Ninguém foi mais assediado que o executivo chinês Gao Xiqing durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington. Não era para menos, nestes tempos de crise brava. Presidente do gigantesco fundo soberano China Investment Corporation (CIC), Xiqing administra um patrimônio de nada menos que US$ 410 bilhões e vem sendo cortejado há meses por autoridades europeias para comprar títulos de países com problemas para encontrar financiamento, como Itália, Grécia e Portugal. O governo da Itália, por exemplo, negociou com o fundo soberano chinês durante todo o mês de setembro. A tentativa de vender um grande lote de títulos públicos mobilizou o primeiro escalão do governo italiano, do ministro das Finanças, Giulio Tremonti, ao chefe do Tesouro, Vitorio Grilli, e incluiu missões de negociação em Pequim e Roma. Durante o encontro do FMI, porém, Xiqing jogou um balde de água fria nas expectativas de que os chineses usem seus bilhões para resgatar países em dificuldades. 

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Cavaleiro branco: o presidente do fundo soberano chinês é abordado por governos europeus com dificuldades para financiar as dívidas

Em um seminário a que estavam presentes o megainvestidor George Soros e o comissário para Assuntos Econômicos e Monetários da União Europeia, Olli Rehn, Xiqing reagiu rápido a uma pergunta sobre possíveis aquisições de títulos públicos rejeitados pelo mercado. ”Não somos salvadores, primeiro temos de salvar a nós mesmos”, disparou, provocando risos nervosos na plateia. Xiqing, que fala um inglês praticamente sem sotaque e é formado em direito pela Duke University, uma universidade de elite nos Estados Unidos, explicou pacientemente que precisa se preocupar com a rentabilidade de seus investimentos. No ano passado, a carteira do fundo soberano chinês rendeu 11,7%, um salto em relação a anos anteriores. O desafio de Xiqing é manter esse desempenho de maneira consistente. ”Somos abordados por vários governos o tempo todo”, disse Xiqing à DINHEIRO,  no intervalo de uma das inúmeras reuniões com interessados em captar uma fatia de seu dinheiro.  

O executivo afirma que ainda está avaliando se vai ou não comprar os papéis italianos. O fundo soberano chinês, criado há apenas quatro anos, não é visto como um ”cavaleiro branco” por acaso. Seus recursos foram providenciais durante a crise americana, em 2008. O CIC já havia adquirido 10% do capital do banco de investimentos Morgan Stanley por US$ 5 bilhões, em 2007, e voltou a injetar recursos na instituição dois anos depois. O investimento de US$ 1,2 bilhão em 2009 ajudou a acalmar o nervosismo dos investidores em torno da sobrevivência da instituição. Os chineses também detêm uma participação no fundo de private equity americano Blackstone. No entanto, os prejuízos sofridos com a crise fizeram o CIC rever sua estratégia. Desde o ano passado, Xiqing tem a missão de investir mais em países emergentes, principalmente na América Latina e África, e privilegiar aplicações em infraestrutura, em imóveis e em empresas vinculadas a commodities. 

 

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Por isso, enquanto rejeita o papel de salvador europeu, Xiqing fala do Brasil com muito entusiasmo. ”Temos uma visão muito positiva da economia brasileira e queremos investir mais no País”, diz. Discreto, ele não revela em quais alvos está mirando. O fundo não divulga detalhes de suas aplicações, mas sabe-se que possui uma participação na Vale e também uma fatia do banco de investimentos BTG Pactual. O fundo soberano entrou num consórcio de investidores asiáticos que comprou 18% do banco de André Esteves por US$ 1,8 bilhão no fim do ano passado – sua fatia é de 3%, comprada por US$ 300 milhões. O CIC também investe indiretamente em energia, logística e transportes no País. Tem uma participação de 15% no Noble Group, um dos maiores negociantes de commodities do mundo, sediado em Hong Kong, com investimentos diversificados no Brasil. 

 

Em seu portfólio estão usinas de açúcar e álcool em São Paulo, armazéns nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul, um terminal de exportação de açúcar e grãos no porto de Santos, além de uma esmagadora de soja para produção de biodiesel em construção em Mato Grosso. Apesar do entusiasmo com o Brasil, Xiqing reclamou da regulamentação sobre investimentos estrangeiros no País. ”As regras não são muito justas com os estrangeiros e mudam a toda hora”, afirma.  Mesmo assim, o País poderá sediar o primeiro escritório de representação do CIC na América Latina, cuja instalação, a médio prazo, está em fase de estudos. Seria a terceira embaixada do gigante financeiro chinês: o CIC só possui dois escritórios fora da China, um em Hong Kong e outro em Toronto, no Canadá, onde fez grandes investimentos em prospecção de petróleo.

  

Enviada especial a Washington