DINHEIRO ? Nunca o agronegócio foi tão bem-sucedido. O que explica o sucesso?
JOÃO SAMPAIO ? Nós tivemos bons preços nos grãos nos últimos dois anos, resultado da quebra da safra americana, da entrada da China como uma grande consumidora e um clima muito bom por aqui. Mas esses bons preços não são eternos. Do lado oposto, nós tivemos um aumento de custo enorme. Só o adubo aumentou 50%. Agora, teremos que lutar para manter a competitividade com um custo mais elevado e provavelmente com preços menores. O desafio é fazer com que a atividade continue rentável e o governo consiga resolver gargalos que ameaçam o setor, como a questão dos sem-terra e da falta de logística.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia a posição do atual governo em relação ao MST?
SAMPAIO ? O governo está sendo frouxo com os sem-terra. A lei tem de valer para todos. E invasão é crime e tem de ser tratada como tal. O governo federal tem de coibir invasões, saques e depredações de propriedades. Hoje, o problema agrário no Brasil está mal resolvido. O conceito de reforma agrária utilizado é ultrapassado. Ter terra não é garantia de ter renda. Quando o presidente Fernando Henrique assumiu havia 50 mil sem-terras no País. No final do governo dele, foram assentados 400 mil e outros 60 mil estavam na fila. Depois de um ano do governo Lula, eram 120 mil sem-terras no País. O João Pedro Stédile comanda uma indústria de sem-terra que nunca vai ter fim.

DINHEIRO ? Mas qual é a solução?
SAMPAIO ? Se o governo federal criasse um sistema forte de crédito aos produtores, ele poderia fazer uma bolsa de arrendamento. Não precisaria gastar dinheiro comprando terra de ninguém. Em Uberaba, por exemplo, há um programa chama-
do Bolsa de Arrendamento de Terras. Há 20 anos, existia terra ociosa naquela
região e gente querendo produzir e que não tinha dinheiro. A Bolsa aproximou os
dois lados e o resultado foi fantástico. Esse é um conceito moderno de produção.
O governo poderia criar consórcios, que arrendariam as fazendas, e pagaria pelo
uso dessa terra. O que interessa é produzir, gerar renda. O Brasil já fez a maior reforma agrária do mundo durante o governo FHC, quando foram distribuídos 20 milhões de hectares.

DINHEIRO ? E deu certo?
SAMPAIO ? Não, foi um fracasso horroroso. O próprio Incra admite que em média 30% dos beneficiários abandonam os seus lotes. Isso porque falta crédito, infra-estrutura e assistência técnica. Eles não sabem quando e como plantar, nem para quem vender depois. Além disso, o governo já não acha mais terra para desapropriar. O Incra vistoriou o Paraná inteiro e não achou terra improdutiva. A mesma coisa acontece no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. Isso porque está todo mundo produzindo com tecnologia e gestão. O que se investiu em tecnologia no campo foi um absurdo.

DINHEIRO ? Mas há quem diga que essa grande expansão da produção foi motivada justamente pelo medo de invasões dos sem-terra.
SAMPAIO ? Sem dúvida. Quem tinha terra improdutiva, corria o risco de perder. Então, o sujeito começou a plantar para não perder a terra. Nesse meio tempo, algumas condições melhoraram para os produtores. O endividamento diminuiu. Criou-se o Moderfrota, para a renovação de tratores. Houve a desvalorização cambial, que ajudou. Somando esses fatores, todo mundo começou a produzir. Ninguém quer terra só por ter.

DINHEIRO ? O agronegócio sempre foi conhecido por depender de verbas federais. Como está o endividamento do setor?
SAMPAIO ? O setor conseguiu renegociar suas dívidas no governo FHC. Boa parte das dívidas já foi quitada. Esse é um setor que precisa muito de crédito, mas hoje a dependência é menor. Só para se ter uma idéia, os 120 milhões de toneladas de grãos produzidos em 2003 demandaram recursos de R$ 100 bilhões. Deste montante, apenas 25% veio de crédito rural. O resto foi recurso próprio ou dinheiro de antecipação de safra.

DINHEIRO ? Qual o limite do Brasil na questão da infra-estrutura logística?
SAMPAIO ? Qualquer coisa acima de 140 milhões de toneladas de grãos é o caos. Este ano a previsão inicial era de 130 milhões de toneladas de grãos, mas com a quebra das safras a produção deve chegar a 120 milhões. Se a previsão inicial tivesse sido cumprida seria um problemão. Um exeplo: o Brasil tem uma capacidade
de estocagem de 90 milhões de toneladas. O recomendável seria o dobro. O governo tem até feito ações para melhorar os portos. Mas esses projetos só
vão deslanchar com as PPPs. São grandes investimentos de longo prazo. E a iniciativa privada vai entrar nesses projetos apenas se tiverem regras definidas. Agora, se chegarmos a 140 milhões de toneladas de grãos, poderemos ter o apagão logístico.

