DINHEIRO ? O resultado do primeiro turno mostrou o descontentamento do setor agrícola em relação ao governo Lula. Afetará também o segundo turno?
BLAIRO MAGGI
? O presidente perdeu nos Estados nos quais a influência do agronegócio é forte. A crise já afetou o resultado da reeleição. Se não fosse ela, o Lula teria sido eleito no primeiro turno. Os Estados que têm a agricultura e a pecuária fortes já se posicionaram contra o presidente.

DINHEIRO ? O sr. vai apoiá-lo?
MAGGI
? Isso ainda não está decidido. Prefiro não me adiantar aos fatos.

DINHEIRO ? O governo tem como reverter esse quadro caso Lula seja reeleito?
MAGGI
? Jeito tem. Já vivemos momentos muito ruins no passado. Tem de haver um escalonamento das dívidas, dar prazo para o setor se reorganizar. Isso vai depender do tamanho da vontade do governo em recuperar o setor. Se é que o governo se interessa em recuperá-lo.

DINHEIRO ? Por que o sr. diz isso? Não existe interesse?
MAGGI
? Estou apenas pondo um ponto de interrogação. Nenhum país do mundo deixa de lado um setor que representa 40% do PIB.

DINHEIRO ? O que pode ser feito?
MAGGI
? A crise tem em sua origem um desencontro financeiro que se chama câmbio. Há ainda commodities agrícolas que não conseguiram recuperar seu preço internacional. A cana, o açúcar e o álcool se mantiveram em alta por conta do aumento nos preços, ao contrário da soja e do algodão. Perderam-se cerca de R$ 30 bilhões, que sumiram, desapareceram, foram queimados somente pela queda do dólar. Só vejo uma alternativa para corrigir o problema: alterar o câmbio.

DINHEIRO ? O sr. sugere que o Banco Central compre mais dólar no mercado? Ou que congele o câmbio?
MAGGI
? Não sei o que o Banco Central vai fazer, mas tem de encontrar uma alternativa para recuperar o câmbio. Isso para evitar problemas no futuro. Hoje há um passivo no agronegócio que tem de ser tratado pelo governo de forma diferente, algo como o que aconteceu quando Gustavo Franco, lá em 2000, manteve o câmbio congelado por dois anos, a R$ 1,20. Isso criou um fosso enorme. Depois disso foi necessário promover dois programas de recuperação. Algo parecido vai ter de ser feito novamente.

DINHEIRO ? Em dois anos o governo Lula elaborou dois pacotes de socorro aos produtores. Não foi suficiente?
MAGGI
? Nenhuma dessas intervenções foi fundo na questão da renda do produtor. Como o câmbio caiu, perdeu-se renda e não houve compensações. Não podemos negar que houve avanços como o Prop (Prêmio de Risco de Opção de Venda Privada) e o PEP (Prêmio de Escoamento). Mas foi insuficiente. Essa renda está associada a outras coisas que não estão ligadas apenas ao dólar, mas, por exemplo, à questão sanitária.

DINHEIRO ? A deficiência na defesa sanitária é um problema que também preocupa?
MAGGI
? Claro. O setor agrícola entende que o governo deveria tratar esse assunto como uma epidemia. A ferrugem asiática, por exemplo, que é uma doença da soja, aumentou muito o custo de produção, em função do alto preço dos herbicidas, que passou de US$ 60 por hectare para US$ 80. A defesa sanitária deveria reduzir os impostos sobre os herbicidas que são utilizados no combate dessa doença para melhorar as condições de produção.

DINHEIRO ? A aftosa também foi responsável por prejuízos milionários. O que faltou na ação do governo?
MAGGI
? O governo precisa estar mais atento e assumir que temos, sim, problemas na defesa sanitária. O Brasil não pode pôr em risco um setor que representa quase a metade do PIB.

 

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“Não sei o que o BC vai fazer. Mas terá de achar um jeito de recuperar o câmbio”

 

DINHEIRO ? Na sua breve passagem pelo Senado, o sr. apresentou um projeto de lei modificando o registro dos agroquímicos. Por que o projeto não caminhou?
MAGGI
? Porque o lobby das multinacionais é muito forte. Essa questão dos agroquímicos foi discutida inúmeras vezes com o governo. O Brasil é o único país do mundo em que o registro é feito pelo nome comercial e não pelo princípio ativo. Então, forma-se um cartel. Há produtos produzidos aqui que custam em torno de US$ 200 o quilo, mas na Argentina ou no Chile saem por US$ 40 ou US$ 50 o quilo.

