14/04/2004 - 7:00
Ele é um Guinle. E Jorge também, assim como o primo famoso que morreu no mês passado numa luxuosa suíte do Hotel Copacabana Palace, no Rio. Mas as semelhanças que poderiam haver entre os dois param no nome. Nos bons tempos, Jorginho Guinle, o playboy, não se levantava antes do meio-dia, fruto da intensa vida social que o lançava nas noites de São Paulo, Rio, Paris ou Nova York, sempre em companhia das melhores mulheres e dos melhores vinhos. O outro Jorge, ao meio-dia, já está freqüentemente na terceira reunião do grupo SAB, rodeado por executivos, discutindo estratégias de negócios. Negócios? Era melhor nem repetir essa palavra perto de Jorginho. Ele sempre se orgulhou de levar a vida na flauta, usufruindo da fortuna familiar. Jorge, ao contrário, se orgulha de ter começado na labuta aos 14 anos e hoje, aos 34, comandar um império de R$ 1,4 bilhão que reúne tradings, empresas de logística e uma distribuidora de combustível. Se estivesse vivo, Jorginho provavelmente diria ao primo xará que ele é um jovem de muito talento, mas tem um grave defeito: o trabalho. ?Eu diria a ele que o admirava. Os Guinle sempre são bons em tudo o que fazem e Jorginho não fugiu à regra, foi o melhor playboy do Brasil?, afirma Jorge, o empresário.
Copacabana Palace, Porto de Santos, Companhia Siderúrgica Nacional, estradas de ferro, empresas de energia e telecomunicações, seguradoras, bancos. Embora o destino tenha transformado o nome Guinle em sinônimo do glamour e do bem-viver, o clã, na verdade, foi protagonista de alguns dos principais capítulos da história econômica do Brasil, uma saga que começou em 1870 e se arrastou até 1997, quando o Banco Boa Vista foi vendido aos grupos Monteiro Aranha e Espírito Santo e posteriormente ao Bradesco. Ao grande público, parecia cair o último empreendimento com a assinatura da família. O que poucos sabiam é que nesse mesmo ano de 97, num escritório modesto no bairro do itaim, em São Paulo, um desconhecido Jorge Guinle, então com 29 anos, começava a desenhar a expansão do grupo SAB. A empresa, fundada e dirigida até hoje por sua mãe Germana, era referência na exportação de commodities ? açúcar principalmente ?, mas buscava outros horizontes. Jorge vasculhou o mercado em busca de feras do comércio exterior para viabilizar um novo tipo de serviço no ramo de exportação e importação. Encontrou João Batista de Paula, ex-Coimex, com 37 anos de experiência no setor. ?A SAB Company nasceu em 1998 para preencher uma lacuna. Havia as tradings, que serviam como intermediárias entre empresas que queriam comprar e vender no exterior. Mas não existia ninguém que fornecesse os meios para as empresas buscarem o comércio internacional?, diz Jorge. A SAB Company oferece planejamento estratégico, prospecção de mercados, estruturação tributária e de financiamento e gestão de recursos. É quase uma consultoria para atividades do comércio exterior. A dupla Guinle e De Paula acertou na mosca. Em cinco anos de atividade, a SAB Company somou 78 clientes (Castrol, Embratel e Siemens, entre outros) e receitas de R$ 600 milhões. Neste ano, diz o empresário, as vendas podem chegar a R$ 1,3 bilhão. O próximo passo é ajustar as operações da SAB Log, o braço logístico que está sendo criado com investimentos de R$ 15 milhões para cuidar das atividades de armazenamento e distribuição de mercadorias. A nova empresa completa o pacote de serviços oferecido pelo grupo.
