23/03/2001 - 7:00
O ministro Malan é impecável na economia. A política é que atrapalha
“O México de Fox tem 150 técnicos em Washington. O Brasil nem sabe se quer a Alca”
DINHEIRO ? A crise argentina vai prejudicar o Brasil?
PAULO LEME ? A Argentina e o impacto de sua crise no Brasil são os dois temas que mais preocupam o investidor hoje. Na última reunião do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em Santiago, só se falou de uma coisa: Argentina. Mas para usar uma analogia atual, vale dizer que a situação da Argentina é bem melhor do que a da plataforma da Petrobras. Existe, sim, uma crise muito delicada tanto econômica quanto política, mas o programa do FMI não vai deixar o país afundar. Será muito difícil, este ano, a Argentina ter problemas com o serviço de sua dívida externa. No curtíssimo prazo, essa indefinição da crise argentina e o contexto internacional turbulento vão continuar impactando de forma desfavorável o mercado de câmbio no Brasil.
DINHEIRO ? A taxa de câmbio no Brasil pode fugir do controle do Banco Central?
LEME ? O horizonte das próximas quatro semanas é de muita volatilidade e um dólar poderá ser cotado até a R$ 2,15, mas daí por diante, em dois ou três meses, o cenário mais provável é de retorno da valorização do real. Os choques externos, caso se resolva a situação na Argentina, tendem a diminuir e o dólar deve estacionar num patamar de R$ 2,02 a R$ 2,08. Se tudo sair errado lá, o câmbio, aqui, pode ir a R$ 2,20. Aí, sim, haverá motivos para preocupação, com a volta da inflação e o aumento dos juros.
DINHEIRO ? A Argentina tem saída?
LEME ? Sim, e o diagnóstico técnico é muito simples. É preciso ter solvência fiscal para se retomar o crescimento. Foi uma pena Lopez Murphy não ter conseguido êxito político, porque seu receituário era baseado em redução de despesas, cortes de impostos e ajuste estrutural fiscal, com reformas do Estado e tributária. Conseguir uma coalizão política me parece muito mais difícil do que resolver a equação econômica.
DINHEIRO ? Domingo Cavallo pode resolver o problema?
LEME ? Se outra vez ocorrer um fracasso político e ele não conseguir poderes especiais, de emergência, a Argentina vai desembocar numa crise extremamente complicada. O problema com Cavallo é que esse processo de deterioração fiscal do país começou justamente na sua primeira gestão, quando ele era ministro do Menem. Tendo isso fresco na minha memória, me preocupa o fato de, num quadro de insolvência fiscal, ele ser o homem encarregado de cortar, mas reconheço que ele é muito criativo e inovador. Para o meu gosto, tem um tempero heterodoxo um pouco apimentado demais. Com um bom plano, em dois ou três anos o país poderá estar em ótima situação.
DINHEIRO ? O sr. não coloca o fim da conversibilidade nesse cardápio de soluções?
LEME ? Eu não gosto do regime de conversibilidade, mas a saída desse regime de uma hora para outra é complicada. Se ocorrer desvalorização, haverá uma perda patrimonial gigantesca. Como eles vivem num sistema bimonetário, a demanda por peso será destruída, e haverá inflação. Acho, por isso, que a única saída é a fiscal, de ajuste profundo. No futuro distante, com a confiança restabelecida e capitais de volta, flutuar o câmbio seria apreciável. Hoje, romper a conversibilidade é impensável sem que haja uma catástrofe patrimonial.
DINHEIRO ? Se tudo der errado, o que pode acontecer com o Brasil?
LEME ? As conseqüências serão graves. O fluxo de capitais será reduzido, os spreeds da dívida externa irão aumentar, a taxa de câmbio ficará mais desvalorizada e o real, debilitado. Isso pode afetar o crescimento do PIB, que ficaria entre 3,5% e 4%. Quanto pior a situação na Argentina, menor vai ser a entrada de capitais aqui. E esse é o tendão de Aquiles do Brasil, que precisa de US$ 52 bilhões a US$ 55 bilhões este ano em matéria de financiamento externo bruto. É por meio da conta de capitais que a Argentina pode afetar mais o Brasil.
DINHEIRO ? Como se consegue esse dinheiro?
LEME ? Em tese, US$ 25 bilhões podem vir de ingresso direto na economia. Mas essa cifra, para o momento, parece ser alta. O dinheiro faltante viria do financiamento da dívida, seja pela emissão de títulos do governo, da ordem de US$ 5 bilhões a US$ 7,5 bilhões, ou seja, pelo financiamento de importações e outras linhas de crédito, que completariam entre US$ 20 bilhões e US$ 21 bilhões.
DINHEIRO ? O Brasil tem feito lição de casa para arrumar esse dinheiro?
LEME ? O ministro Pedro Malan tem sido impecável na condução da economia. O que não tem cooperado é o ambiente político de Brasília. Essa discussão precoce das eleições do ano que vem e a batalha pelas presidências da Câmara e do Senado paralisaram o processo de reformas e, pior, deram um sinal negativo para o investidor estrangeiro, num momento de forte concorrência pelo capital externo. A percepção de risco do País sofreu. O investidor está assustado e pensando: se esse é o aperitivo das eleições, imagina o que vai ser no ano que vem!
