Para o empresário que tem R$ 82 bilhões sob gestão, o Brasil precisa fazer a lição de casa: gerar superávit primário e conter a alta de preços para gerar emprego e renda.

Esta entrevista também pode ser lida como ‘o nascimento em breve de um banco’. Mas não qualquer banco, nem de um bancão de varejo. Ainda assim, um novo tipo de banco. Por trás dessa instituição está João Carlos Mansur. Fundador e CEO da Reag, há 11 anos, sua então consultoria imobiliária se tornou uma empresa que tem sob gestão R$ 82 bilhões. “Virar banco é o caminho natural”, afirmou Mansur. Sem colocar prazo. “Sempre depende do cliente.” A frase, aliás, é o motto de sua trajetória sólida e vertiginosa — dois adjetivos que raramente frequentam o mesmo ambiente. Seu segredo? Ser Costumer Centric desde antes de a expressão virar moda. Sobre o momento econômico nacional, Mansur é tão direto quanto na condução da Reag. É preciso vontade de controlar a inflação. Para ele, aí está a base de tudo.

DINHEIRO – Poucas empresas tiveram trajetória semelhante à Reag, que em uma década chegou a R$ 82 bilhões sob gestão. O que foi decisivo?
JOÃO CARLOS MANSUR – Vi uma oportunidade de gerar valor para os clientes. Sempre pensei assim. Em gerar valor.

De certa forma, muito grupo empresarial poderia dizer a mesma coisa e não ter o mesmo resultado. O que foi diferente para vocês?
Percebi que meus clientes buscavam alguma coisa a mais. Eles não precisavam de um consultor, mas sim de um gestor. Depois do gestor, percebi que precisavam de um administrador… Porque a família quer solução de problemas, não quer alguém que venha falar o que fazer e depois ela tem de ficar caçando solução sem saber onde buscar. O melhor seria eu estar totalmente verticalizado.

As diferentes unidades de negócios da Reag, suas verticais, nascem assim?
Foi o que aconteceu. Da consultoria a gente virou gestora, da gestora virou administradora não financeira, da administradora não financeira virou uma administradora financeira. Então hoje a gente é regulado pela CVM Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central (BC).

Ou seja, já virou banco?
É o caminho natural. Porque o cliente começa a demandar outros serviços, e é preciso ir agregando as questões regulatórias, né? Aí aparece crédito, levantamento de capital, naturalmente indo para uma estrutura financeira bancária. Somos uma instituição financeira, ainda sem ser banco.

“Educação é um grave problema. Temos dificuldade de encontrar pessoas qualificadas. A gente forma mal na base, no segundo grau, na universidade” (Crédito: Eduardo Anizelli)

Falta quanto tempo?
Dependerá da demanda do cliente.

Mas as condições já existem?
A gente tem capacidade técnica, tem equipe, tem patrimônio. Ou seja, na hora que aparecer a necessidade final do cliente, vai acontecer. Como ocorreu em todas as outras unidades nossas. A gente tem uma companhia securitizadora montada por demanda dos clientes. Gestão de patrimônio montada por demanda dos clientes. Sociedade de crédito montada por demanda dos clientes. Sempre trabalharemos assim.

Uma cultura Customer Centric na raiz…
A nossa filosofia aqui é: ‘Eu acho que vender água é bom, né?’ Não! Não acho nada. Nossos clientes gostam? Gostam. Vou ajudar? Vou agregar valor para ele? Vou. Então a gente faz o negócio acontecer. Sempre atrás da demanda para agregar valor para ele.

As novas verticais nascem assim sempre?
Sim. A empresa do fulano está aqui. Os imóveis, às vezes 200 ou mais numa família, aqui. O dinheiro todo aqui. Por que eu não cuido do seguro para ele? É um ecossistema. O nosso ecossistema.

Qual o perfil de seu time?
Somos hoje em 203 pessoas [fevereiro de 2023]. A gente tem profissionais sêniores. Pagamos bem, distribuímos bem, tem partnership. Cabelo branco faz diferença.

O quanto é decisivo a vocês?
Faz diferença. Porque precisamos entender o que é a família brasileira. Basicamente ela é formada por árabes, judeus, italianos, espanhóis, portugueses e ponto. Esse é o cerne da sociedade brasileira. E é uma sociedade patriarcal. A gente tem lá o patriarca, ou a matriarca, com os filhos. E quando esse patriarca ou essa matriarca conversa com uma pessoa que ela conhece bem, que tem experiência, isso gera credibilidade, confiança. Porque ela pergunta quanto tempo você está no mercado, com quem você trabalha, quem você é, onde mora.

Ou seja, você atua com modelagens complexas de fundos, finanças, crédito, seguros, mas faz todo negócio à moda antiga?
A gente tem muito cliente no interior, ou fora de São Paulo. Por exemplo, o escritório de Belo Horizonte é tocado por mineiro. O de Salvador, por baiano. O de Recife tem o recifense como sócio. No de Brasília, nosso candango. Por que isso? Porque o Brasil é regional. Em São Paulo está mais cosmopolita, mas o Brasil é regional. Então o gaúcho quer falar com o gaúcho. O cliente de lá diz assim: ‘Ah, lá em São Paulo, tudo bem, mas quem é o cara aqui?’

