08/07/2025 - 16:15
Petroleiras avançam na exploração do combustível fóssil na costa da Amazônia. Região pode emitir mais que o dobro dos gases de efeito estufa que o Brasil libera anualmente na atmosfera.Até 17 de junho desse ano, apenas a Petrobras tinha concessões e buscava uma licença para explorar petróleo na bacia marítima Foz do Amazonas. Com o leilão realizado naquele dia, as americanas Exxon Mobil e Chevron e a chinesa CNPC também arremataram blocos na região, confirmando a costa da Amazôniacomo uma área de expansão petroleira.
O movimento das petroleiras em direção à Foz do Amazonas ocorre em um cenário em que o desafio é diminuir as emissões dos gases de efeito estufa (GEE), responsáveis pelas mudanças climáticas. O impacto no clima da queima do combustível fóssil na bacia, localizada na costa do Amapá e Pará, ainda é incerto. Mas especialistas, ambientalistas e procuradores mostram preocupação com seus efeitos.
Um cálculo do Instituto ClimaInfo mostrou que 4,7 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO₂) poderiam ser lançados na atmosfera, mais de duas vezes o que o país emitiu em 2023. A comparação foi feita com os últimos dados disponíveis no Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.
Se for considerada toda a Margem Equatorial, a região marítima entre a costa do Rio Grande do Norte e Amapá, onde está localizada a Foz do Amazonas, seriam lançados 13,5 bilhões de toneladas de CO₂ na atmosfera. É mais do que o país emitiu nos últimos cinco anos, incluindo o desmatamento, o principal gerador das emissões brasileiras, a agropecuária e o setor de energia.
A análise foi feita a partir de estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). “Se tiver aquele petróleo todo, se tirar aquele petróleo todo e se ele for transformado em gasolina, diesel e GLP [Gás Liquefeito de Petróleo] e queimado, é muita coisa que será emitida”, explicou Shigueo Watanabe Jr., físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do Instituto ClimaInfo.
Riscos socioambientais e climáticos
Há diversos riscos na exploração de petróleo na Foz do Amazonas, alertou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “É uma bacia pouco estudada ecologicamente, próxima do grande sistema recifal amazônico. É uma área com correntes fortíssimas, o que aumenta a chance de acidentes, tanto na perfuração quanto na produção.”
Um possível derramamento de óleo poderia afetar a fauna e a flora da região. Além disso, há muitas populações tradicionais que podem ser impactadas durante o processo de exploração, como indígenas, quilombolas e pescadores. Mesmo assim, a Petrobras está perto de obter a licença para perfurar o bloco 59, a cerca de 170 quilômetros da costa do Amapá.
Em maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deu sinal verde para a Petrobras realizar a Avaliação Pré-Operacional (APO), última etapa antes de obter a licença. A petroleira precisa demonstrar na prática, em uma espécie de simulado, que seus planos de redução de riscos funcionam.
O Ministério Público Federal (MPF) do Amapá entrou com uma ação na Justiça para anular a APO. Um dos argumentos dos procuradores é que o Ibama desconsiderou a análise de 29 analistas ambientais do próprio instituto, que recomendou o indeferimento da licença. “O problema é o viés político superar a ciência no que se refere às garantias ao meio ambiente que essa exploração deve possuir”, escreveram os procuradores.
Após esse episódio, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou um leilão para ofertar áreas para exploração. Na Margem Equatorial, havia 47 blocos disponíveis na Foz do Amazonas e 17 na Potiguar. Foram arrematados 19 na primeira, e nenhum na segunda.
Até então, a Petrobras tinha nove blocos na Foz do Amazonas, incluindo o 59. Com o leilão, o número passou para 28, e a região passou a contar também com empresas americanas e chinesa. “A principal derrota, para quem olha a proteção ambiental e a questão climática, é a consolidação da bacia sedimentar da Foz do Amazonas como uma área de expansão petroleira”, destacou Araújo, do Observatório do Clima.
Falta de estudo climático
O MPF do Pará entrou com uma ação na Justiça Federal para suspender o leilão ou, ao menos, retirar da disputa todos os blocos oferecidos na Foz do Amazonas. Como o certame foi realizado antes da análise judicial, os procuradores reforçaram o pedido, solicitando que o resultado não seja homologado.
Um dos principais pedidos do MPF é que, antes da concessão, seja realizado um Estudo de Impacto Climático para diagnosticar os efeitos das emissões de gases de efeito estufa. De acordo com a ação, a oferta de blocos realizada pela União e a ANP sem o estudo “configura flagrante violação do ordenamento jurídico brasileiro e dos imperativos científicos impostos pela crise climática global”.
“Diante desse quadro crítico, a decisão de expandir a fronteira de exploração de petróleo no Brasil representa um grave contrassenso, pois sinaliza em uma direção oposta aos esforços globais de descarbonização e coloca em xeque a credibilidade do Brasil como ator relevante na agenda climática internacional, perpetuando a dependência de um modelo energético insustentável”, escreveram os procuradores.
A DW solicitou à ANP um posicionamento sobre a ação e perguntou se a autarquia tem alguma previsão dos impactos climáticos da exploração de petróleo na região, mas não obteve retorno até a publicação. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima também não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O destino do petróleo
Ao norte da Foz do Amazonas foram encontradas grandes áreas de petróleo, principalmente na Guiana. Por ser uma área geológica similar, acredita-se que a região brasileira tenha importantes reservas. Mas a previsão só será confirmada ao perfurar os poços, explicou Watanabe Jr.
Na opinião do físico, vai levar cerca de dez anos para o petróleo ser retirado do fundo do mar. Caso o combustível seja encontrado, será preciso analisar a viabilidade econômica de produzi-lo, conseguir as licenças ambientais e construir a infraestrutura para transportá-lo.
Além da viabilidade técnica e econômica, outra questão é se o petróleo deve ser explorado. A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta a queda da demanda dos combustíveis fósseis após 2030. Além disso, há todos os esforços para frear o aquecimento global, como a realização da 30° edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será em Belém (PA), em novembro deste ano.
Na opinião de Araújo, a opção do Brasil por expandir a produção de petróleo vai contra a descarbonização e enfraquece seu papel de liderança climática. “O petróleo não vai sumir da nossa economia tão cedo, mas assumir que ele é a solução dos nossos problemas é olhar para o passado e desconsiderar a gravidade da crise climática. De certa forma, isso tem um negacionismo, não sobre as alterações climáticas, mas sobre a relevância da crise.”