DINHEIRO ? O governo está voltando a andar?
DILMA ROUSSEF ?
Nunca paramos. Nesse tempo todo de crise, eu trabalhei aqui no Palácio até 11 horas da noite. Será que trabalhei por nada? É só olhar o que enviamos nesse período para o Congresso. Será que a Medida Provisória da Super-Receita é algo banal? Tem também as medidas anti-corrupção, como a Lei do Enriquecimento Ilícito, e a MP do Bem, que foi retirada mas que vai voltar. O que está acontecendo é que, antes, a imprensa só tinha espaço para denúncias do mensalão e para as CPIs. Agora, começa a contar também o que o governo está fazendo em outras áreas.

DINHEIRO ? E o que vem daqui para a frente?
DILMA ?
O governo está passando por um momento repleto de números positivos. Vocês viram os últimos dados sobre desemprego? Nós estávamos criando de 8 mil a 10 mil empregos por mês. Mas em setembro criamos 189 mil empregos. É muito! Nos Estados Unidos, eles suam a camiseta para criar 100 mil vagas no mercado. Esse número mostra uma retomada sistemática da economia. Estamos de fato entrando no círculo virtuoso de crescimento sustentável.

DINHEIRO ? Muitos economistas sustentam que esses resultados devem ser creditados ao modelo macroeconômico do governo FHC e aos investimentos privados.
DILMA ?
Eu questiono aqueles que dizem que o Brasil estava no piloto automático e que os números positivos de agora são fruto do modelo ligado lá em 1994 pelo Pedro Malan. Eu não acredito que esse crescimento seja obra do Malan! Recebemos o país quebrado. Falava-se em risco Lula, tudo bem, mas isso não justifica um para quatro de taxa de câmbio, a perda absurda do controle inflacionário e uma queda vertiginosa dos investimentos. Nós recebemos o Brasil com enormes feridas e seguramos uma situação difícil que diziam que não seguraríamos.

DINHEIRO ? O governo pretende mudar nos 14 meses que restam de mandato essa política econômica que elegeu o superávit primário como prioridade?
DILMA ?
O que existe de problemático no esforço fiscal? É que isso não é algo que se faz impunemente. Não vou ser ingênua de dizer que o superávit se dá sem seqüelas. Acho que o nosso investimento poderia e deveria ser maior. O Brasil precisa investir em infra-estrutura, não dá para aceitar a idéia de que os investimentos sejam uma atribuição da iniciativa privada pura e simplesmente. É, sim, um ônus conjunto do governo e da iniciativa privada. O superávit só tem sentido se estiver viabilizando processos de crescimento mais robustos e eficazes. E me parece que está, que já está mostrando resultados.

DINHEIRO ? Mas o superávit precisava ir para cima até da vigilância sanitária, a ponto de explodir a crise da febre aftosa?
DILMA ?
Não acredito que a crise da aftosa seja conseqüência direta da política fiscal. Não atribuímos o problema da aftosa à falta de investimentos públicos. Está ficando cada vez mais claro que o surto não foi provocado pela falta de vacinação, parece que houve vacinação. O problema estaria na origem dos animais. Além disso, havia recursos disponibilizados para que o Ministério da Agricultura fizesse os investimentos necessários. Mas agora quero mudar de assunto, quero falar de investimentos em estradas.

DINHEIRO ? Então fale, por favor.
DILMA ?
Vamos acelerar os investimentos em logística. Isso não quer dizer que o Estado vai chamar para si toda a responsabilidade. Há muitos tipos de engenharias financeiras. Estamos finalizando o processo para licitar ainda este ano oito concessões de rodovias, que serão asfaltadas ou duplicadas só com dinheiro privado e amortizadas com o dinheiro dos pedágios. Tem também as PPPs para as rodovias menos lucrativas, onde o governo entrará com parte dos investimentos. Mas o principal é que o governo já começou a investir dinheiro do próprio Orçamento na recuperação da malha de rodovias detonadas. É menos que o necessário, mas é só o início. A Confederação Nacional do Transporte fala que o País precisa investir R$ 12 bilhões por ano em esrtadas. Nós estamos investindo só este ano R$ 4 bilhões na recuperação de 18 estradas. São gastos diretos do governo, dinheiro só nosso. Não é operação tapa-buraco, é recuperação por inteiro. Ano que vem estamos prevendo mais R$ 6,5 bilhões, e olha que estou sendo conservadora. E já vamos preparar o terreno para investir outros R$ 8 bilhões em 2007. Quando as concessões e as PPPs estiverem maturadas, os investimentos totais, públicos e privados, devem chegar a R$ 20 bilhões.

DINHEIRO ? O presidente Lula já anunciou meia dúzia de vezes programas ambiciosos para as rodovias que sempre patinam na burocracia ou no esforço de fazer superávit primário. O que garante que desta vez vai dar certo?
DILMA ?
Nós acabamos de criar uma Sala de Situação aqui na Casa Civil só para acompanhar os investimentos em rodovias. Está aqui ao lado do meu gabinete, com representantes dos ministérios dos Transportes, Fazenda e Planejamento. A idéia é azeitar as rotinas e os mecanismos que levem a gastos mais ágeis. Eu empenho o recurso e depois pago. O objetivo é acelerar o pagamento do que está atrasado, por exemplo. Resolver problemas. Que tipo de problemas? Por exemplo, antes de fazer a licitação da concessão, tenho de ter aprovação do Tribunal de Contas da União. Aí o TCU fala que isso aqui está errado e tudo pára. Mandei o pessoal dessa sala de situação trazer o pessoal do TCU aqui para dentro. Estamos ajeitando os problemas apontados pelos auditores antes mesmo de lançar a licitação.

