05/09/2007 - 7:00
“O FMI (de Rodrigo de Rato) não está passando por uma crise de identidade”
“O Fed (de Bernanke) está correto em se preocupar com a inflação”
DINHEIRO – Porque a sra. critica os depósitos compulsórios no Brasil?
KRUEGER – O Brasil tem o maior spread (diferença entre a taxa de captação e de empréstimos) do mundo, segundo o Banco Mundial. Isso é um dos fatores que reduzem o crescimento potencial. Há outros fatores, por isso não digo que tudo ficará bem com a redução dos compulsórios. Mas ajudaria muito se isso mudasse, se não houvesse CPMF e os créditos direcionados, se os bancos pudessem operar mais livremente. São questões que melhorariam a classificação de risco do País.
DINHEIRO – Os bancos pleiteiam há tempos a redução dos depósitos compulsórios, mas não conseguem porque isso é tratado como uma questão de política monetária.
KRUEGER – É uma questão de política monetária, mas também envolve o tamanho do setor público e sua redução. Se a dívida pública diminuir, há espaço maior para se trabalhar a questão dos compulsórios. No fundo, é uma somatória de fatores. Mas 45% de recolhimento compulsório sobre depósitos à vista? Nunca ouvi falar de nada parecido em outro país. Isso aumenta o custo dos bancos, o que aumenta o spread.
DINHEIRO – Mesmo assim, os bancos brasileiros são muito rentáveis.
KRUEGER – Eles são rentáveis, mas não de forma exagerada. Na média, estão na faixa de rentabilidade de bancos em outros países.
DINHEIRO – As empresas brasileiras vão ser afetadas pelo aperto do crédito?
KRUEGER – Já estão sendo. É difícil saber quando poderão voltar ao mercado externo para fazer suas captações. É uma situação difícil pela falta de informação. Muitos dados irão aparecer em setembro e outubro sobre os empréstimos imobiliários e as hipotecas de alto risco (subprime) nos Estados Unidos. Muitos empréstimos foram feitos a taxas de juro muito favoráveis e, agora, elas serão reajustadas. É verdade que houve muitos empréstimos de risco, mas isso não quer dizer que todos irão dar calote e que os preços das casas irão cair para zero.
DINHEIRO – Se fosse dar um conselho ao presidente Lula, qual seria?
KRUEGER – Depende de quanto tempo vou ter para fazer isso (risos)! Acho muito importante prestar atenção à questão fiscal. As receitas do governo em relação ao PIB são muito altas, inclusive quando se compara com os países industrializados. Não há eficiência do setor público, há diferenças entre os fundos de previdência social públicos e privados – ambos são injustos e têm alto custo fiscal. Há toda uma questão de equilíbrio fiscal e como racionalizar (as despesas). Um dos principais problemas é a CPMF. Quem conhece melhor do que eu diz que as restrições no mercado de trabalho fazem toda a diferença. Seria benéfico para o Brasil mudar essas coisas.
DINHEIRO – O ministro da Fazenda Guido Mantega diz que o governo arrecada mais porque a economia está crescendo. Só que a arrecadação cresce em termos reais em relação ao PIB. Como a sra. vê essa questão?
KRUEGER – Uma resposta sensata e que é aceita em qualquer país sem controvérsias é a seguinte: se você tem uma economia mundial com flutuações, deveria haver uma regra fiscal estrutural. Essa regra deveria dizer que nos anos medianos o país deve ter equilíbrio fiscal ou, se quiser ser conservador, 1% de superávit. E, quando as coisas forem mal, pode ter um déficit. Quando melhorarem, volta a ter superávit. A arrecadação adicional deve ser usada para pagar a dívida, para construir ativos internacionais e formar um colchão para os tempos de vacas magras.
DINHEIRO – Os fundos de hedge ficaram muito poderosos e estão por trás da atual crise das bolsas. Deveriam ser regulados?
KRUEGER – A inovação nos mercados financeiros existe desde o tempo em que os homens passaram a usar pedras como dinheiro, há milhares de anos. Sempre haverá inovação e isso é bom, faz parte do crescimento econômico. Neste momento, alguém está tentando descobrir um novo instrumento financeiro. Uma coisa é certa: precisamos de mais informação (sobre os hedge funds). Como se obtém a informação, se vai necessitar mais regulação, são questões em aberto. As mentes brilhantes devem estar refletindo sobre isso.
DINHEIRO – É possível regular os fundos?
KRUEGER – Não sei. Precisaremos de muita discussão, de muitas propostas. E o diabo está sempre nos detalhes. Muitas vezes, as pessoas reagem muito depressa e fazem regulações ruins, que causam o efeito oposto. Os espertos rapidamente aprendem a contornar as novas regras. Toda a conversa agora deveria ser sobre o que e como fazer. Ainda é muito cedo para saber. Precisamos considerar todas as possibilidades e seus efeitos bons e ruins – sempre há os dois lados. Não há pressa hoje para impor novas regras. Não adianta trancar o estábulo depois que o cavalo foi roubado.
DINHEIRO – O FMI está passando por uma crise de identidade?
