01/04/2009 - 7:00
“Criamos um novo segmento de mercado”
O jamaicano Usain Bolt se agacha, olha para a frente concentrado na linha final e dispara ao som do tiro de largada. Nove segundos e 69 centésimos depois, o atleta de 22 anos abre os braços e se consagra como o homem mais rápido do mundo – mais de um metro à frente dos rivais. Antes mesmo de comemorar, saca a bandeira da Jamaica e, como se estivesse segurando um troféu, carrega suas sapatilhas douradas, uma em cada mão, e as alça para o alto.
USAIN BOLT: ao quebrar o recorde e vencer a prova dos 100 metros rasos nos Jogos Olímpicos de Pequim, ele mostrou ao mundo as sapatilhas da Puma usadas na competição
A cena, acompanhada por 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo, aconteceu no dia 16 de agosto de 2008, durante os Jogos Olímpicos de Pequim, e ainda traz dividendos para a empresa, que ganhou tanto quanto Bolt – dono de três medalhas de ouro nos jogos. “Apostamos no atleta bem antes de ele ser conhecido”, disse à DINHEIRO Jochen Zeitz, o CEO da Puma. Agora, a marca alemã colhe os louros. Aos 45 anos de idade, o executivo parece estar acostumado a apostar com precisão. Desde 1993, quando assumiu a Puma, com a imagem combalida e dívidas de US$ 100 milhões, ele bate recordes atrás de recordes. “Nós reinventamos a empresa e criamos um novo segmento de mercado”, diz Zeitz (acompanhe entrevista abaixo).
A Puma nasceu, em 1948, da briga entre os irmãos Rudolf e Ari, que possuíam uma pequena fábrica de calçados na cidade de Herzogenaurach, na Alemanha. Rudolf criou a Puma e Ari fundou a Adidas. Até hoje as empresas são rivais e as sedes de ambas ficam na mesma rua, frente a frente, separadas por alguns metros de distância. Durante décadas, a Puma inovou e esteve associada às maiores estrelas do esporte. Pelé foi garoto-propaganda da grife, Maradona disputou sua primeira Copa do Mundo, em 1982, com chuteiras da marca e, em 1985, Boris Becker venceu Wimbledon com tênis da marca. No fim da década de 90, ela já não era mais a mesma. “Não tínhamos mais impacto no mercado porque havíamos perdido apelo junto ao consumidor e estávamos fora de forma”, diz Zeitz.
O executivo, então com 30 anos e recém- nomeado presidente da empresa, iniciou um grande processo de reestruturação e, depois de deixar a companhia no azul, partiu para a estratégia que, definitivamente, reconstruiu a imagem da Puma. “Apresentamos a Puma do modo mais poderoso aos consumidores, mas fizemos isso basicamente mudando as tradicionais fórmulas de sucesso usadas por nossos rivais”, explica Zeitz. O que ela fez de diferente? Inaugurou o casamento entre a moda e o esporte, criando a imagem de grife de lifestyle, e inaugurou lojas próprias que identificassem o universo Puma. “Para os atacadistas vendemos produtos ligados ao esporte e nas nossas lojas temos mais o lado fashion”, diz João de Castro, presidente da Puma no Brasil – subsidiária que faturou R$ 200 milhões em 2008, R$ 60 milhões a mais do que em 2007.
O segredo da marca foi disputar mercados nos quais nunca uma grife de equipamento esportivo havia competido, convocou estilistas de renome internacional para criar linhas premium e tornou as roupas esportivas usuais no dia a dia, associando a imagem com eventos como Fórmula 1, motociclismo, golfe e, por último, regatas náuticas como a Volvo Ocean Race. “Eles criaram um nicho de mercado e obrigaram as concorrentes a seguirem-na”, diz Julio Moreira, diretor da consultoria de marcas Top Brands. A Adidas apostou na confecção de roupas retrô e a Nike tentou fazer o mesmo que a Puma.
Os resultados apareceram rapidamente. Em 1993, a Puma faturava 541 milhões de euros e, no ano passado, atingiu a marca de 2,767 bilhões de euros. Nesse mesmo período, o valor do papel da companhia saltou exponencialmente Em 1993, uma ação valia 7,75 euros. Na terça-feira 24 de março, estava cotada a 120,7 euros. O ápice foi em 2007, quando o papel atingiu 350,1 euros. No mesmo ano, o grupo PPR, dono da italiana Gucci, comprou uma fatia de 27% da empresa por US$ 7 bilhões. “O PPR é um investidor que pensa no longo prazo”, diz Zeitz. Com a crise econômica mundial, sabe que será necessário tempo para que o cenário melhore. E, nesse caso, nem Usain Bolt pode ajudar a fazer com que passe mais rápido.
