19/10/2005 - 8:00
DINHEIRO ? O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, vai conseguir recuperar a credibilidade da Casa?
RENAN CALHEIROS ? O Aldo terá de tirar a Câmara da paralisia. É preciso que a agenda do País ande. Se pudesse recomendar algo para o novo presidente da Câmara seria que fizesse o que o Senado tem feito: continuar trabalhando apesar das CPIs, votar matérias importantes, que são estratégicas para os interesses do País.
DINHEIRO ? Das pautas que estão paradas na Câmara quais são as mais urgentes na sua opinião?
CALHEIROS ? As reformas tributária e da previdência. Elas já passaram no Senado e tiveram apoio da oposição.
DINHEIRO ? O sr. acha esse tipo de consenso possível com um governista à frente dos trabalhos na Câmara?
CALHEIROS ? Espero que sim. Já perdemos muito tempo e temos o exemplo da reforma política de emergência, que não foi aprovada porque o Congresso não a analisou no prazo. A Câmara deveria ter aproveitado a crise política para votar a reforma. Agora, temos de fazer uma emenda constitucional para tirá-la do papel até dezembro.
DINHEIRO ? Qual é o coração da reforma?
CALHEIROS ? Regra clara para os financiamentos das campanhas. O caixa dois é uma excrescência. Dar parâmetros para a fiscalização é essencial. Sem isso não vamos garantir verdade eleitoral, igualdade de oportunidades e transparência.
DINHEIRO ? Como fazer isso?
CALHEIROS ? Se o governo não ajudar o Congresso com a iniciativa política de cuidar da agenda mínima, ele vai continuar nas cordas, apanhando e de tanto apanhar pode acabar nocauteado. O governo precisa governar e o Congresso legislar.
DINHEIRO ? O sr. conversou com o governo sobre uma agenda mínima para o País?
CALHEIROS ? Há meses venho me empenhando, pessoalmente, na discussão e votação dessa agenda, que levei para o presidente Luis Inácio Lula da Silva, para o Antonio Palocci e até para outros ministros.
DINHEIRO ? E qual foi o resultado do encontro?
CALHEIROS ? O governo ainda não entendeu o que é essa agenda mínima. Eles preferem tocar essa agenda passiva. Sem agilidade e consenso para votar temas que são importantes para o País não conseguiremos avançar.
DINHEIRO ? O que é a sua agenda mínima?
CALHEIROS ? Nela estão incluídas a conclusão da reforma política e a reforma tributária, que foi aprovada há dois anos no Senado e continua até agora parada na Câmara. Outro tema importante é o aprofundamento do marco regulatório. É ele que vai garantir investimentos nacionais e internacionais do setor privado, especialmente nas áreas de infra-estrutura e saneamento básico.
DINHEIRO ? As PPPs não são um alternativa para estimular esses investimentos em infra-estrutura?
CALHEIROS ? Precisamos ainda regulamentar as PPPs. O fundo garantidor, fundamental para que elas realmente aconteçam, foi criado mas ainda não
saiu do papel.
DINHEIRO ? O sr. comentou que a atual agenda é passiva…
CALHEIROS ? Sim. A área econômica do governo ainda não enxergou a necessidade de tocar as coisas com mais agressividade. Preferiram a passividade que levou o governo à crise e da qual ele só sairá quando compreender isso.
DINHEIRO ? Quais os pontos essenciais?
CALHEIROS ? Não dá para pensar em crescimento e desenvolvimento econômico com a atual taxa de juros e com essa carga tributária. O Senado está fazendo o seu papel. Agora, falta a Câmara completar a votação. Com isso, vamos simplificar e diminuir, gradualmente, os impostos.
DINHEIRO ? Essa gradualidade é para evitar queda abrupta das receitas do Fisco?
CALHEIROS ? A receita tributária, é bom lembrar, precisa guardar relação com o desenvolvimento e a produção e não com as necessidades de maiores gastos.
DINHEIRO ? Quais os erros do governo?
CALHEIROS ? O governo insiste na contenção de despesas quando deveria primar mais pela transparência, pelo controle desses gastos e pela qualidade deles, além de evitar desperdícios. A situação do Brasil não permite mais o aumento de obras inacabadas, existem mais de três mil espalhadas pelo País.
DINHEIRO ? O sr. concorda com o superávit primário?
CALHEIROS ? Não tem sentido contingenciar sem que sejam ressalvadas prioridades como a reforma agrária, a área social e os investimentos em infra-estrutura. A recuperação do crédito para o setor privado é essencial.
DINHEIRO ? O governo tem se defendido mostrando os bons números da economia.
CALHEIROS ? Eu reconheço que hoje já temos avanços, entre eles os baixíssmos índices de inflação, uma dívida externa sob controle e recordes sucessivos na balança comercial. A taxa de juros ? elevada em excesso ? já está em trajetória de queda e as projeções econômicas são gradativamente mais otimistas.
