14/02/2014 - 21:00
Os medicamentos genéricos completaram 15 anos de existência no Brasil, na segunda-feira 10. Foi nessa data, em 1999, que a lei dos genéricos foi sancionada, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde então, a nova categoria se tornou o motor do crescimento do segmento farmacêutico. Em 2001, a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos) contabilizou a venda de 1,25 bilhão de unidades no Brasil, com um faturamento de US$ 4,9 bilhões. Esses valores mais do que dobraram desde então. Em 2013, o número de doses atingiu 2,9 bilhões, o que representou US$ 26,7 bilhões em receita. Atualmente, os genéricos possuem 27,3% de participação de mercado, mas o setor teme retrocessos, em especial as mudanças bruscas nos marcos regulatórios. Uma das ameaças identificadas é a proposta, feita pelo ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, de criação de um teto de preço para os medicamentos similares, com desconto mínimo de 35% em relação ao medicamento de marca. É exatamente a mesma porcentagem definida em lei para os genéricos. “Quanto menos se interfere no mercado, é melhor”, diz Telma Salles, presidente da Pró Genéricos.
DINHEIRO – O que é necessário para a produção de genéricos continuar evoluindo?
TELMA SALLES – Além de uma conjuntura econômica positiva, precisamos sempre de previsibilidade das regras. É necessário que as mudanças no marco regulatório sejam cuidadosas, de forma que não desestabilizem um mercado que ainda é adolescente, com 15 anos de idade. A indústria faz a leitura do mercado e, ao perceber que ele é crescente, faz as suas apostas. Mas é preciso de previsibilidade, para que o empresário saiba onde está pisando. O investimento não é pequeno. Até o fim deste ano, o setor de genéricos terá completado US$ 1,5 bilhão de investimentos. Esse valor contabiliza o desenvolvimento de produtos a partir de patentes vencidas, os testes de bioequivalência e a adequação e ampliação de fábricas. A EMS tem em curso um projeto de R$ 500 milhões em uma fábrica nova, em Manaus.
DINHEIRO – A principal preocupação é a proposta do Ministério da Saúde de se criar um teto de preços para os similares, concorrentes dos genéricos. Há o risco de que essas duas categorias se liquidem numa disputa pela mesma faixa de custos?
TELMA – Mexer na composição de preços é sempre complicado. O mercado tem se ajustado muito bem, sem interferências. Cada vez que um genérico é registrado, por lei, ele precisa ter 35% de desconto em relação ao remédio de referência. Por sua vez, o similar tem de se colocar no mercado de acordo com todo o conjunto de medicamentos já disponível. O varejo e a demanda já dão esse tom. O mercado é maduro o suficiente para se adaptar. Os marcos regulatórios precisam se preocupar com a segurança e com a qualidade dos produtos. Mas quanto às questões mercadológicas é preciso entender que o mercado se ajusta. A gente não pode dormir com uma regulamentação e acordar com outra. O intervencionismo coloca em risco tudo o que foi conquistado.
DINHEIRO – O mercado consegue se autorregular?
TELMA – O genérico funciona como um regulador de preços. Ele é quem faz o custo do remédio de referência baixar. Depois, quando o segundo genérico é lançado, o primeiro é obrigado a baixar os preços. Às vezes, até o remédio de referência acaba ficando mais barato. A concorrência é muito séria. Qualquer mudança coloca em risco tudo o que foi construído até agora.
DINHEIRO – E o que foi construído em 15 anos?
TELMA – O Brasil deu um salto quantitativo e qualitativo na indústria farmacêutica. Tanto com as empresas que apostaram em vir para cá quanto as que já estavam instaladas e que entenderam que a indústria de genéricos seria interessante. Quem puxa o crescimento do mercado farmacêutico é o genérico. Quando ele surgiu, apenas oito empresas se interessaram. Hoje já são 102. E 90% dos genéricos são fabricados no País. Isso se reflete na saúde das pessoas.
DINHEIRO – De que forma?
TELMA – A gente dizia, no passado, que, de cada três receitas médicas, as pessoas só podiam comprar um remédio. Digo isso com propriedade, porque o meu pai tinha uma farmácia e eu via como era difícil para ele convencer o cliente a levar o remédio certo para a doença que precisava tratar. O paciente só podia comprar o medicamento para aliviar o mal -estar que estava sentindo, mas não tinha capacidade financeira de adquirir aquele que iria resolver a sua situação. Foi o genérico que permitiu mudar isso.
Medicamentos vendidos em farmácia de São Paulo
DINHEIRO – Quanto, de fato, é dado em descontos?
TELMA – As pesquisas mostram que os genéricos são, em média, 60% mais baratos, e chegam até a 80%.
DINHEIRO – Como as empresas conseguem praticar esses preços?