Na manhã da terça-feira 24, o CEO da Puma, Jochen Zeitz, recebeu DINHEIRO para a seguinte entrevista exclusiva:
ZEITZ, O CEO: “os nossos produtos combinam performance com estilo”
DINHEIRO – Quando o sr. assumiu a Puma, em 1993, a empresa estava endividada e tinha perdido o brilho. Como foi a mudança?
ZEITZ – Mesmo com problemas, a empresa tinha grandes ativos que eram o nome e o logo Puma. Tínhamos uma herança de tradição no mundo dos esportes, mas, nos anos 80 e 90, a marca adormeceu. Quando assumi, reorganizei a companhia para torná-la lucrativa. Nesse sentido, trabalhamos muito para reconstruir a marca e resgatar os seus valores. Foram vários passos para chegar onde estamos hoje.
DINHEIRO – Quais foram esses passos?
ZEITZ – O primeiro foi a reestruturação, o segundo foi a reviravolta financeira, o terceiro foi a renovação da marca. Apresentamos a Puma aos consumidores do modo mais poderoso, mas fizemos isso basicamente mudando as tradicionais fórmulas de sucesso usadas por nossos rivais. Sentíamos que a Puma precisava se reinventar. Foi aí que tivemos a ideia de posicionar a Puma como uma marca de lifestyle e criar um novo mercado que nunca ninguém havia explorado, combinando estilo de vida esportivo com roupas fashion. Esse é o ponto inicial do nosso sucesso.
DINHEIRO – Durante esses anos, quanto a Puma investiu em marketing para se reinventar? ZEITZ – Naquele tempo éramos uma companhia bem pequena e não tínhamos muito dinheiro para investir. Tivemos que fazer investimento em produtos, construir a marca com inovação e fizemos um trabalho junto às celebridades.
DINHEIRO – Qual é a ligação entre o universo fashion e o mundo dos esportes?
ZEITZ – Nos anos 80 e 90, os produtos eram ligados aos aspectos de funcionalidade e de performance. Hoje as pessoas procuram design e buscam estar na moda. Ou seja, os produtos devem ser fashion e funcionais. Essa é a ligação.
DINHEIRO – A Puma é mais fashion ou funcional?
ZEITZ – Somos os dois, combinamos performance com estilo. Quando iniciamos um produto, trabalhamos primeiro a performance e a funcionalidade. Fazemos, por exemplo, produtos como macacões à prova de fogo para a Fórmula 1. Mas reinterpretamos esses produtos de um modo fashion.
DINHEIRO – Quando a Puma lançou a linha black label, muitos disseram que a marca queria partir para o setor de luxo. A grife quer atuar nesse segmento?
ZEITZ – Essa é a linha na qual temos parcerias com designers como Jil Sander, Alexander McQueen, Philippe Starck, Iasuhiro Myhara. É a parte de materiais esportivos de luxo, mas nunca seremos uma marca de luxo. Cobrimos todas as áreas e estamos no meio.
DINHEIRO – Como é a relação com o grupo PPR?
ZEITZ – O PPR é um investidor e é melhor trabalhar com eles porque sabem o que é investimento de longo prazo.
DINHEIRO – Quão importante é ter grandes estrelas como Usain Bolt como garotos-propaganda?
ZEITZ – Fechamos contrato com ele quando ainda não era uma estrela. Tivemos sorte. O que é mais importante é que o esportista tenha a ver com a Puma. Se tiver potencial, decidimos investir.
DINHEIRO – Mas qual é o resultado?
ZEITZ – Em termos de reconhecimento, é ótimo. Estamos com o Usain Bolt, a Serena Williams, com a seleção de futebol da Itália.
DINHEIRO: O que os eventos esportivos como, por exemplo, os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo agregam para a marca?
ZEITZ – São muito importantes porque são grandes plataformas de comunicação e de inovação de produtos. Mostrar produtos na Copa do Mundo, na F-1, na Volvo Ocean Race traz muita exposição.
DINHEIRO – Quanto a Puma investe em produtos e marketing?
ZEITZ – Investimos entre 2% e 3% do nosso faturamento no desenvolvimento de produtos e 13% do que faturamos em marketing.
DINHEIRO – Como o sr. observa o mercado brasileiro?
ZEITZ – É um mercado com um potencial enorme. É por isso que estamos dando maior ênfase para países como os dos Brics, que têm grandes populações e crescem ano a ano. Vamos investir e crescer no Brasil. No próximo ano, vejo boas oportunidades para expandirmos a nossa participação de mercado.
DINHEIRO – Como o sr. enxerga a crise econômica?
ZEITZ – Não temos dívidas, temos US$ 300 milhões em caixa e, como 2009 não será um ano fácil, estamos preparados. Também estamos reestruturando algumas de nossas operações como, por exemplo, fechando algumas lojas ao redor do mundo que não são lucrativas.
DINHEIRO: Quando o sr. acha que essa crise acaba?
ZEITZ: Ninguém tem essa resposta. Por isso acho que temos de estar preparados.