DINHEIRO ? Esse é o mesmo discurso do governo…
CALHEIROS ? Sim. Sabemos de tudo isso, mas o fato é que o momento ainda exige cautela. O nosso desafio está apenas começando. O cenário econômico parece favorável, mas não podemos esquecer que estamos crescendo, mas crescendo menos que nossos vizinhos latino-americanos e menos que a média mundial.
DINHEIRO ? Qual é o maior desafio então?
CALHEIROS ? Precisamos de um cenário mais propício para os investimentos, acabar com as armadilhas da burocracia e garantir tratamento diferenciado para as pequenas empresas e, mais uma vez, para a infra-estrutura, que é o principal gargalo da nossa economia.
DINHEIRO ? O que é esse estatuto da desburocratização que o sr. vem defendendo?
CALHEIROS ? Propomos reduzir o prazo para a criação de empresas, que hoje é de 152 dias, três vezes a média mundial. Hoje, 5% do PIB são desperdiçados com entraves burocráticos. A burocracia atropela e dificulta a criação de empresas. O Ipea (Instituto de Economia Aplicada) estima que a burocracia causa um prejuízo de 16% nas exportações e consome até 6% do lucro das empresas. Temos de estimular especialmente as pequenas empresas.
DINHEIRO ? Por quê?
CALHEIROS ? Porque existem hoje no País 12 milhões de empresas informais. Com a reforma tributária e a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas teremos um tratamento diferenciado para essas empresas, estimulando a formalidade. Além disso, os pequenos negócios representam cerca de 94% de nossas empresas, respondem por 23% do PIB nacional e geram 60% dos empregos.
DINHEIRO ? Quais reformas o presidente Aldo terá de priorizar?
CALHEIROS ? A MP 252 (a MP do Bem) já foi perdida. A Câmara não votou. Ela iria desonerar tributos para incentivar investimento produtivo. Outra coisa é permitir que Previdência e Tesouro tenham condições de reaver créditos do setor privado cujas regras atuais não colaboram e evitando margem para a sonegação e a informalidade.
DINHEIRO ? Benefícios fiscais como os que estavam na MP são a saída enquanto não se aprova a reforma tributária?
CALHEIROS ? Não só a tributária, mas a jurídica também. Temos que reduzir essa insegurança jurídica que atinge o País para que tenhamos um ambiente mais propício aos investimentos. Deveríamos proibir a edição de medidas provisórias que alteram contratos e tributos.
DINHEIRO ? Mas e os benefícios…
CALHEIROS ? Temos de destacar a importância que o crédito-prêmio do IPI teve na expansão dos resultados da balança comercial. Eles são importantes sim.
DINHEIRO ? Há outras urgências?
CALHEIROS ? A dívida dos municípios. Hoje, mais da metade dos municípios não conseguem honrar suas dívidas com a Previdência. Um dos motivos é que eles são descontados diretamente no fundo de participação e ficam sem caixa. Isso aumenta ainda mais as suas dívidas.
DINHEIRO ? Qual a saída?
CALHEIROS ? A idéia é parcelar essas dívida e permitir que esses municípios voltem a ter direito aos repasses de tributos para que possam investir e melhorar suas receitas. Seria uma espécie de reestruturação das dívidas com ampliação dos prazos de pagamento.
DINHEIRO ? Renegociação das dívidas?
CALHEIROS ? Sim. E isso vale também para o setor privado. Um diálogo com os devedores do fisco e da previdência deverá, perfeitamente, criar condições para que o Estado receba seus créditos. Se esse problema não for equacionado, o resultado vai ser o aumento da informalidade.
DINHEIRO ? A única saída é reduzir a informalidade?
CALHEIROS ? A informalidade torna injusta a competição, afasta investimentos, não contribui com o crescimento da economia e expõe trabalhadores a ficar sem proteção na velhice. Eu defendo um programa de inclusão dessas pessoas.
DINHEIRO ? Como isso seria feito?
CALHEIROS ? Por exemplo, existem hoje sete milhões de empregados domésticos no Brasil. Por isso, é preciso haver um programa específico para a inclusão dessas pessoas. Um abatimento no Imposto de Renda das pessoas físicas que registrarem esses trabalhadores pode ser uma saída. Inicialmente vai haver uma redução na receita tributária, mas a compensação será um aumento da receita previdenciária. O Brasil precisa ser criativo para resolver esses problemas.
DINHEIRO ? A redução dos tributos seria uma alternativa?
CALHEIROS ? Sim. Uma outra medida que podemos adotar é a desoneração dos produtos que compõem a cesta básica. Isso já existe em âmbito federal e precisa ser ampliada para todos os estados. Uma redução de ICMS sobre esses produtos, por exemplo, pode elevar o poder de compra dos salários, ao reduzir os gastos com a cesta.