À frente da Localiza, maior locadora de veículos da América Latina, uma gigante com valor de mercado de mais de R$ 7 bilhões e vendas de R$ 3,9 bilhões, no ano passado, o empresário mineiro Eugênio Mattar enfrenta um cenário adverso. A inflação em alta e a taxa de juros elevada do País estão correndo o poder de compra dos brasileiros, desestimulando os negócios e, consequentemente, a demanda por carros alugados. Mattar, no entanto, acredita que há uma saída: um choque de simplicidade. “É preciso entender que a fonte dos recursos são as empresas”, diz o empresário, que controla a Localiza juntamente com seu irmão mais velho e fundador da locadora, Salim Mattar. “As ações deveriam incentivar a manutenção do investimento e o aumento da produtividade das empresas.” Ao focar no aumento dos impostos, diz Mattar, o governo cai em uma armadilha. “Se não derem condições para que sejamos mais produtivos, a arrecadação vai cair”, afirma. “E isso, aliado a uma taxa de juros elevada, é danoso para o governo.”

DINHEIRO – Como está o mercado de aluguel de carros?
Eugênio Mattar – 
Está bastante difícil. A economia está, a cada dia, dando sinais mais negativos. Ao mesmo tempo, enfrentamos uma conjunção de inflação elevada e uma taxa de juros alta, que desestimula a demanda. Essa é uma combinação muito ruim. Cerca de 80% do nosso negócio está relacionado com o setor corporativo. E nós já percebemos que a demanda está fraca.

DINHEIRO – Qual é sua expectativa para o PIB?
Mattar – 
Estamos trabalhando com uma queda de 1,4%, que é, mais ou menos, o consenso do mercado, segundo o Banco Central.

DINHEIRO – O sr. se considera um otimista ou um pessimista?
Mattar –
 Diria que sou realista. Estou consciente dos desafios, mas, em longo prazo, estou otimista. Quando a situação é muito ruim, as coisas acabam acontecendo. Temos de nos preparar para uma situação adversa, mas o Brasil vai crescer e retomar o bom caminho no futuro.

DINHEIRO – Quanto tempo vai levar para o Brasil entrar nos trilhos?
Mattar –
 Este ano e o próximo serão difíceis. Aí, vamos depender do tratamento que será dado à situação, nesse período.

DINHEIRO – Se o sr. encontrasse o Joaquim Levy, ministro da Fazenda, em uma loja da Localiza, que conselho daria para ele?
Mattar –
Nossa, eu daria um terço para o Levy rezar (risos). O conselho não é para ele, é para o governo. É preciso entender que a fonte dos recursos são as empresas. Não adianta aumentar imposto, porque vai acabar matando mais empresas. O mercado pode ser mais liberado, a Petrobras devia ser mais privatizada, assim como o Banco do Brasil. O Estado podia ficar mais de fora da economia e o governo podia cuidar bem da parte social, como vinha fazendo, e de saúde, educação e segurança. Exemplos como os da Coreia e do Japão, que investiram na educação, não faltam. O governo precisa de um choque de simplicidade. As ações deveriam incentivar a manutenção do investimento. Leis trabalhistas e sistema tributário mais simples e apoio para as empresas ficarem mais produtivas. É difícil fazer negócio aqui. Gasta-se uma fábula para manter essa máquina de controle, que se perde no meio do caminho e não gera valor.

DINHEIRO – Como o sr. avalia o ajuste econômico?
Mattar –
 Acho positivo, necessário. A questão é que o governo está olhando muito para o aumento de impostos, e pouco para a área de eficiência e produtividade. As empresas e as pessoas é que pagam impostos. Se não derem condições para que sejamos mais produtivos, a arrecadação vai cair. E isso, aliado a uma taxa de juros elevada, é danoso para o próprio governo. Acredito que deveria haver uma agenda mais voltada à produtividade, além de uma racionalização dos custos e dos benefícios que o governo oferece à população, para que se tenha um orçamento mais equilibrado e, dessa forma, poder investir mais na infraestrutura.

DINHEIRO – As medidas são necessárias, mas não são suficientes…
Mattar –
 O governo está buscando a solução no aumento das receitas. Acredito que o melhor caminho é o da redução das despesas e do tamanho do Estado. Traria um crescimento mais rápido.

