas precisamos fazer essa transição com pés no chão. Se formos com muita sede ao pote, poderemos ter problemas.

DINHEIRO ? Se o governo eleva os juros por causa das contas externas, como a economia pode ganhar competitividade para enfrentar exatamente este problema?
GOLDFAJN ?
A economia não vai crescer mais, se o BC fizer pouco das metas de inflação. O crescimento sustentado só vai acontecer em uma economia estabilizada e sob controle. É desta forma que se consegue crescer e não de uma maneira que pode ser percebida como não muito responsável.

DINHEIRO ? Mas um crescimento de 4% não é pouco diante do potencial da economia brasileira?
GOLDFAJN ?
Não acho pouco em vista de nossa taxa de investimento. É uma taxa robusta.

DINHEIRO ? O crescimento ainda esbarra em gargalos como a falta de competitividade e o déficit de energia. Como esses problemas aparecem nas suas projeções?
GOLDFAJN ?
Os investimentos que têm sido feito em vários setores estão aumentando a capacidade de produção. Há investimentos nas áreas de bens intermediários e bens de capital que estão surtindo efeito. A redução de energia se resolve com investimento. O mesmo acontece com o problema da mão-de-obra qualificada. O que resolve é investimento em educação.

DINHEIRO ? Quando esses investimentos vão ser percebidos?
GOLDFAJN ?
Isso leva algum tempo. O setor de papel e celulose, por exemplo, é mais apertado. Tem investimentos, mas leva dois anos. Todos os setores ligados a bens de consumo, como alimentação, têm muita capacidade ainda.

DINHEIRO ? O volume de investimentos tem sido suficiente para impulsionar a economia?
GOLDFAJN ?
Ainda estamos na faixa do 20% do PIB. Este ano deve crescer para 21%. Em países da Ásia, que cresce a 8%, este percentual é de 30%. Esta diferença é significativa. O Brasil está crescendo sustentando-se. Poderia crescer mais, desde que tivéssemos uma taxa de investimento maior.

DINHEIRO ? Como o volume de investimentos pode crescer ainda mais?
GOLDFAJN ?
Essa taxa vai crescer com o aumento da poupança pública, privada e externa. No caso da poupança externa, o problema é o déficit na conta corrente e isso acontece porque se está comprando de fora sem exportar. No caso da poupança privada, temos de conseguir fazer com que a sociedade consuma menos e poupe mais. O problema é que temos necessidades de consumo que estão reprimidas. O nosso desafio é aumentar a nossa poupança no momento em que a sociedade quer consumir mais. No setor público, diminui a falta de poupança. Temos um superávit primário que dá 3%, 3,5%.

DINHEIRO ? Com a proximidade das eleições, a tensão política tende a contaminar a economia?
GOLDFAJN ?
Eu espero que não. Isso só vai acontecer se houver paralisação dos trabalhos do Congresso. Isto sim é um efeito importante. Há uma agenda importante que precisa avançar.

DINHEIRO ? É certo também que, com a proximidade das eleições, o debate sobre crescimento e estabilidade tende a voltar. Como isso pode afetar a economia?
GOLDFAJN ?
Não sei se o componente político, por exemplo, afetou a depreciação cambial recente que ocorreu. No fundo, as pessoas sabem que o controle de inflação é um ativo que a sociedade ganhou. Ninguém vai se colocar a favor do aumento de inflação. Vai haver discursos a favor de crescimento maior. A questão é: você quer crescer mais à custa de mais inflação? Eu não sei quem vai fazer este discurso.

DINHEIRO ? Em um ambiente de tensões externas, de aumento de importações e de juros altos, como é possível crescer sem inflação?
GOLDFAJN ?
O governo pode avançar nas reformas. A reforma tributária diminui as distorções. É possível exportar mais e assim aliviar o déficit na conta corrente e a restrição externa. Assim, o câmbio não vai reagir toda vez que houver uma crise externa. Infelizmente, não há respostas fáceis, que acontecem de um dia para outro.

DINHEIRO ? Nas suas projeções, existe a possibilidade de as turbulências externas reduzirem os investimentos diretos no Brasil?
GOLDFAJN ?
Por enquanto, mantemos nossas projeções de US$ 24 bilhões. Fomos conservadores e mesmo em um cenário mais apertado, ou seja, uma desaceleração nos EUA, está dentro do que prevemos. Neste caso, a desaceleração vai ser um pouquinho mais forte do que se imaginava. Mas isso já dentro da nossa projeção. A crise na Argentina do ministro Cavallo afeta mais o mercado de câmbio e não os investimentos diretos.

DINHEIRO ? Como ficam as turbulências em países como EUA, Argentina e Turquia ao longo deste ano?
GOLDFAJN ?
No médio prazo, tendem a diminuir. O que é preciso levar em consideração é que sempre vai haver país pipocando.

DINHEIRO ? Até que ponto a desvalorização do câmbio pode afetar as metas de inflação?
GOLDFAJN ?
No nosso modelo, cada 10% de depreciação do câmbio vira 1% de inflação em três meses. Este repasse, no entanto, não é estanque. Ele pode mudar quando o nível de atividade é maior. Quando a economia está crescendo a 4,5% e o empresário precisa importar, o cenário é outro. Temos de garantir que o repasse seja o menor possível. A única forma de fazer isso é ter uma política monetária um pouco mais apertada. Se o BC acomoda muito e deixa a inflação subir, então a pessoa diz: vou aumentar porque todo mundo vai aumentar. Se fica perceptível que há um compromisso com a meta, ela não aumenta porque sabe que a inflação vai atingir aquele percentual.

DINHEIRO ? Além de uma política monetária rígida, inflação não se combate com aumento de competitividade?
GOLDFAJN ?
A competitividade está acontecendo. A pergunta é em que velocidade ela será sentida. Essa competitividade não é conseguida com uma canetada do governo. O governo pode fazer isso estimulando as reformas. Mas ela também tem a ver com redução de custos. Competitividade e juros não estão diretamente relacionados.