DINHEIRO ? O que poderia acontecer?
SAMPAIO ? O ministro Roberto Rodrigues costuma dizer que o Brasil corre o risco de ter a ?pororoca da agricultura?. É quando a produção se volta contra o produtor. Nesse momento, os preços caem assustadoramente, porque o agricultor não consegue escoar a produção e vende a qualquer valor. E aí começa a dar prejuízo. Por exemplo, cada dia em que um navio fica parado no porto porque não consegue embarcar a carga custa alguns milhares de dólares. Se o preço estiver um pouco mais baixo, já começa a inviabilizar o negócio. Na questão da estradas, tem lugar que está inviável. No caso do trem é a mesma coisa. As hidrovias estão emperradas por questões ambientais.

DINHEIRO ? Todo o setor produtivo reclama de entraves ambientais. Quais são as dificuldades do agronegócio?
SAMPAIO ? Tem dificuldade de todo o tipo. No Mato Grosso, por exemplo, o produtor podia plantar apenas 50% da área da propriedade. Agora, os órgãos ambientais reduziram esse patamar para 30%. São fazendas que foram compradas há 20 anos. E agora? Deixa aquele pedaço da terra virar mato de novo? Na questão ambiental, o Brasil não vive em função dos seus interesses, mas do interesse de outros países que já devastaram. Esse é um tema que deveria ser olhado com menos paixão e mais razão. O mesmo ocorre com a questão indígena.

DINHEIRO ? E qual é o problema com os índios?
SAMPAIO ? Nos últimos anos, cresceu a pressão de ONGs nacionais e internacio-
nais sobre o governo para demarcar novas áreas indígenas. E o governo tem cedido. Há vários casos de produtores no Mato Grosso e no Sul de Bahia que perderam parte
ou a totalidade de suas propriedades. Para se ter uma idéia, na década de 60, o governo federal fez uma colonização na região de Dourados. Agora, 40 anos de-
pois, chegou-se a conclusão que aquilo era terra indígena. Aí, o governo propõe
criar uma nova área para os produtores e entregar a antiga para os índios. Isso
não tem lógica. Existem 300 mil índios brasileiros que ocupam 11% do território nacional. E ainda assim há antropólogos da Funai percorrendo áreas para aumentar as terras indígenas.

DINHEIRO ? Mas não sobra terra no Brasil?
SAMPAIO ? O Brasil poderia ter 80 milhões de hectares a mais de área planta-
da. Boa parte disso estaria no Cerrado. Tem muita gente abrindo terra no Sul do Piauí, no Sul do Maranhão, Noroeste do Mato Grosso. São áreas novas que estão sendo incorporadas. Há também pastagens que podem ser convertidas na pro-
dução de grãos.

DINHEIRO ? O que sr. acha de estrangeiros comprarem terras no Brasil?
SAMPAIO ? Não tenho nenhum preconceito em relação a estrangeiros com terras aqui. Tem um limite legal, na faixa de fronteira tem de ter autorização do Exército. Faria um alerta para eles: pensem bem antes de comprar terras no País, enquanto a solução jurídica não está clara.

DINHEIRO ? As vitórias na OMC já estão ajudando o produtor brasileiro?
SAMPAIO ? Com certeza melhora. Depois da resolução do açúcar o preço subiu 10% em uma semana. Isso ajuda também as novas unidades que estão sendo construídas em regiões onde não há produção de cana. No caso do algodão, a produção está crescendo fortemente.

DINHEIRO ? O setor de carne é um dos que mais enfrentam barreiras no exterior?
SAMPAIO ? O Brasil vem tentando exportar carne in natura para os EUA há sete
anos e não consegue derrubar a barreira sanitária. Isso é grave, uma vez que o momento é de ganhos de produtividade e competitividade na pecuária. O setor investiu muito em genética, em manejo, mas temos um desafio enorme na sani-
dade. Hoje, o Brasil é um país totalmente livre da vaca louca, mas a aftosa é um problema. E há outras doenças que podem se tornar barreiras sanitárias para
que a gente conquiste novos mercados.

DINHEIRO ? O que tem sido feito para melhorar a defesa sanitária?
SAMPAIO ? Muito pouco. Não tem gente, nem recursos. Temos pressionado o governo federal para colocar mais verbas. O atual orçamento da defesa sanitária é menor do que há três anos. Hoje, há 2 mil funcionários nessa área, sendo 600 à beira da aposentadoria. O governo federal até autorizou a contratação de outros 400 funcionários, mas mesmo assim é insuficiente. Uma saída seria o governo delegar isso à iniciativa privada, como as certificadoras que aplicam o ISO 9000. Outra idéia discutida é criar um fundo de defesa sanitária. O medo do setor é que os recursos acabem no caixa geral do governo e não cheguem à atividade fim.

DINHEIRO ? Qual a relação do setor hoje com o ministro Roberto Rodrigues?
SAMPAIO – Ele é da casa. Já foi inclusive presidente da Sociedade Rural. O ministro Rodrigues de fato representa o agronegócio. Isso não o isenta de receber críticas do setor. Há vários problemas que o ministério, depois de um ano e meio de governo, ainda não resolveu. É o caso da rastreabilidade bovina, modelo que precisa ser aprimorado. Muita gente também não gostou do volume de recursos do plano safra, aquém do necessário. Falo com o Rodrigues uma ou duas vezes por semana e ele sabe de todas essas demandas. Agora, temos que enxergar as dificuldades que o ministério passa. O governo brasileiro não tem recursos, embora esfole os empresários com impostos.