O rápido crescimento do grupo exigiu até novas instalações. Na semana passada, Jorge e Germana se mudaram para dois andares inteiros numa recém-inaugurada torre comercial na região da Nova Faria Lima, novo coração corporativo de São Paulo. É de lá que o empresário prepara a segunda fase da expansão do grupo, com a Guinle Petróleo (GP). Trata-se de uma rede de distribuição de combustíveis que começa a operar ainda neste semestre com postos no interior de São Paulo. Nos próximos três anos, a empresa irá investir R$ 30 milhões para montar uma rede de 200 postos e expandir a atuação para a capital paulista, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
A longa relação com as usinas sucroalcooleiras, para quem a SAB Trading exporta açúcar, ajudará na operação de distribuição de álcool. A GP também já montou parcerias com a Agip e Ale, usando suas bases para fornecer gasolina e diesel. Quando os postos com a bandeira Guinle forem inaugurados a estrutura já estará pronta. Pelos cálculos do empresário, o faturamento da rede deverá crescer dos R$ 100 milhões previstos para o primeiro ano para R$ 1 bilhão em cinco anos. Além de contar com os usineiros e as bases de terceiros, a GP terá a SAB Trading como aliada em futuras importações de combustível. ?Temos contatos sólidos e firmes com os árabes para quem a SAB exporta açúcar e de quem será possível importar combustível a preços competitivos?, explica.
?Eles são corajosos. Estão entrando num mercado em queda, em que é preciso uma escala muito grande e as margens de lucro são pequenas?, afirma o professor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. ?Sem contar que esse é um setor complicado, com 150 empresas operando e muitas delas bem próximas da ilegalidade?. Jorge sabe que a competição será duríssima e muitas vezes, desleal. ?Mas confio no poder da marca Guinle para conquistar o consumidor.? Será preciso mais que a tradição do nome para fazer alguém parar o carro num posto Guinle. Não por acaso, o empresário andou visitando o publicitário Nizan Guanaes no início deste mês. Guanaes é grande candidato a assumir as estratégias de comunicação da nova bandeira. Outro nome de peso na GP é Omar Carneiro da Cunha, ex-presidente da Shell que vai atuar como conselheiro do novo grupo Guinle.
Único ?menino? de Germana ? ela tem outras três filhas ? Jorge foi moldado pela mãe para, aos poucos, assumir o leme dos negócios da família. Formou-se em Economia pela PUC do Rio e fez pós-graduação da FGV. Mas sua grande escola foi a SAB Trading. Desde sempre, diz Jorge, ele freqüenta os escritórios da companhia. ?Ainda me lembro de mamãe no telex fechando contratos com os árabes, enquanto eu fazia a lição de casa. Eu achava aquilo o máximo?, conta o empresário. Germana é voz e o comando da SAB Trading, empresa que nesse ano deve faturar algo próximo a R$ 1 bilhão. Poliglota, formada em filosofia e pianista de mão cheia, ela foi educada para
ser uma sofisticada dona de casa. Mas era pouco para Germana. A mulher tem o empreendedorismo na veia, herança de seu pai João Ribeiro Coutinho, que foi usineiro famoso e banqueiro dos bons. ?Nos anos 70, tempos do milagre econômico, eu fiquei espantada com
os dados de exportação no Brasil. E queria fazer parte daquele mundo?, conta a empresária. Ela foi a primeira mulher a vislumbrar
os países árabes como grandes clientes dos produtos brasileiros.
Hoje, a região é uma das maiores compradoras de açúcar do País e cliente cativa da SAB Trading.
Germana está rodeada por Jorges. É casada com Jorge de Mello Flo-
res Guinle (bisneto de Eduardo Palassin Guinle, o patriarca da família), tem o filho Jorge e um neto de sete anos também batizado com o mesmo nome. ?A família não tem muita criatividade?, brinca Jorge, o filho de Germana. ?Outro dia perguntei ao meu neto Jorginho qual era o carro que ele gostaria de ter. Ele respondeu de bate pronto: Ferrari?, conta a avó coruja. Jorginho Guinle, o playboy, ficaria orgulhosíssimo do pequeno xará.