07/11/2007 - 8:00
O engenheiro químico Pedro Renato Borges, 50 anos, chegou cedo, na manhã do dia 22 de outubro passado, à sede da Coopervale, cooperativa de leite de Passos (MG). Naquele dia, trataria de um assunto relacionado à área de segurança do trabalho na empresa. No início da manhã, quando entrou na Coopervale, agentes da Polícia Federal já estavam lá, dando voz de prisão aos diretores da cooperativa. Um dos policiais se aproximou dele e pediu que se identificasse. Ao fazê-lo, Borges foi detido. Durante toda a inspeção dos policiais na fábrica, Borges acompanhou os técnicos e os policiais. Ficou responsável pelas chaves dos armários das amostras colhidas dos galões de leite da companhia. Horas depois, a bordo do seu próprio carro, foi até a delegacia prestar depoimento, já no papel de suspeito de ter arquitetado um esquema de adulteração de leite na Coopervale, em Passos, e na Casmil, em Uberaba. Delas, saíam todos os dias 450 mil litros de leite para Minas Gerais e São Paulo. Borges, segundo a PF ouviu de várias testemunhas em sua investigação, teria criado, em 2005, uma fórmula que estende o tempo de vida do leite ? e amplia a sua quantidade ? adicionando itens como água oxigenada e soda cáustica ao líquido. O assunto se tornou escândalo nacional. Mobilizou autoridades, assustou consumidores, fez a Polícia Federal ampliar a investigação iniciada com a Operação Ouro Branco para outros produtos derivados do leite. E, sobretudo, colocou em cheque toda a indústria de leite e derivados. Com a desconfiança do mercado, ampliada por informações desencontradas dos órgãos públicos, as vendas de lácteos caíram logo após as denúncias de adulteração tornarem-se públicas.
O químico Borges ficou detido até a madrugada de sábado 27 e, ao voltar para Riberão Preto, se mudou com a esposa do apartamento na avenida dos Cafés, bairro de classe média de Ribeirão Preto, para a casa de um amigo. Em seu depoimento à PF, ele negou ser o inventor da fórmula. Nascido em Cajuru (SP) e casado duas vezes, ele se formou no final dos anos 70 em engenharia química pela UERP (Universidade Estadual de Ribeirão Preto). De 1984 a 1998 trabalhou na Colaba, uma cooperativa de Batatais, onde foi gerente de laticínios. Depois, virou autônomo e passou a prestar serviços para várias empresas. ?Ele é muito educado e extremamente inteligente?, conta Oclacir Cabrini, diretor da Colaba. Com o passar dos anos, foi engordando sua carteira de clientes. Passou a projetar o parque industrial de várias cooperativas no interior de Minas. Foi ganhando mercado no boca a boca. Cobrava, hoje, entre R$ 1.000 e R$ 1.400 por visita que fazia às empresas em que prestava serviço.
26,1 BILHÕES é o total de litros de leite a serem produzidos no País no ano
Em 30 anos de trabalho, teria prestado consultoria para mais de 15 companhias do setor, apurou a DINHEIRO. Mas ele não estava ligado diretamente à produção do leite nos locais. ?Ele cuidava da burocracia para a expansão das nossas fábricas. Fez isso em 1998 e de um ano para cá vinha prestando serviços para outra ampliação da unidade?, conta Vladimir Cesário, da Biolac, uma das empresas atendidas por Borges. ?Sem ele, vamos ver o que fazer.? Borges cancelou todas as visitas que faria nas próximas semanas. Não atende o celular pessoal e só fala com os parentes. Procurado pela DINHEIRO, ele não se manifestou.