DINHEIRO – Desde o ano passado, há um clima de disputa permanente na política. Isso, na sua avaliação, prejudica os negócios?
Mattar – 
Tudo isso é fruto de uma economia que está desajustada. Os políticos, de uma forma geral, estão sempre focando na próxima eleição. Teria mais valor se eles focassem, da mesma forma, no interesse do País. Mas isso é difícil, o que acaba tumultuando o mercado e trazendo problemas para o governo, atrasando a recuperação da economia.

DINHEIRO – Qual é o plano de investimento: pé no freio ou no acelerador?
Mattar – 
Estamos com o pé na embreagem. Estamos construindo uma nova sede, em Belo Horizonte, que deve custar mais de R$ 200 milhões e ficará pronta no ano que vem, e vamos manter a renovação da frota, em mais de 70 mil carros, o que vai demandar investimentos de R$ 2 bilhões. Estamos com um caixa muito forte, de R$ 1,4 bilhão, para poder passar por esse momento de baixa na economia.

DINHEIRO – Além da fraca demanda, a Localiza concorre em um mercado muito fragmentado e há cada vez mais pressão dos concorrentes. Como resolver essa equação? 
Mattar –
 Nessa situação, o concorrente que está mais enfraquecido pode ficar, também, desesperado, o que interfere na precificação. Nós buscamos promover oportunidades, por exemplo, com carros mais baratos em cidades onde há feriados ou festas. Quem estiver em piores condições pode, eventualmente, adotar uma estratégia mais agressiva, mas aí não sobrevive. Num momento como este, muitas empresas deverão deixar o mercado. Na verdade, tivemos um crescimento de 6,5% no primeiro trimestre, mas é a metade do obtido no mesmo período do ano passado.

DINHEIRO – O sr. acredita que esse processo pode levar a uma maior concentração do setor?
Mattar – 
Certamente vai contribuir. No entanto, como existem mais de cinco mil locadoras, a concentração do mercado em cinco ou seis empresas será um processo de longo prazo.

DINHEIRO – A Localiza tem recebido propostas de venda do controle?
Mattar – 
Não. O mercado não gosta de empresas bem geridas. Geralmente, o comprador negocia acreditando que pode fazer uma gestão melhor do que a que está sendo feita. Temos uma operação muito boa. Normalmente, o pessoal aposta na nossa gestão.

DINHEIRO – A empresa está cogitando a aquisição da Unidas, a vice-líder do mercado nacional?
Mattar –
 Não. No momento atual, não faz sentido para nossa estratégia. É uma empresa boa, temos muita admiração por ela. Mas, pelo contexto do mercado, achamos que não é adequado, pelo menos agora. Podemos olhar para isso mais tarde.

DINHEIRO – As grandes empresas de locação de carros são globais. A Localiza opera em nove países da América do Sul. Há plano para aumentar a presença internacional?
Mattar – 
Nosso objetivo é dominar primeiro o mercado sul-americano. Não há intenção de ir para a Europa ou para os Estados Unidos, por exemplo, apesar de serem grandes mercados.

DINHEIRO – A que o sr. atribui o fato de multinacionais, como a Hertz, nunca terem decolado no Brasil? 
Mattar – 
As marca são globais, mas a operação é muito local. Não é fácil transferir o conhecimento de um país para o outro. As atividades são distintas, o mercado é diferente. Não é natural ter sucesso em outros países. Nós mesmos operamos fora do Brasil com o modelo de franquia. Cada país é uma realidade diferente, não é mais do mesmo.

DINHEIRO – O brasileiro não tem o hábito de alugar carros, como o americano. Como mudar isso?
Mattar –
 No Brasil, de fato, a locação de veículos não é um hábito, por alguns motivos. A renda per capita é baixa e o preço do aluguel de carro era caro, no passado mais ou menos recente. Por outro lado, esse preço vem caindo substancialmente. Nós não aumentamos o valor da diária, por exemplo, desde 2008. Em 2000, a diária custava o equivalente a 51% do salário mínimo. Hoje, está em 12%. Está ficando barato, mas as pessoas ainda não perceberam.

DINHEIRO – O mercado de carros usados não está tão ruim quanto o de novos. Como a empresa avalia a área de venda de automóveis?
Mattar –
 Essa não é uma área de negócios nossa, apesar de representar 50% da receita. Nós a mantemos pela necessidade de vender carros. O seminovo é uma boa opção. Com o preço de um carro 1.0 novo, você compra um 1.6, com garantia, e foge da primeira depreciação. O mercado de usados está apertado, mas não está sofrendo tanto.