Quando a primeira fase da crise mundial estourou, no fim de 2008, as teses do economista britânico John Mainard Keynes foram ressuscitadas, em sua versão mais simplista do intervencionismo estatal, e governantes e economistas de todo o mundo concordaram que era preciso agir para evitar o pior. Lembraram que foi a resposta contracionista à crise de 1929 que levou à depressão dos anos 1930. E que desta vez era preciso fazer diferente. Mitigar, e não aprofundar a crise criada pelos mercados. No início de 2009, já era consenso que a ação dos governos deveria ser contracíclica: atuar no sentido contrário ao movimento natural da economia. Naquele momento, como agora, isso significava usar o dinheiro público para estimular a atividade econômica. 

 

72.jpg

 

E, de fato, foi feito. Países ricos e pobres deram-se mutuamente uma permissão para gastar. No Brasil, a personificação dessa política foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizendo aos brasileiros, no Natal de 2008, que consumir significava manter seus empregos no ano seguinte. Para o Brasil, as consequências foram mais positivas do que negativas: a dívida pública e o déficit nominal aumentaram um pouco, mas foram compensados por uma recessão curta e suave, em comparação com o resto do mundo. Na Europa e nos Estados Unidos, os governos gastaram, mas não conseguiram estimular as economias. O desemprego disparou. A ação dos governos na primeira fase da crise não foi suficiente. É preciso mais. 

 

O que surpreende agora é a resistência a manter os estímulos. E a fazê-los de modo que não apenas socorram os bancos, mas estimulem a economia real – a produção, o consumo, a criação de empregos e, em decorrência disso, o bem-estar da população. Responsabilidade fiscal pode ser uma virtude, mas excesso de virtude nem sempre produz coisas boas. A insistência da Alemanha em pregar austeridade para países que já estão no limite da sobrevivência não encontra explicação racional. A América Latina dos anos 1980 e 1990 sabe bem as consequências dessa política de arrocho: foi seguindo essa receita, prescrita pelos especialistas do Fundo Monetário Interna­cional, que a região teve duas décadas perdidas.

 

A Alemanha, que prega austeridade a países que precisam de estímulo econômico, é justamente o país que mais se beneficiou da criação da Zona do Euro. Com exceção do diminuto Luxemburgo, foi o único país da União Europeia que teve queda de desemprego depois da crise, de 7,5%, em 2008, para 5,9%, no ano passado. O país que já era competitivo no chão de fábrica, com inovadoras indústrias exportadoras, ganhou mais vantagens com a introdução do euro, menos valorizada do que o marco – bem ao contrário das nações menores, que tiveram aumento de custos e perderam competitividade com a conversão. A reunião do G-20, na semana passada, deixou claro que o impasse sobre estimular ou acertar as contas deve continuar. 

 

Enquanto isso, a crise se arrasta, e os países vão se fragilizando, um após o outro. No México, a presidenta Dilma Rousseff mostrou inconformismo e ao mesmo tempo a certeza de que o futuro sempre cobra sua fatura. Ao citar Sobrenatural de Almeida, personagem das crônicas de futebol de Nelson Rodrigues, que aparecia para infernizar a vida do seu Fluminense, disse que a Europa teria que enfrentar, uma hora ou outra, o Inexorável da Silveira. “As coisas não são do jeito que escolhemos”, disse Dilma. Um lamento que, cedo ou tarde, se tornará uma constatação também para a chanceler Angela Merkel.