NA MIRA 15 é o número de cooperativas que já trabalharam com Pedro Borges nos últimos anos
Referência no mercado pelo elevado nível de conhecimento técnico que possui no setor de lácteos, Borges está incomunicável e só fala com amigos próximos
A investigação em Minas continua. Já são quatro volumes de inquérito, num total de mil páginas. Existe a possibilidade de a polícia mineira investigar todas as cooperativas por onde Borges passou. E outras fora dessa rota. ?Pedro anda muito chateado, se sente injustiçado. Ele é correto, íntegro e não há provas convincentes?, diz Gentil Borges, irmão do engenheiro.Independentemente do resultado do inquérito que apura as responsabilidades pela fraude, já se contabilizam os estragos que ela provocou no mercado. Se não houve registros de consumidores contaminados, a primeira vítima da adulteração acabou sendo a confiança do consumidor. Desde as primeiras notícias sobre a deflagração da Operação Ouro Branco, sobraram dúvidas e faltaram respostas sobre os reais efeitos da adulteração em quem bebe o leite e também sobre a real extensão do problema. Embora a operação tenha ocorrido no dia 22, apenas no dia 25 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tomou uma atitude, determinando a retirada de mercado de lotes de três empresas ? uma quantidade ínfima dentro do total de leite processado diariamente no País. Da mesma forma, embora a investigação tivesse sida iniciada em julho, não houve nenhuma notificação anterior para que as empresas deixassem de comprar leite das cooperativas acusadas ou pelo menos ampliassem o rigor de seus controles de qualidade. Alegou-se que a investigação da PF era sigilosa. Com isso, foi impossível impedir que o medo de consumir leite, principalmente o das embalagens longa vida (cujo recolhimento foi determinado pela Anvisa), se alastrasse. Num efeito cascata, supermercados começaram a pressionar as empresas por preços mais baixos e até exportadores de leite tiveram encomendas canceladas. O próprio ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, ajudou a aumentar a confusão ao dar declarações contraditórias. Na terça-feira 30 de outubro, em Brasília, saiu em defesa da qualidade do leite brasileiro. No dia seguinte, em entrevista a uma rádio, disse que, por enquanto, beberia apenas leite em pó, embora nota da própria Anvisa confirmasse que os níveis de contaminação não ofereciam riscos à saúde.
Imediatamente, também, a contaminação afetou as marcas apontadas na investigação como compradoras do leite contaminado. As mais tradicionais são a Nestlé e a Parmalat, duas das líderes do mercado brasileiro. As outras são as regionais Centenário e Calu, esta de responsabilidade da Avipal, do grupo gaúcho Eleva, adquirido na semana passada pela Perdigão (leia reportagem ao lado). A polícia investiga se as empresas sabiam que o produto estava fora dos padrões de qualidade e, mesmo assim, teriam comprado leite cru (sem tratamento térmico) e leite UHT das cooperativas e se o leite que levaram às prateleiras estava com o nível de alcalinidade acima do permitido, conforme apontaram os primeiros exames. Em comunicado, a Parmalat diz que o leite comprado pela empresa passa por ?rigorosos testes de qualidade?. Diz que os exames recentes nos produtos comprados da Casmil e Coopervale não indicaram irregularidades. Em período de silêncio, em virtude da emissão de certificados de ações do fundo Laep, que controla a marca Parmalat, a empresa procurou autoridades para questionar os procedimentos adotados na coleta das amostras que levaram à conclusão de que ela comprava insumo adulterado. Questinou, também, a apreensão determinada pela Anvisa, que teria atingido dois lotes já vencidos. Com a exposição negativa da marca, além do solavanco nas vendas, ficou contaminada também a emissão da Laep na Bovespa, que ocorreu na quarta-feira 31. Os papéis, com faixa de preço entre R$ 11,50 e R$ 15,50, estrearam na bolsa a R$ 7,50, em parte devido ao reflexo das fraudes. Já a Nestlé saiu a campo rapidamente e disse que realmente tinha contrato com as cooperativas, mas que fez testes na amostra coletada, detectou problemas no leite e devolveu o produto. As investigações prosseguem e há muita gente para chorar pelo leite derramado.