TELMA – A concorrência traz isso. Faz com que, para disputar esse mercado, as empresas precisem se adequar e negociar com o varejo. O paciente, se vai a uma farmácia e não encontra o que precisa, com o preço adequado, vai para outra.
DINHEIRO – Mas essa concorrência forte chegou a causar problemas ao setor. Será possível ao mercado se reajustar?
TELMA – As empresas têm revisto as suas margens e as suas formas de desconto. A competência que elas têm faz com que percebam os excessos e ajustem o mercado. O ajuste acontece tanto no varejo quanto na indústria. Há dois anos, o preço médio do genérico ultrapassava os 70% de descontos. Agora, a média chegou a 60%. É claro que quem está entrando no mercado vai oferecer mais descontos. Mas depois vai tirando o pé do acelerador, até chegar a um nível que não cause a perda de investimentos. É legitimo e necessário remunerar adequadamente quem investe, até para permitir novos investimentos.
DINHEIRO – O crescimento das vendas de genéricos também está se desacelerando.
TELMA – É um sinal de maturidade. As vendas de genéricos cresciam muito acima da indústria, e agora esses índices estão se aproximando. Mas ainda existem oportunidades. Hoje, 68% das pessoas têm o hábito de comprar genérico. Há mais gente a conquistar. Há uma concentração muito grande de vendas no Sudeste. É importante que o acesso aos medicamentos chegue ao Brasil inteiro.
DINHEIRO – Na quarta-feira 12, a Pró Genéricos entregou ao Ministério uma demanda de desoneração tributária?
TELMA – Sim. Ela é imprescindível. Um terço do preço é imposto. Se tirarmos 30% do valor, imagine a economia que será possível obter em um medicamento mais caro. Existem produtos supérfluos, como diamantes e obras de arte, que não têm quase nada de impostos. O essencial não pode ter tanto imposto.
DINHEIRO – E quais são as demandas do setor à Anvisa?
TELMA – Queremos celeridade, de forma que a Anvisa tenha processos bem definidos e mais ágeis nas liberações dos remédios. Ela está tentando se livrar das filas de aprovações, abriu a contratação de centenas de pessoas no ano passado, mas ainda precisa treiná-las. O setor necessita de competitividade, e, para conseguir isso, precisa levar os seus produtos ao mercado no tempo adequado.
Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde
DINHEIRO – Quanto os genéricos cobrem das fórmulas de referência no mercado?
TELMA – Do total da prescrição, 90% já existe em versão genérica. Dentre os 20 produtos mais receitados, 15 já têm genéricos. A lei do genérico nasceu exatamente numa época em que o parque industrial começava a crescer. Com o genérico, ele pôde se desenvolver rapidamente.
DINHEIRO – Quais são os próximos passos para as empresas que se beneficiaram da explosão dos genéricos?
TELMA – As 14 associadas da Pró Genéricos respondem por 90% do mercado, sendo que a EMS e a Medley respondem por 68% do total. Essas empresas ganharam musculatura para alçar outros voos. Afinal, elas desenvolveram conhecimento e tecnologias, e agora podem avançar em novas frentes. Elas podem até começar a investir em remédios inovadores. Primeiramente, com inovação incremental, que são as melhorias de produtos, como as descobertas de segundo uso para os medicamentos e o aperfeiçoamento de suas capacidades de serem absorvidos dentro do organismo. Agora, o Brasil começa a partir para a inovação radical, que é a descoberta de novas moléculas. E esses saltos só são possíveis por serem financiados pelo volume de vendas dado pelos genéricos.
DINHEIRO – E quanto a população já ganhou com esses avanços?
TELMA – Temos um estudo que indica que o brasileiro economizou R$ 43,5 bilhões desde o surgimento do genérico. O orçamento da saúde no Brasil é de R$ 80 bilhões. Com os genéricos, meio ano de orçamento do Ministério da Saúde foi economizado.
DINHEIRO – A política de cessão gratuita de remédios à população por parte do governos brasileiros pesa no orçamento do Ministério da Saúde. Como melhorar essa conta?
TELMA – Quase 80% do programa Farmácia Popular é de genérico. O governo compra pelo menor preço e então os genéricos acabam ocupando parte grande do portfólio. Mas os custos principais são com os medicamentos biológicos, para os quais não existem genéricos. Eles têm demanda crescente e são de altíssimo custo, por tratarem doenças complexas como o câncer. No entanto, se está desenvolvendo uma nova indústria para fazer biossimilares, por meio de duas empresas, a Bionovis e a Orygen. Ambas foram formadas por investimentos de companhias de genéricos e de similares.
DINHEIRO – O Brasil pode perder o bonde?
TELMA – Não. Já perdemos alguns importantes. Em química fina, compramos agora tudo de fora. Não pode acontecer o mesmo em biotecnologia. Não somos mais um país isolado. Um país com o nosso tamanho não pode ser refém de tecnologia, de matéria-primas e nem de produtos finais.