DINHEIRO ? Que outros investimentos públicos estão vindo por aí?
DILMA ?
Vamos investir R$ 3 bilhões em saneamento e tratar estradas, portos e ferrovias como prioridade total do governo daqui para frente. Nos próximos dias, ainda em outubro, o presidente Lula vai lançar o projeto da ferrovia Transnordestina. Ele vai assinar convênios que prevêem investimentos de US$ 4,5 bilhões para interligar a cidade de Eliseu Martins, numa das áreas mais pobres do Piauí, até os portos de Pecém, em Fortaleza, de Suape, em Recife. É um projeto estruturante, já que a ferrovia vai possibilitar os escoamento da produção agrícola e viabilizar economicamente uma das regiões mais pobres do Pais. Outra prioridade é equacionar todos os problemas sociais e ambientais para iniciar as obras de transposição do rio São Francisco.

DINHEIRO ? Afinal, quanto o governo pretende investir até o final do mandato do presidente Lula?
DILMA ?
Pelo menos R$ 45 bilhões em 2005 e mais R$ 48 bilhões em 2006. Estou incluindo os investimentos em infra-estrutura e os sociais, como em reforma agrária, os programas de distribuição de renda, educação e saúde. Também os investimentos da estatais. Nunca se esqueçam que a Petrobrás está investindo US$ 9 bilhões por ano e caminha para a auto-suficiência. Isso conta como investimento público.

 

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“Não acredito que o crescimento atual seja obra do Malan. Pegamos o País quebrado”

 

DINHEIRO ? E como a sra. vai assegurar que o superávit primário do ministro Palocci não vai continuar preterindo os investimentos? Nos últimos três anos, o superávit tem-se mantido 6% ou 7% do PIB ao longo de maior parte do ano.
DILMA ?
Eu não asseguro nada. Tem a lei que é para ser cumprida. A lei diz que o superávit precisa ser de 4,25% e pronto! As autoridades do governo precisam se manter na legalidade.

DINHEIRO ? Mas neste momento está acima de 5%.
DILMA ?
Não chegou até o final do ano… Quando o ano terminar, teremos de ter cumprido o Orçamento a ponto de fazer 4,25%, nem mais nem menos. Insisto: até onde eu enxergo, temos que nos manter na legalidade.

DINHEIRO ? Mas o ministro Palocci e sua equipe têm discutido a possibilidade de aumentar ainda mais o superávit para atender a idéias como a do déficit nominal zero.
DILMA ?
Se depender dos meus esforços, o superávit de 2006 será de 4,25% e ponto.

DINHEIRO ? Outra questão que se discute é o de segurar o dinheiro ao máximo e soltar tudo às vésperas da eleição.
DILMA ?
Olha, a execução orçamentária é algo mais complexo do que isso. Primeiro você tem de saber qual é a receita, depois quanto pode gastar. Quase todos os Orçamentos, inclusive do governo passado, tem essa trajetória, de gastar pouco no início do ano e ir crescendo no final do ano. Minha posição é distribuir a liberação de recursos por todo o ano, ao longo dos meses.

DINHEIRO ? Economistas sustentam que o governo Lula se resume à distribuição de cestas básicas aos pobres e aos juros estratosféricas que agradam os banqueiros.
DILMA ?
Ah é? Então vamos discutir o que é uma política de renda num país atrasado sobre o ponto de vista social. O que é isso? Gente abaixo da linha da pobreza. Eles têm que sobreviver, têm o problema da desnutrição. Nesse caso, não se pode esperar mais para distribuir o bolo. Só em Bolsa Família, nós saímos de R$ 2,2 milhões em recursos investidos em 2003 para R$ 6,6 bilhões até o final deste ano. Já estamos atendendo a 8,7 milhões de famílias e, em 2006, vamos chegar a
11 milhões. Isso é uma das maiores inversões de recursos da história, a transferência direta de renda é um indutor do crescimento econômico. Te asseguro que hoje o Bolsa Família é um programa que serve de exemplo no mundo. Leiam aqui esta reportagem do The Economist elogiando o programa.

DINHEIRO ? O presidente tem vindo a público para dizer que o governo é incorruptível. Será mesmo?
DILMA ?

Nós nunca dissemos que o governo é incorruptível, nem que não tinha ocorrido nada no governo. Em qualquer governo, a não ser que a gente venda uma visão rósea da sociedade, existe corrupção. O que achamos é que não se pode detonar os princípios democráticos em nome do combate à corrupção. A

 

presunção de culpa é característica da sociedade medieval. Além disso,

 

processos sumários são típicos de ditadura. Numa democracia, é necessário que se prove a culpa de alguém.