Eram 10h15 da terça-feira 4, quando o professor Carlos Lessa, presidente do BNDES, desembarcou em Brasília. Cabisbaixo, com a barba por fazer, revelou-se abatido: ?Ninguém quer um professor como banqueiro?, desabafou à DINHEIRO, assim que pisou na cidade. ?Me acusam de acadêmico, como se isso fosse defeito.? Lessa assumiu o banco prometendo protagonizar uma virada desenvolvimentista, mas em duas semanas tornou-se a autoridade mais polêmica da República. Trombou com ministros, escandalizou economistas, encontrou resistências na própria instituição. Isso porque ele pensa o que quer e fala o que muitos não querem ouvir. Uma das teses que vem professando é a de transformar o BNDES num hospital de empresas em dificuldades, como a Varig. ?Já expliquei várias vezes o que vem a ser um hospital de empresas e as pessoas teimam em deturpar minhas idéias?, queixou-se. ?Só não sei se deturpam por sensacionalismo ou má-fé.? O professor também prega a tese de o governo assumir empresas inadimplentes, como a Eletropaulo, para que depois sejam ?reprivatizadas?, segundo seu neologismo. ?Incomodo muita gente?, queixa-se.

Foi por isso que Lessa esteve em Brasília na semana passada. Levou na mala um dossiê sobre a contabilidade do BNDES e muita disposição para tecer uma rede de apoio político. Em dois dias, circulou pelo Congresso e visitou sete ministros. Primeiro pediu a bênção do presidente do Senado, José Sarney. Depois abriu o coração para o senador Aloízio Mercadante, líder do governo no Congresso. ?Vamos ter que ajudá-lo?, explicou Mercadante à DINHEIRO. No Palácio do Planalto, Lessa reclamou com o ministro José Dirceu, chefe do Gabinete Civil, que o programa de privatização do governo Fernando Henrique comprometeu o patrimônio do BNDES. Alertou Guido Mantega, do Planejamento, e disse que o banco enfrenta uma perigosa equação contábil, com patrimônio líquido de R$ 12,5 bilhões, para R$ 140 bilhões em ativos pulverizados no mercado. Alarmou Dilma Rousseff, das Minas e Energia, sobre a iminência de um caos energético em São Paulo. Encontrou-se duas vezes com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, seu superior hierárquico, para discutir o caso Varig e afinar o discurso. Expôs suas idéias para os ministros do Turismo, Walfrido Mares Guia, e das Cidades, Olívio Dutra.

Por fim, no momento
mais delicado, Carlos
Lessa subiu ao gabinete
de Antônio Palocci, da Fazenda. O professor reclamou que o antigo governo obrigou o banco a transferir para o Tesouro 100% do lucro gerado com as privatizações, cerca de US$ 5 bilhões. ?Estamos descapitalizados?, disse. Conseguiu do ministro a promessa de que, em breve, deve autorizar a redução desse repasse a apenas 25% dos lucros. Nessa peregrinação ao poder, o professor Lessa fugiu ao máximo da imprensa. Manteve segredo da agenda até mesmo para seus assessores diretos. Dias atrás, enrolado na própria língua, foi proibido de falar em público, por ordem expressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, transmitida pelo ministro Dirceu. No telefone sem fio brasiliense, assegura-se que, neste diálogo, Dirceu praticamente acenou com a demissão de Lessa se não houvesse um recuo em entrevistas polêmicas. ?Nosso professor está prestando um grande serviço à nação quando lança novos conceitos econômicos?, defende Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria. ?O governo não deve interditar o debate.?

Das idéias de Lessa, a que mais tem incomodado em Brasília é a solução apresentada para a inadimplência da AES, empresa americana que tomou US$ 2 bilhões para comprar a Eletropaulo e já avisou que não tem como pagar. Lessa foi a Brasília denunciar que o governo anterior concedeu o empréstimo sem exigir nenhum patrimônio da AES como garantia. A operação está toda lastreada pelas próprias ações da Eletropaulo. ?O banco foi usado para privatizar o lucro e socializar o prejuízo?, queixa-se Lessa. A primeira saída que veio à mente do professor foi tomar a Eletropaulo de volta, saneá-la e depois devolvê-la à iniciativa privada, como o banco já fez com a Caraíba Metais nos anos 70 . A ministra Dilma Rousseff insiste em apostar nessa idéia. Avessos a qualquer proposta que lembre o termo ?estatização?, Dirceu e Palocci, contudo, são definitivamente contra. Quando a idéia foi lançada, dias atrás, Palocci chegou a desautorizar Lessa publicamente. ?Esse discurso de ajudar empresas privadas é um retrocesso no BNDES?, critica Istvan Kasznar, professor da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas. ?O professor Lessa precisa tomar muito cuidado para não contaminar o banco com a indústria das falências e concordatas.?

Convidado para presidir o BNDES por Lula em pessoa, Lessa chegou ao governo com o prestígio em alta e conseguiu nomear toda a diretoria, sem aceitar uma única indicação do chefe Furlan. Hoje, a relação entre eles é cordial, mas Furlan já nem procura saber o que Lessa faz ou pretende fazer. ?O diálogo simplesmente não existe?, revela um interlocutor de Furlan. Dentro do banco, Lessa tem enfrentado oposição dos funcionários por conta da reforma administrativa que tenta implementar. Seu primeiro ato foi reduzir ao mínimo os cargos de confiança. Havia 26 superintendentes ? agora são 13. Havia 80 chefes de departamento ? os cargos também estão sendo cortados pela metade. Reclama-se, principalmente, do clima de truculência. Alguns dos antigos superintendentes, como Carlos Gastaldoni, de Setores Produtivos, e Estella Penna, de Mercado de Capitais, ficaram sabendo de suas exonerações pela lista publicada na intranet do banco. ?Estamos desmontando feudos criados no governo anterior?, orgulha-se o vice-presidente Darc Costa, homem de confiança de Lessa. ?Atingimos microinteresses que pouco têm a ver com o interesse maior do País.?

Os hábitos do professor têm provocado ironia na área econômica. Chama a atenção o fato dele não usar telefone celular. Nem de gostar de computadores. Também começam a circular folclores
sobre sua gestão. A história mais divertida rege que Lessa teria exonerado o diretor de Tecnologia do banco e, em seguida,
pedido uma antiquada máquina datilográfica para sua sala. Na verdade, não existe cargo equivalente e Lessa sequer sabe datilografar. Seis meses atrás, ele havia assumido a Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro com a luz cortada por falta de pagamento, na pior crise de sua história. Mas com seu jeitão de Professor Pardal, em poucas semanas levantou de tal forma a auto-estima da comunidade que os estudantes, de velas na mão, começaram a cantar o Hino Nacional no início das aulas. Sua esperança agora é fazer o mesmo no BNDES.