KRUEGER – Não, o mundo é que está passando por tempos muito bons. Quando você tem saúde, por que compraria remédios? É meio irônico, mas parte da história é que as coisas vão bem porque o FMI existe.
DINHEIRO – A situação de bonança mundial reflete as ações do FMI nas crises?
KRUEGER – Certamente que sim. Parcialmente, é o resultado de suas políticas. O próprio Brasil é um exemplo disso. Cinco anos atrás, quase houve uma crise e o FMI foi muito valioso. Hoje, o Brasil está melhor e diz: “Nós não precisamos do FMI.” É verdade. Mas, por outro lado, o mundo não vai ficar sempre saudável e confortável. Haverá outras necessidades. Além disso, quanto mais o mundo se torna interdependente, maior é a necessidade de organismos multilaterais.
DINHEIRO – Que tipo de mudanças as instituições multilaterais deveriam ter nesse momento de transição?
KRUEGER – As instituições são filhas de seus acionistas, os países. E eles precisam reconhecer a importância de ter um interesse vital na economia mundial como um todo. Uma economia mundial saudável é benéfica para todos. Os países não podem defender apenas seus próprios assuntos e esquecer o quadro geral. Temos que apreciar o papel importante das instituições negociadoras multilaterais.
DINHEIRO – O FMI está discutindo a revisão das cotas dos países. Quem perde?
KRUEGER – É um tema muito difícil. As próprias discussões são impressionantes. Primeiro, dizem que querem dar maior participação aos países que cresceram mais e são mais importantes na economia mundial, como a China, a Índia, a Coréia do Sul, etc. Depois, afirmam que querem dar maior participação aos países que perderam espaço e não foram muito bem, como quase toda a África. E de onde virão as ações que serão dadas a esses dois grupos? Dos países industrializados. A participação dos Estados Unidos cresceu e eles disseram que não vão pedir aumento nas ações. Sobram os europeus, que dizem que não vão abrir mão. É um dilema. Eu sempre disse que a solução seria um aumento das ações em 10%. Mas alguém vai ter de ceder alguma coisa. E a participação da Europa está, obviamente, superdimensionada.
DINHEIRO – A sra. tentou mudar alguma coisa no FMI e não conseguiu?
KRUEGER – Claro, muitas coisas. Tenho de ser diplomática. Sou técnica e o cargo no FMI é mais político.
DINHEIRO – O diretor-geral do FMI, Rodrigo de Rato, sai em outubro. Quem é seu candidato para sucedê-lo?
KRUEGER – Não tenho direito a voto nem candidato!
DINHEIRO – Os franceses indicaram o ex-ministro Dominique Strauss-Kahn para o posto.
KRUEGER – Não o conheço. Strauss-Kahn parece ser muito competente e qualificado para o trabalho. Com ele, certamente haverá mudanças no FMI. Mas nem ele sabe quais.
DINHEIRO – A Rússia indicou o tcheco Josef Tosovsky.
KRUEGER – A maioria dos países já disse que apóia Strauss-Kahn. Duvido seriamente que a indicação de Tosovsky altere alguma coisa.
DINHEIRO – A economia americana vai passar por uma recessão?
KRUEGER – Não há nenhuma evidência nesse sentido. A economia dos Estados Unidos está crescendo muito bem neste momento. Como esperado, há problemas no mercado imobiliário. Será interessante ver como isso vai afetar a economia. Até agora, os prognósticos são de crescimento acima de 2% este ano. É bem acima do nível de recessão. Dez anos atrás, as pessoas achavam que esta era uma boa taxa de crescimento. Se as turbulências financeiras vão se esparramar, pode ser que mude alguma coisa. Nada indica isso até o momento. O Fed (banco central americano, presidido por Ben Bernanke) está observando a situação como deveria. No momento, fizeram o que acharam apropriado. Onde moro, a economia se comporta como se houvesse pleno emprego. Não consigo achar um carpinteiro, nem quem me ajude a fazer qualquer coisa. Há placas de “Temos vagas” em todo lugar. O Fed está correto em se preocupar com a inflação. Isso pode mudar, mas não acho que há informação suficiente ainda.
DINHEIRO – Os bancos centrais injetaram bilhões de dólares e salvaram também os responsáveis pela crise. Isso não é pouco saudável, não estimula o risco moral?
KRUEGER – É claro. Isso tem sido discutido. De um lado, o banco central quer garantir que as dificuldades financeiras sejam contidas, que não se espalhem muito para o setor real da economia. De outro, não quer facilitar as coisas para que elas não se repitam.
DINHEIRO – Não seria o caso de punir os bancos e fundos responsáveis pela especulação com os títulos imobiliários?
KRUEGER – Obviamente, se o banco central empresta para eles, deve cobrar uma taxa de juros razoável. Os bancos não estão ganhando o dinheiro de graça. As perdas saem do capital deles e, portanto, estão pagando um preço.
DINHEIRO – Como ficou o Banco Mundial após a dramática saída do presidente Paul Wolfowitz?
KRUEGER – Foi trágico para todo mundo. E claro que prejudicou o Banco Mundial. Afetou a moral da instituição, houve perda de credibilidade.