Em 2008, aos 59 anos, o indiano Rajat Gupta tinha tudo o que um homem poderia almejar na vida. Na parte pessoal, construíra uma família sólida, com um longo casamento e quatro filhas, e um patrimônio estimado em US$ 130 milhões. No lado profissional, uma formação acadêmica impecável na Índia e a glória de ter sido o primeiro não americano a presidir a McKinsey, a mais importante empresa de consultoria do mundo. Depois de três mandatos como presidente e de quase quatro décadas de carreira, Gupta geria seu patrimônio, recebia a elite empresarial americana em sua mansão no Estado americano de Connecticut, e cogitava montar o próprio fundo de private equity e um escritório de consultoria de alto nível. 

 

 

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Ele também participava dos conselhos de administração de algumas das maiores empresas americanas, como Procter e Gamble, American Airlines e, principalmente, o banco de investimentos Goldman Sachs. No entanto, isso não era suficiente. Gupta queria mais. Tanto que telefonava frequentemente para um conterrâneo e amigo, gestor de um fundo de hedge, para trocar ideias sobre ações e tentar ganhar um dinheirinho a mais. Pena que o amigo fosse Raj Rajaratnam, fundador da gestora Galleon. Três anos depois dessas conversas, Rajaratnam foi condenado por fazer negócios com base em informações privilegiadas, o chamado insider trading. 

 

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Atrás das grades: Raj Rajaratnam, do Galleon: condenação por usar informação privilegiada.

 

Por ser língua-solta com os segredos do Goldman, Gupta, que pode ter de desembolsar cerca de US$ 30 milhões em custas legais, decretou o fim de sua carreira no mundo dos negócios e destruiu sua rede de relacionamentos laboriosamente construída. Mais do que isso, esses tropeços confirmaram que o Goldman não estava isento do que Alan Greenspan, ex-presidente do banco central americano, havia chamado de “ganância infecciosa”. Na sexta-feira 15, um júri de Nova York considerou Gupta culpado de ter passado informações privilegiadas sobre o banco para Rajaratnam no auge da crise financeira, em setembro de 2008. 

 

A sentença deverá ser lavrada no dia 18 de outubro, mas, mesmo que não tenha de passar um só dia atrás das grades, Gupta é, até agora, o executivo mais graduado condenado por esse crime. A decisão foi considerada uma vitória pelas autoridades. “Informação privilegiada é muito difícil de provar”, disse o procurador americano Preet Bharara, encarregado do caso. O processo contra Gupta era considerado um dos mais incertos para a promotoria, e faz parte de um esforço moralizador iniciado há três anos. Tão relevante quanto a condenação de Gupta é o fato de um dos envolvidos ser o Goldman Sachs, o mais importante banco de investimentos dos Estados Unidos. 

 

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Autoridades em alerta: a descoberta das fraudes de Bernard Madoff

provocou um endurecimento na fiscalização.

 

O Goldman atravessou praticamente incólume as turbulências da crise do fim da década passada. Seu prestígio era tão grande que, em um momento quando qualquer gestor de recursos procurava manter a maior distância possível das ações das instituições financeiras, o megainvestidor Warren Buffett comprou US$ 5 bilhões em suas ações. A decisão de Buffett, que poderia turbinar as cotações quando fosse anunciada, foi discutida em uma teleconferência do Conselho, que começou às 15h13 do dia 23 de setembro, e da qual Gupta participou. Às 15h53, após a teleconferência, ele telefonou para Rajaratnam.

 

Quatro minutos depois o fundo Galleon havia comprado com ações do Goldman que renderiam US$ 1,2 milhão em lucros. A gravação dessas conversas condenou Gupta. O envolvimento do Goldman nesse caso – o banco está pagando a defesa de Gupta – é mais uma mácula em sua reputação, que vem sofrendo um desgaste contínuo. O escândalo provocado pela descoberta das fraudes de Bernard Madoff, em dezembro de 2008, provocou um endurecimento das autoridades na fiscalização do trabalho dos gestores de fundos e em suas relações com os bancos de investimento e com as companhias em que investem, especialmente no caso de informações privilegiadas. 

 

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Brilho apagado: nos últimos 12 meses, cerca de 50 sócios do Goldman Sachs deixaram

o banco de investimentos.

 

O alvo mais recente são as operações com ações de empresas farmacêuticas, em especial na aprovação de novos medicamentos pelas autoridades sanitárias. A permissão de vender um novo remédio pode transformar uma ação desconhecida em uma estrela nos pregões em minutos. Saber disso antes do mercado pode representar milhões no bônus anual de qualquer banqueiro de investimentos. Fundado há 143 anos, o Goldman Sachs parecia estar acima desse tipo de problema. No entanto, surgem mais e mais indícios de que o que ocorria em outras instituições também era prática corriqueira por ali. Não por acaso, um de seus principais executivos, Greg Smith, pediu demissão em meados de março passado e explicou os motivos em uma carta publicada no The New York Times. 

 

“Estou deixando o banco porque não consigo mais olhar nos olhos dos candidatos a emprego que entrevisto e dizer como é bom trabalhar aqui”, escreveu ele. “O Goldman perdeu sua cultura e agora não pensa mais em como servir os clientes, mas, sim, em como tirar o máximo possível de dinheiro deles.” O que na época foi considerado uma excentricidade pelo mercado vem sendo confirmado pelos fatos. No mesmo dia em que Gupta foi considerado culpado, três dos principais sócios do Goldman anunciaram que estavam deixando o banco depois de carreiras superiores a 20 anos. No ano passado, cerca de 50 sócios partiram, mostrando que o maior dentre os bancos está, também, perdendo seu brilho.