11/02/2022 - 2:30
Os prazos variam de 2030 a 2060, mas o mundo vive um raro consenso dos principais líderes globais de que a descarbonização da economia é urgente. Após a COP-26, realizada em novembro na Escócia, o número de signatários do Acordo de Paris subiu de 175 países em 2015 para 195, incluindo China, Estados Unidos e Brasil, que anunciou meta de redução de 50% nas emissões até 2030. Juntos, o grupo representa mais de 90% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). É esse contingente que se comprometeu em agir para manter a elevação da temperatura do planeta o mais próximo possível de 1,5°C até o fim do século. Isso significa trabalhar para alcançar a descarbonização da economia até 2050 — a China quer mais dez anos de prazo.
O empresariado se mostra alinhado. A campanha Race to Zero da Organização das Nações Unidas (ONU) registrou a adesão de mais de 5,2 mil empresas e 441 grandes investidores, muitos deles estabelecendo 2030 ou 2040 como prazo. A questão chave que se coloca para 2022 é: como a construção de uma economia livre de carbono será viável em termos de tecnologia, recursos e normas? “Essa situação não vai se autorresolver”, afirmou Viviane Martins, CEO da Falconi Consultores. “É preciso readequar a realidade econômico-social.”
Aqui começam os problemas. Empresas estão anunciando metas de descarbonização hoje, apostando que no futuro os nós que inviabilizam o cumprimento dos compromissos assumidos serão desfeitos. Um deles esbarra em tecnologias. Algumas até existem, mas não são escaláveis e outras simplesmente ainda não foram inventadas. A Gerdau está nessa encruzilhada. No início do mês, a empresa anunciou que reduzirá suas emissões dos escopos 1 e 2 (que se referem aos volumes emitidos pelas operações da companhia em si, enquanto o escopo 3 inclui a cadeia de valor), para 0,83t de CO2e por tonelada de aço até 2031, valor inferior a 50% da média global da indústria do aço. O CEO Gustavo Werneck veio a público comunicar a decisão, mas precisou fazer a ressalva: “Demos um passo importante para a nossa ambição de ser carbono neutro em 2050, mesmo sabendo que a neutralidade na indústria do aço ainda não é algo viável na atualidade”. Na lista dos empecilhos citados pela siderúrgica estão tecnologias ainda inexistentes em escala industrial e políticas públicas que possibilitem que a indústria global do aço neutralize as suas emissões de carbono.
Outro calcanhar de aquiles é a monta de recursos necessária para a transição rumo à economia verde. Somente a Agência Internacional de Energia estima que será preciso aumentar os investimentos no setor dos atuais R$ 2,5 trilhões/ano para US$ 5 trilhões/ano até 2030 e permanecer nesse patamar até ao menos 2050. Isso é mais do que todos os ativos vinculados a investimentos sustentáveis, calculados hoje em US$ 4 trilhões pela gestora de fundos BlackRock. Por sinal, a gestora acaba de enviar uma carta a sua rede explicando como investir na transição para emissão zero. De acordo com o documento, muitas dessas tecnologias existem, mas ainda não são economicamente competitivas — como hidrogênio verde, captura de carbono, cimento verde ou combustível de aviação sustentável. “O capital é necessário para comercializar essas novas tecnologias e inventar outras”, trouxe o documento assinado por seis executivos da instituição.
Enquanto isso, o fundo internacional de US$ 100 bilhões prometido pelos países desenvolvidos para ajudar os em desenvolvimento na transição energética está patinando e ficou para ser discutida na COP-27 a ser realizada em novembro, no Egito. E vamos combinar que um fundo de US$ 100 bilhões para uma equação que demandará investimentos de US$ 5 trilhões não mexerá em quase nada o cenário.
FALTA DE RÉGUA Não bastassem os grandes desafios estruturais serem suficientes para colocar em xeque a viabilidade do cumprimento do Acordo de Paris, uma questão mais trivial preocupa a comunidade: ainda faltam regras claras para medir em régua única as emissões e a integridade dos planos rumo ao Net Zero. Em um embate cordial nesta semana, a Science Based Target (SBTi), uma das mais renomadas organizações de orientação de empresas na jornada de descarbonização, questionou o Monitor de Responsabilidade Climática Corporativa divulgado pelo New Climate Institute e Carbon Market Watch, que apontou que das 25 maiores corporações do mundo apenas três comprometem-se claramente com a descarbonização de 90% de suas emissões nos escopos 1, 2 e 3.
De acordo com a SBTi, o documento reflete “diferenças importantes na metodologia utilizada no relatório e nos critérios utilizados pelo SBTi para validar as metas de redução de emissões.” Sem regras claras e únicas, empresas como a Vale e a JBS têm planos elaborados em conformidade com os padrões da Science Based Target, mas que foram classificados como de baixo nível de transparência e integridade no Monitor. Ambas se defendem em comunicados oficiais, mas sofrem com a divergência de metodologia que é um desserviço às próprias companhias, ao mercado e ao consumidor.
Diante de tantas pedras no meio do caminho, a saída vem nas palavras do diretor de Agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes. “Por mais complexo que seja, faremos a descarbonização acontecer.” A instituição financeira trabalha para descarbonizar a operação até 2030. Como? “Não é que está tudo feito, mas temos capacidade de construir e não estamos medindo esforços para isso”, afirmou Fernandes. Por uma questão de sobrevivência, ele não está sozinho nesta jornada.