09/01/2008 - 8:00
DINHEIRO ? Em 2007, as ofertas iniciais de ações criaram 18 novos bilionários no Brasil. O capitalismo no País entrou em uma nova fase ou passamos por uma bolha no mercado de capitais?
MARIA HELENA SANTANA ? O Brasil entrou numa nova fase de capitalismo de mercado. Com 200 anos de atraso, os empreendedores passaram a olhar para o mercado de capitais sem medo de encarar sócios que não conhecem. Os empresários agora vêem mais as oportunidades em termos de recursos disponíveis, de flexibilidade, de condições de Entrevista / Maria Helena Santana ?É difícil para as pessoas competir e se perenizar. Percebem o benefício do contato com gente que conhece outras concorrentes do mesmo setor e traz informações e questionamentos que muitas vezes contribuem com a própria gestão da empresa, com seu direcionamento estratégico. É uma virada cujos frutos ainda não começamos a ver.
DINHEIRO ? Quais frutos?
MARIA HELENA ? Os empresários ainda não colocam as empresas num patamar acima de sua propriedade. Muito mais importante do que ser o dono é ser sócio de uma companhia cujo crescimento não está limitado ao dinheiro do proprietário. E deixar que a companhia cresça e emita ações mesmo que isso dilua sua posição de controle.
Compartilhar este controle com investidores, deixar que seja exercido por quem tiver mais competência.
DINHEIRO ? O empresário precisa assimilar mais o conceito de companhia pública?
MARIA HELENA ? Sim. E ver os benefícios disso. Ninguém é obrigado a seguir este caminho. A Cargill até hoje é uma companhia fechada, mas é a exceção que confirma a regra. As principais empresas do mundo são corporações e nem sabemos quem são os donos. O desafio é ter mecanismos de gestão e governança que contribuam para a organização se fortalecer.
DINHEIRO ? O que um investidor entusiasmado com o mercado de ações deve analisar antes de investir num IPO?
MARIA HELENA ? O setor da empresa e sua competitividade, sua capacidade de crescer. Tem de analisar como o setor se comporta em relação ao ciclo econômico. E imaginar que tipo de clo o País vai viver. Parece muito complicado ? e é. Tem que observar como era a companhia nos tempos de capital fechado. E se perguntar se é um grupo do qual gostaria de ser sócio. Isso exige uma relação de confiança com quem toca a gestão e senta em cima do caixa. É uma coisa difícil para uma pessoa física fazer numa abertura de capital. Por isso, não sei se a maioria das pessoas vai estar apta a fazer um investimento consciente num IPO. Já sabemos que num IPO o investidor pode ganhar ou perder no dia seguinte e este nem sempre é um risco que se deve correr.
DINHEIRO ? A maior parte das ações lançadas nos últimos anos rendeu menos que o Ibovespa ou tem preço inferior ao do IPO. Houve excesso de euforia?
MARIA HELENA ? A maioria das operações teve o preço formado por grandes investidores institucionais. Eles não são mal informados, nem pouco preparados. Os preços é que foram determinados numa conjuntura que mudou. O estouro da bolha do mercado de crédito imobiliário (nos EUA) destruiu riqueza e teve um impacto sobre a percepção geral do valor das coisas, inclusive aqui.
DINHEIRO ? Para quem está otimista, é o momento de comprar papéis que se desvalorizaram?
MARIA HELENA ? Pode ser que até caiam mais, não dá para saber. Ninguém deve ser otimista.
DINHEIRO ? Por quê?
MARIA HELENA ? É melhor olhar as condições do mercado sem viés e tirar as conclusões. A pessoa física não deve investir pensando no timing do mercado. Saber o melhor momento para comprar ou vender é uma ciência das mais difíceis. E todo mundo tem a tendência de vender quando a bolsa está caindo, quando justamente deveria segurar. Esse tipo de tique a gente deve deixar para os especuladores, para os profissionais mais aparelhados e mais capacitados para arcar com eventuais prejuízos. A pessoa física deve pensar em papéis que vai conservar por um prazo mais longo, em busca do crescimento ou dividendo, e não ficar acompanhando a variação do dia-a-dia. Ou então investir por meio de um fundo ou um clube de investimentos. Nos clubes, pode discutir a visão de mercado com os participantes e ir treinando para fazer um investimento mais consciente
DINHEIRO ? Como vê o cenário em 2008? Com o risco de a crise do crédito nos EUA se aprofundar, o investidor tem que ter mais cautela ou o Brasil está imune?