DINHEIRO ? Vistos de Wall Street, quais países têm se comportado bem?
LEME ? Entre os emergentes, o México. Ele tem suas peculiaridades por causa do Nafta, mas tem feito avanços em suas reformas. O México também sofre com a crise argentina, mas o que está acontecendo com sua conta de capitais? Em lugar de o superávit ter diminuído, como acontece no Brasil, lá está aumentando. Eles chegam ao ponto, hoje, de ter um problema cambial, com mais reservas do que podem digerir. O investimento estrangeiro no primeiro bimestre foi maior do que no ano passado e o peso está estável.
DINHEIRO ? O presidente Vicente Fox disse a DINHEIRO que ?todos invejam o México?. Ele está certo?
LEME ? Sim, concordo. Não podemos mudar a placa continental do Brasil e nos localizarmos em Miami, mas acho muito fácil tomar um avião, ir até Washington e começar a repensar toda a nossa política de integração comercial com os Estados Unidos.
DINHEIRO ? Significa desembarcar para aderir à Alca?
LEME ? Sim. A esta altura já deveríamos ter equipes de trabalho estudando quais são as condições comerciais que poderiam levar a um acordo satisfatório. Para operar o Nafta, o México mantém em Washington uma equipe de 150 a 180 pessoas trabalhando full time, entre técnicos, economistas e lobistas. Quanto a nós, nem mesmo conseguimos dizer se queremos aderir ou não. O Brasil coloca obstáculos que, sim, são importantes, mas que parecem de mais difícil superação do que deveriam ser. O custo dessa indefinição do Brasil é grave. O México, antes da integração ao Nafta, entre 1992 e 1993, tinha um PIB igual ao da Argentina e metade do Brasil. Hoje, o PIB do México é igual ao do Brasil e o dobro da Argentina. As exportações quadruplicaram e o investimento estrangeiro se acelera. Sem um aumento das exportações à la México, o coeficiente de vulnerabilidade externa do Brasil sempre será muito forte.
DINHEIRO ? Mas o governo parece olhar mais para a Europa. Isso compensa o afastamento em relação aos EUA?
LEME ? Na minha opinião, não. A economia americana é maior, muito mais dinâmica e mais próxima que a economia européia. A interseção de conflitos com a Europa me parece ser ainda maior. Olhe a pauta agrícola, por exemplo. Os europeus são muito mais rígidos e irredutíveis em suas posições de negociação.
DINHEIRO ? O mundo caminha para uma recessão?
LEME ? Há uma desaceleração no ritmo de crescimento, isso sim. Projetamos uma queda de crescimento de 4,5% para 3,0%. Nos Estados Unidos, uma queda de 4,7% para 1,5% e dois trimestres com pouco crescimento ou zero. Isso é uma forte desaceleração, mas não se caracteriza como recessão.
DINHEIRO ? Wall Street queria um secretário de Tesouro saído de suas vizinhanças, mas o presidente Bush preferiu Paul O?Neal, ligado à indústria. Ele errou?
LEME ? A reação inicial do mercado não é de entusiasmo. Até porque a equipe do Tesouro ainda não foi completada. Os subsecretários não foram escolhidos ainda. Wall Street se pergunta, sem encontrar respostas, sobre qual é a política para o dólar, qual vai ser a atitude do Tesouro americano em relação ao Fundo Monetário Internacional, qual vai ser a posição se houver um default num país emergente. Isso tudo gera incerteza, e isso custa.
DINHEIRO ? O governo americano está contribuindo para um clima adverso lá mesmo, é isso?
LEME ? Ajudar a melhorar, não ajuda. Se já tivesse sido feita a nomeação de uma equipe e o plano, delineado, isso seria uma fonte a menos de inquietação.
DINHEIRO ? O que se passa no Japão?
LEME ? A cadeia de crédito é a coisa mais importante do sistema financeiro internacional. O que está havendo é um tensionamento dessa corrente, com um elo, que é o Japão, muito fragilizado. O risco de uma crise numa instituição financeira do Japão contaminar outras é preocupante. Se ocorrer, pode deflagrar um processo creditício que, aí, sim, pode levar à recessão mundial. As pessoas então saberão o que é realmente um problema grave.
DINHEIRO ? Se o sr. tivesse dinheiro no Japão, tiraria?
LEME ? O Japão não é certamente meu setor de preferência.
DINHEIRO ? Onde é seguro aplicar US$ 1 bilhão?
LEME ? Hoje em dia, em papéis do Tesouro americano. Basta ver as taxas. Os papéis estão cada dia mais caros.
DINHEIRO ? O sr. torce por crises?
LEME ? Um certo grau de volatilidade é, de fato, interessante. Bancos de investimentos sabem operar esse tipo de questão, mas não há dúvida que a prosperidade para a indústria financeira vem de crescimento econômico. A recessão não interessa.