03/11/2015 - 0:00
Estamos cavando um buraco bem fundo. Se continuarmos, muitos de nós sofrerão ou não conseguirão sair dele. A agonia em praça pública do Governo Dilma e a implosão da reputação do Partido dos Trabalhadores são fruto de um processo (in)civilizatório do País, do qual todos fazemos parte e somos responsáveis.
Construímos essa realidade por anos a fio, seja por ação, seja por omissão. A mentalidade política e a baixa qualidade moral e intelectual do Legislativo brasileiro é resultado de uma longa trajetória de escolhas.
A evidente carência de competências do Executivo é também consequência do distanciamento da vida pública dos profissionais melhor preparados. Em ambos os casos, gente de talento e bem intencionada optou por colocar o interesse individual acima do bem comum e não se envolver.
É impossível falar da crise economia no Brasil de hoje sem fazer as necessárias correlações com a política e a sociologia. Quando a esquerda, que por princípio deveria ser fundada na generosidade e na busca pela justiça social, torna-se egoísta, gananciosa e coloca interesse pessoal acima do coletivo, explicita um modelo mental que é de toda a sociedade brasileira.
Quando o Congresso aprova gastos de bilhões, não reconhece a realidade das novas famílias, desmonta uma legislação de desarmamento, restringe o direito das mulheres de decidir sobre seu próprio corpo e utiliza as suas decisões econômicas como moeda de barganha do jogo político deixa claro o quão distante está dos interesses dos próprios eleitores, pessoas comuns que sofrem com os efeitos da crise.
Quando as empresas compactuam ou promovem esquemas de corrupção em nome de não ficar de fora de importantes concorrências (Petrobras, Metrô de SP…), resolver dívidas tributarias (Operação Zelotes), ou mesmo aprovar medidas que às beneficiam revelam que a busca pelo lucro está acima dos interesses da sociedade.
Quando os empresários brasileiros, detentores do capital, da capacidade de investimento e da influência, optam por simplesmente se proteger no conforto dos altos juros bancários, ou a Fiesp faz jogo de cena e, de um lado, lança a campanha Não vamos pagar o pato contra o aumento de impostos e, de outro, suas indústrias demitem às centenas, evidenciam a lógica do momento: cada um por si e Deus por todos.
Quando a imprensa foca apenas nos episódios diários, alimenta a fogueira das vaidades da política e o jogo dualista de oposição versus situação, concentra-se em problemas e não em soluções, sem conseguir se distanciar e ter uma visão de época, sistêmica, também contribui para a deterioração da consciência da sociedade e, portanto, para o agravamento da crise.
Para completar, quando nós, sociedade civil organizada ou não, reduzimos o problema à permanência da Dilma e do PT no poder, nos auto-enganamos e não tiramos proveito dessa crise para trazer soluções transformadoras para a realidade brasileira. De um lado, buscamos o alívio imediato da dor, de outro, nos confortamos com a transferência da culpa para o outro.
De novo, procurando sair do episódico para o épico, vivemos no Brasil e em outros países os sinais de esgotamento de uma fase do capitalismo. Inegavelmente, o mais eficiente sistema de geração de riqueza da história da humanidade, como define o professor Raj Sisodia, coautor do conceito Capitalismo Consciente, mas que gerou distorções que vão desde a crescente concentração de riqueza até o distanciamento da atividade empresarial das demandas da sociedade.
Esse individualismo tornou-se o modelo mental de uma era, cujos efeitos estão todos bem representados na atual crise brasileira. Vivemos um tempo de transição, no qual as novas gerações não querem reproduzir essa realidade e impõem transformações. No entanto, a maioria dos que estão no poder hoje é cria do próprio modelo mental que precisa ser mudado.
É por isso que precisamos parar de cavar e de procurar o fundo do poço. Esse momento histórico pede a participação de todos na retomada da política, da vida pública, da cidadania, da definição do propósito das empresas, do modelo de desenvolvimento que queremos para o país, para as cidades. Enfim, no redesenho das estruturas e dos valores que poderão nortear nossa sociedade pelos próximos, digamos, 50 anos.