Vocês têm quantos clientes?
Uns 200 clientes acomodados entre 70 e 80 famílias e que ramificam em 300 fundos.

E o resultado?
Nosso número mágico é 30%. De margem-margem, mesmo. Ou seja, dinheiro que precisa sobrar no caixa. Faturamos em 2022 perto de R$ 100 milhões. Devemos faturar este ano perto de R$ 200 milhões.

A despeito do crescimento orgânico robusto, passou a acontecer uma onda de aquisições. Por que a mudança?
A primeira aquisição foi no ano passado, a Rapier, uma gestora de patrimônio. Depois foram mais quatro. Uma originadora de crédito de condomínios [Condocash], uma originadora de consignado público e privado [Taormina], uma gestora de patrimônio [Quadrante] e uma especializada em fundos de créditos [Finvest, que é a antiga Capitalys]. Todas são operações complementares. Investimos em torno de R$ 50 milhões nessas aquisições.

Vão mergulhar no M&A de vez?
Não. Todas elas também foram oportunidades. A mesma tese pra gente ter uma vertical serve para absorver um negócio, fazer uma aquisição.

Tratando de nosso momento macroeconômico, teremos inflação elevada, juro elevado, crescimento pequeno… Por que estamos assim há tanto tempo?
A gente já patina nisso há 40 anos. E não aprendeu. Então, a gente precisa aprender. Entre as nossas exceções está o fato de que a gente aprendeu a domar a inflação. Estamos falando que a inflação está alta? Mas esta geração não sabe o que é inflação alta. Para quem viveu com 80% ao mês… A gente se assusta porque está 5%, 6%, 10%, porque mudou o nível de percepção e mudou o patamar. Então tem que controlar a inflação. Ponto.

É a base para sairmos desse estágio?
É a base. Porque há uma série de fatores em torno disso. A inflação controlada gera previsibilidade e previsibilidade gera investimento. Se eu sei que vou ter inflação de 4% ao ano, sei que juro vai estar junto, porque juro e inflação estão sempre juntos. Você até pode ter certos descolamentos, mas se inflação sobe o juro vai subir, se inflação cai, o juro vai cair. Você pode até ter em determinado momento juro menor para incentivar, ou muito alto, para reprimir. Mas voltam a andar lado a lado.

“A volta do Minha Casa, Minha Vida é positiva. É um programa que movimenta uma área que contrata muito, mexe muito na base da pirâmide” (Crédito:Alf Ribeiro)

E a previsibilidade será decisiva?
No médio e longo prazos, para o empresário, é a melhor luz, né? O investimento gera aumento de emprego, que gera aumento de renda. Isso e educação. A gente precisa formar mais. Existe uma dificuldade de encontrar pessoas bem qualificadas porque a gente forma mal. Temos de formar melhor. Na base, no segundo grau, na universidade ou nos técnicos.

E a saída para isso?
Só se consegue fazer isso se a gente conseguir botar dinheiro no lugar certo. Os programas de renda mínima são bons porque geram consumo mínimo, o que ajuda no movimento da economia. Mas não é só isso. Tem de ser tudo de uma forma integrada.

Só que no Brasil a solução parece sempre ser colocar mais dinheiro e não mais gestão ou inteligência.Concorda?
A gente tem de voltar uns anos atrás. Aquela briga pelo déficit primário. Que gerou as metas, que gerou teto, etc. Temos de voltar para a lição de casa. Se tenho superávit primário eu tô controlando a inflação. Mas como fazer isso depois de dois anos de Covid, em que o mundo inteiro emitiu dinheiro? Indo para onde a gente se diferencia. Agro, commodities. Ainda assim teremos um 2023 muito difícil. Por outro lado, há coisas positivas, como a volta do Minha Casa, Minha Vida. Ele movimenta uma área da economia importante, que contrata muito e tem uma cadeia de fornecimento grande.

Algo positivo sobrou de legado do governo anterior?
O último governo privatizou bastante, fez bastante PPP. A gente tem de deixar o Estado mais leve, porque gera eficiência. Sua parte é fazer boa educação, boa saúde — e Viva o SUS! Mas Estado não tem de ser dono de siderúrgica, como foi no passado. De mineradora, como foi no passado.

Como imagina que será o governo Lula III?
Serão quatro anos de arrumação de casa. Não acho que se perderão conquistas. Pode ter mudanças de rumo, como toda mudança de governo traz, sem exceção. Mas este navio Brasil é muito grande para afundar.

Qual a maior batalha?
Este governo precisa brigar por controlar a inflação. Com vontade. [Inflação controlada] gera emprego, gera renda, baixa juros. E como você briga contra a inflação? Infelizmente, é dando alguns remédios mais amargos. Remédio amargo eventualmente mata. O juro está alto para segurar a demanda. Não é a renda que está alta aqui. O juro está como? Pornográfico! Mas se a gente não olhar para a inflação…