Há algo de podre no reino do futebol. A menos de um mês da Copa do Mundo, o Brasil tem ocupado um espaço nobre da imprensa internacional mais pelos desacertos do que pelo futebol. Nunca houve, provavelmente, tanto medo e incerteza em torno do maior evento esportivo do planeta quanto neste. Nas ruas, os protestos assustam. Os conflitos armados, ora com o Exército ocupando os morros do Rio de Janeiro, ora com tanques de guerra no centro de cidades como Recife, ganham manchetes no mundo todo. Na semana passada, a maior e mais importante revista da Alemanha, a Der Spiegel, fez uma previsão sombria sobre o Mundial no país do futebol. Com o título “Morte e jogos”, o semanário trouxe em sua capa uma imagem da bola oficial do torneio em chamas caindo sobre o Rio de Janeiro.

A reportagem mostrou um retrato dos atrasos nas obras, da insatisfação dos brasileiros com os altos custos do evento e dos prováveis embates nas ruas das cidades-sede. “Justamente no país do futebol, a Copa do Mundo pode virar um fiasco: protestos, greves e tiroteios em vez de festa”, afirma a matéria, assinada pelo jornalista Jens Glüsing. Infelizmente, ele tem razão. No Rio de Janeiro, o movimento de pacificação das favelas não funcionou como planejado. Todos os dias, sem exceção, policiais e traficantes se enfrentam de maneira sangrenta. Em São Paulo, gangues queimam ônibus a qualquer hora do dia ou da noite. Na grande Recife, com a Polícia Militar em greve, há arrastões, furtos, assaltos e mortes violentas.

Em Salvador, a paralisação da polícia fez o número de assassinatos triplicar: foram 70 em apenas três dias. O arsenal de críticas ao Brasil, às vésperas da Copa do Mundo, não se restringe à violência. A infraestrutura continua insuficiente tanto para atender à demanda dos jogos quanto para suprir o mínimo esperado pelos brasileiros. Os aeroportos não me deixam mentir. A situação é mais crítica em Porto Alegre, onde somente 1,8% das obras ficaram prontas. Em Fortaleza foram executados 16% da reforma do terminal de passageiros. Em Cuiabá, a solução foi a instalação de um terminal provisório, um puxadinho, para dar conta dos turistas que virão.

O gasto estratosférico com a construção dos estádios é outra vergonha. O orçamento inicial para as obras das 12 arenas do torneio saltou de R$ 2,2 bilhões, há dois anos, para R$ 8 bilhões, um aumento de 263%. Nenhum país gastou tanto com a Copa. Nenhum país usou tanto dinheiro público. Vale lembrar ainda que dos 49 grandes projetos de construção que ficariam como importantes legados, 13 nem sequer saíram do papel ou foram reduzidos. Entre eles, o trem-bala ligando São Paulo ao Rio de Janeiro. No campo dos negócios, a esperada goleada do Brasil está mais para uma derrota por W.O.

O cancelamento de viagens durante o período dos jogos e o adiamento de eventos corporativos estão levando as redes hoteleiras das grandes cidades a antecipar o prejuízo. Em São Paulo, a cidade que tem a maior oferta de hospedagens, 59% das vagas estão disponíveis, pelos cálculos do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil. A média nacional é de 52%. Já as companhias aéreas, que subiram os preços das passagens às alturas, apelaram para promoções para evitar aviões vazios. Algumas operadoras de turismo, como a líder CVC, já falam em 30% de desconto nos pacotes durante os jogos. Diante dessa conjuntura, o Brasil já pode se considerar derrotado por antecipação na Copa do Mundo. A possível conquista do hexacampeonato não compensará a oportunidade perdida.