MARIA HELENA ? O investidor precisa ter cautela sempre. Quando o mercado está muito aquecido, muitas vezes está no ponto máximo de valorização. A partir daí, só vai cair. Isso não quer dizer que não haja fundamentos bons, mas sim que está caro e não é hora de comprar. Cautela é uma coisa boa em qualquer circunstância, especialmente nas de muito otimismo. Num mercado em baixa, pode até ser melhor para quem pensa em investir. Para 2008, é difícil saber se acabaram de aparecer os prejuízos das instituições financeiras (nos EUA). A cada mês, a estimativa cresce. Falava-se em US$ 350 bilhões de prejuízos, mas pode ser mais. Isso pode ter repercussão aqui, na medida em que diminua a liquidez internacional e aumente a aversão ao risco por parte dos investidores institucionais estrangeiros. Mas não creio que isso vá fechar o nosso mercado de capitais. Temos atratividade como economia, como cenário para o futuro. Talvez não para ser uma vedete como fomos em 2007, mas para continuarmos num nível de atividade melhor do que a histórica.
DINHEIRO ? Em 2007, 76% dos IPOs foram colocados para investidores estrangeiros. Houve restrições à entrada de pessoas físicas. Isso é correto?
MARIA HELENA ? Não temos de ter opinião sobre as escolhas das empresas. É prerrogativa natural do ofertante diversificar sua base de acionistas e ter um grande número de investidores para ter uma boa formação de preço das ações no mercado secundário.
DINHEIRO ? Isso não tem a ver com o fato de os bancos suíços dominarem as ofertas públicas de ações?
MARIA HELENA ? Certamente. Era assim na década de 90. É natural que os bancos estrangeiros tenham fidelidade com seus clientes lá fora. Do lado das empresas, a participação dos estrangeiros nos IPOs é muito positiva. Se as colocações tivessem sido locais, a formação de preço seria muito conservadora e haveria um desconto enorme em razão da insegurança. Os estrangeiros têm base de comparação lá fora e deram um preço melhor e mais justo para as empresas que chegaram ao mercado. Outra vantagem é a diversificação do risco. Não é como em outras épocas, quando socavam tudo nos fundos de pensão. A receptividade dos estrangeiros às nossas empresas permitiu ofertas muito maiores, pois não temos essa poupança internamente. Não é à toa que temos novos bilionários.
DINHEIRO ? Que tipo de proteção a CVM oferece ao investidor em ações?
MARIA HELENA ? A CVM se certifica de que tudo o que é relevante está sendo informado pela empresa e divulgado com tempo suficiente para o investidor analisar uma operação. Acompanhamos as declarações na imprensa para ter certeza de que não esteja sendo dito nada que possa induzir o investidor a um impulso de compra sem o acesso a todas as informações que precisa. A CVM não assegura a qualidade da colocação. Não substitui o investidor, que toma decisões pessoais. Em termos de educação, temos iniciativas em parceria com entidades do mercado. Coordenamos um grupo de trabalho do Conselho de Reguladores do Mercado de Capitais para desenvolver e implementar a estratégia nacional de educação financeira. É uma iniciativa de governo para ampliar o ataque ao problema da falta de informação e até de consciência sobre as vantagens de se planejar a organização do patrimônio e tratar disso desde cedo. Hoje, os fundos de investimentos são o principal veículo da poupança das pessoas. Sua rentabilidade é diretamente determinada pela taxa de administração. Além do risco, da gestão da carteira e dos resultados obtidos, deve-se olhar quanto custa o fundo. No portal do investidor (www.portaldoinvestidor.gov.br), há uma ferramenta específica para comparar fundos. É importantíssimo que o investidor tire proveito disso.
DINHEIRO ? Qual é a intenção da CVM com relação ao trabalho dos jornalistas que cobrem o mercado financeiro?
MARIA HELENA ? Quanto mais quisermos que o mercado se expanda, mais cobertura jornalística vamos precisar ter sobre as empresas e os negócios. Propusemos a revisão da instrução de analista de investimentos, criando um porto seguro para que o jornalista possa exercer a atividade de fazer recomendação de valores mobiliários específicos sem ser registrado na CVM, sendo submetido somente a regras de conduta de auto-regulação. Nosso propósito foi apenas criar condições para essa atividade se desenvolver. Isso ficou em audiência pública e está sob análise da CVM. Não tem nisso nenhuma bravata.