Os suecos aprendem desde o berço que existe uma forma muito peculiar para traduzir expressões como dinheiro, poder e dinastia no Norte da Europa. A tradução para todos esses sinônimos de grandeza responde pelo nome Wallenberg, a família que há 150 anos comanda um império sem paralelo no mundo. A holding Investor, hoje administrada pela quinta geração dos Wallenberg, tem nas mãos o controle de empresas como Electrolux, Ericsson, Scania, Saab, AstraZeneca, Asea Brown Boveri e SKF. São colossos industriais, em muitos casos líderes em seus setores,
que, juntos, valem US$ 250 bilhões, geram 800 mil empregos e faturam mais de US$ 100 bilhões por ano, dos quais 90% vêm de fora da Suécia. É por essas e outras razões que eles são conhecidos como os Rockefeller da Europa. Mas o que muita gente desconhece é que a família Wallenberg fez do Brasil, e especificamente da Região Metropolitana de São Paulo, sua maior plataforma produtiva. ?No último ano, ultrapassamos Estocolmo e Gotemburgo?, disse com ares de brasileiro, e em entrevista exclusiva à DINHEIRO, Jacob Wallenberg, um dos donos e gestores da Investor. ?São Paulo já é hoje a maior cidade industrial da Suécia.?

Ao todo, de acordo com dados da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira, as multinacionais suecas faturam
US$ 5,1 bilhões no Brasil e empregam quase 30 mil pessoas. Para os próximos cinco anos, estão programados investimentos de US$ 3,1 bilhões. ?O Brasil é nossa prioridade e a perspectiva da Investor é de longo prazo?, afirma Wallenberg. A aposta agressiva da dinastia sueca no País não é obra do acaso. Hoje, algumas das empresas que fazem parte do portfólio da companhia têm o Brasil como seu principal mercado. É o caso da Scania. ?Em 2001, o Brasil foi o país em que nós mais vendemos caminhões, ônibus e motores?, revela Arne Carlsson, presidente da Scania Latin América. Há dois anos, o desempenho da Scania brasileira, instalada em São Bernardo do Campo, ainda ficava aquém das filiais na Alemanha e no Reino Unido, mas no ano passado, com 5,3 mil caminhões vendidos, voltou ao topo. A Asea Brown Boveri, outro carro-chefe da Investor, dobrou seu faturamento no Brasil entre 1998 e 2001 ? saltou de R$ 903 milhões para R$ 1,8 bilhão. As exportações triplicaram, passando de US$ 54 milhões para US$ 152 milhões. ?A privatização e os novos investimentos em infra-estrutura impulsionaram o mercado brasileiro?, diz Carlos Roberto Hohl, diretor corporativo da ABB, empresa que está no Brasil há 90 anos e teve como primeiro contrato o fornecimento de equipamentos para o bondinho do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Depois disso, vendeu 60% dos geradores usados nas hidrelétricas brasileiras, com destaque para Itaipu.

Os bons resultados no Brasil abriram caminho para uma nova onda de investimentos diretos. ?Agora são os fornecedores das grandes corporações que estão se instalando no País?, conta Johan Fager, diretor-executivo da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira. Há duas semanas, uma missão de empresários que atendem Scania e Volvo esteve no País em busca de oportunidades. ?O Brasil está recebendo mais recursos da Suécia do que a própria China?, diz Fager. Hoje, a balança comercial entre os dois países é desfavorável ao Brasil. A Suécia exportou US$ 650 milhões para cá no ano passado e importou US$ 190 milhões. ?Mas nossas filiais vão assumir compromissos para ampliar as exportações?, diz Bengt Halse, presidente mundial da Saab, que concorre, com o caça Gripen, na superlicitação da Força Aérea Brasileira.

Ganho de dois dígitos. O esplendor da dinastia criada pelos Wallenberg é algo único no mundo empresarial. Nos últimos dez anos, o retorno sobre o capital investido nas companhias administradas pela Investor tem sido de 22% ao ano, o que é muito alto para empresas já centenárias. Além disso, são raríssimos os exemplos de impérios familiares que sobrevivem a cinco gerações ? basta pensar no exemplo brasileiro dos Matarazzo e dos baronatos americanos como os Carnegie, os Morgan ou mesmo os Rockefeller. Jacob, que divide a gestão do grupo com seu primo Markus, atribui o sucesso da Investor ao modelo de gestão implantado na companhia, que é tipicamente sueco. ?Infelizmente, nós não podemos vender nossas ações para sair por aí aproveitando a vida?, brincou. As ações da Investor, na maior parte dos casos, pertencem a fundações ligadas aos criadores das empresas. Como os familiares não podem sair dos negócios e recebem apenas dividendos, a melhor alternativa é buscar o maior retorno no longo prazo. Um exemplo recente do grau de conservadorismo do grupo e da própria sociedade sueca envolveu a saída do executivo Percy Barnevik, que presidia a ABB mundial. Depois de deixar a empresa no início do ano e retirar um pacote de aposentadoria de US$ 87 milhões, Barnevik foi obrigado a devolver o dinheiro para preservar a reputação no seu próprio país. Algo que seria absolutamente natural nos Estados Unidos caiu como um escândalo na Suécia, um país onde ninguém pode ser explicitamente muito rico ou muito pobre.