DINHEIRO ? Mas o Ministério da Agricultura tem liberado herbicidas genéricos.
MAGGI
? É verdade. Mas o processo para conseguir os registros é muito lento, tem que passar pela Anvisa, Ibama, agências reguladoras… Há uma série de entraves. A demora vai de três a cinco anos.

DINHEIRO ? Como impacta o produtor?
MAGGI
? Em alguns casos chega a onerar a produção em cerca de 80%. Além disso, a infra-estrutura é muito deficitária, principalmente no Centro-Oeste brasileiro, que está muito distante dos portos. O que vai facilitar no futuro são as ferrovias que devem ser construídas para escoar a produção. Temos de pensar na logística, na melhoria das estradas e também em linhas de ferrovias.

DINHEIRO ? O que já está pronto?
MAGGI
? Nada. Faz quatro anos que a ferrovia adentrou Mato Grosso. No início do governo Lula foi inaugurado o último trecho de 100 quilômetros e desde lá a Ferronorte entrou em colapso e acabou sendo vendida para a América Latina Logística. Estamos aguardando para ver se a ALL vai fazer investimento ou não.

DINHEIRO ? Estudo da Conab mostra que haverá redução de um milhão de hectares na plantação de soja no Brasil em 2007. Qual é a situação em Mato Grosso?
MAGGI
? Com certeza Mato Grosso é a mais expressiva região dentro desse grupo. O produtor rural está empurrando suas dívidas com a barriga. Hoje se está fazendo uma agricultura de permanência da atividade no campo que não tem deixado margem de lucro porque os custos subiram. O produtor não pára porque, se parar, será muito mais difícil voltar à atividade.

DINHEIRO ? O grupo Maggi vai reduzir a área plantada?
MAGGI
? Na área de soja, que será trocada por algodão.

DINHEIRO ? No Rio Grande do Sul, a pecuária está voltando com força. Essa mudança é uma tendência?
MAGGI
? Quando o setor está mal, no caso da soja, o produtor busca alternativas. Pode ser que no RS seja a pastagem. Aqui em Mato Grosso é o algodão. As áreas marginais, que são mais fracas ou mais arenosas, têm a tendência de ir para a pecuária. O fungo asiático fez com que o produtor mudasse de comportamento. Só há duas alternativas: ou plantar em um espaço de tempo mais curto ou colher em um espaço de tempo mais curto. Ou seja, ou ele compra mais máquinas para poder plantar em menos tempo ou ele reduz a área plantada.

DINHEIRO ? A compra de equipamentos seria uma escolha mais lucrativa?
MAGGI
? Seria. Mas não dá para comprar máquinas. Daí a redução da área.

DINHEIRO ? Qual é o impacto dessa crise na arrecadação do Estado?
MAGGI
? Terrível. Entre 2002 e 2003, crescemos 27,2% no ICMS. De 2003 para 2004, crescemos 24%. Mas em 2004 e 2005 caímos 4,6%. De 2005 para 2006, perdemos 1,3% na arrecadação do ICMS. A queda foi enorme. Tivemos de enxugar, adotar contingenciamento.

DINHEIRO ? O sr. acha que o Congresso terá condições de aprovar mudanças no setor agrícola, como o projeto de lei sobre agroquímicos, que está na gaveta?
MAGGI
? O Congresso tem condições de aprovar matérias que favoreçam o agronegócio. Mas quem vai dar a tônica desse assunto é o executivo, que deve fazer uma análise bem concreta do que está acontecendo com o setor e propor para o Congresso alterações nas legislações que precisam ser modificadas.

DINHEIRO ? Apesar de todos os problemas do seu Estado, o sr. foi reeleito com facilidade (mais de 60% dos votos). Qual é a explicação?
MAGGI
? No primeiro mandato fui eleito com 50,6% e agora tive 65,5%. Melhorou em função da forma de governo que a gente faz, com prestação de conta, pregão presencial, pregão eletrônico. As obras são muito bem discutidas. Fizemos parcerias com os setores produtivos do Estado, com os setores da rede social existente, como clubes e igrejas. Todo mundo se envolveu nas ações sociais do governo.