Mas mesmo com traços tradicionais, a filosofia de trabalho do grupo, desde os primeiros anos, tem aspectos parecidos com os princípios da chamada nova economia. Os Wallenberg, que começaram como banqueiros, donos do SEB, o maior banco da Escandinávia, sempre foram capitalistas de risco. Injetavam recursos em empresas promissoras, em troca de participações acionárias. Aos poucos, foram se tornando os maiores investidores das grandes companhias suecas. Além disso, assumiram muitas empresas em dificuldades para depois reestruturá-las ? foi o caso da Astra, que era estatal e foi comprada por uma Coroa sueca nos anos 30. A história de expansão internacional da dinastia tem ainda aspectos singulares. Como a Suécia é um país pequeno, com 9 milhões de habitantes apenas, as multinacionais nórdicas foram das primeiras a se internacionalizar. A Ericssson chegou ao Brasil há mais de cem anos. Outro grande impulso veio na Segunda Guerra Mundial. A Suécia foi um país neutro e acabou fornecendo produtos para os dois lados durante o conflito. Depois de 1945, seus maiores concorrentes internacionais estavam destroçados e o terreno ficou livre para a expansão dos vikings. O membro mais ilustre da família, porém, nunca se dedicou propriamente aos negócios. Raoul Wallenberg é considerado
um dos maiores heróis pelos judeus por ter fornecido, durante a guerra, 20 mil passaportes suecos a judeus-húngaros, perseguidos pelos nazistas.

?o mercado brasileiro é extraordinário?
 Biô Barreira

Jacob Wallenberg esteve em São Paulo há uma semana e patrocinou um seminário sobre as relações Brasil?Suécia. Eis os principais trechos da entrevista a DINHEIRO.

DINHEIRO ? Qual o segredo para administrar negócios tão diferentes e alcançar a liderança global em muitos deles?
JACOB WALLENBERG ? É preciso conhecer a história da industrialização sueca. Nossas empresas começaram a se internacionalizar muito mais cedo. Depois dos portugueses, fomos os primeiros a chegar ao Brasil. Depois dos ingleses, fomos os primeiros a pisar na Austrália. Temos uma natureza aventureira. Além disso, após a Segunda Guerra, nossas multinacionais tiveram um impulso ainda maior porque a Suécia foi neutra. Isso nos deu, globalmente, participação de mercado.

DINHEIRO ? Qual é a filosofia de gestão?
WALLENBERG ? Todas as empresas são geridas de forma independente, de maneira a criar valor para os acionistas. Nós não somos os donos das empresas. Temos, em muitos casos, a maior participação acionária. Mas há algo comum nos negócios em que investimos. As empresas têm um foco definido, estão sempre entre as três maiores do mundo no seu nicho e são voltadas para a qualidade dos produtos. É esse o denominador comum. O que fazemos é sempre buscar uma boa gestão e conselhos profissionais.

DINHEIRO ? E qual é o papel da família?
WALLENBERG ? Nós começamos os negócios em 1856, quando fundamos o banco. Investíamos em pequenas companhias nas quais enxergávamos potencial de crescimento. Quando algumas enfrentavam dificuldades, assumíamos os negócios porque as ações eram dadas em garantia. Fomos deixando de ser apenas banqueiros para nos tornar industriais. Mas meus ancestrais tinham algumas características importantes. Eram voltados para o mercado e deram a todos os seus sucessores uma educação internacional, o que não era comum no século 19. Essa cultura de intercâmbio global é presente em todas as nossas empresas.

DINHEIRO ? O que o Brasil representa nos seus negócios?
WALLENBERG ? São Paulo já é a maior cidade industrial da Suécia. O País tem altos e baixos, enfrenta problemas como o racionamento de energia, mas possui um mercado extraordinário. A Ericsson está aqui desde 1890. Temos uma visão de longo prazo e o Brasil sempre pesou na nossa estratégia.

DINHEIRO ? Vocês investiram em empresas da nova economia. Foi um bom negócio?
WALLENBERG ? Certamente. Por que não acreditar em tecnologia da informação e biotecnologia? Não perdemos dinheiro.