08/11/2013 - 6:30
DINHEIRO ? Na previsão da OCDE, o Brasil deve crescer 2,5% neste ano, o que é um pouco acima da média projetada pelo mercado. Mas os senhores estimam apenas 2,2% para 2014. As coisas vão piorar na economia brasileira?
JENS ARNOLD ? Já sabemos os resultados do primeiro semestre e, no curtíssimo prazo, os sinais são mistos. Mas parece que as coisas caminham mais para o lado positivo. A projeção para o ano que vem considera as dificuldades no ambiente externo.
DINHEIRO ? Quais são os principais fatores para o crescimento menor no próximo ano?
ARNOLD ? Este ano foi ajudado pelo crescimento mais elevado no segundo trimestre. O que é um bom resultado, especialmente porque o investimento já começou a subir e isso será um dos indutores da expansão nos próximos anos. Alcançar 2,2% em 2014 ainda é um bom resultado, maior do que o de muitas economias da OCDE, cujo crescimento médio será de 1,2% ,neste ano, de acordo com as nossas projeções.
DINHEIRO ? A OCDE recomenda que o governo leve a inflação para o centro da meta, de 4,5%. O governo comemora o fato de ela estar abaixo do limite de tolerância, de 6,5%. Isso afeta a credibilidade do Brasil no mercado internacional?
ARNOLD ? Há dois aspectos a serem observados. Um deles é que o sistema de metas de inflação adotado pelo Brasil tem sido bem-sucedido. Conseguiu ancorar as expectativas de inflação e manter o índice dentro do nível de tolerância. Por outro lado, nós consideramos que é importante trazer a inflação para o centro da meta. Isso contribui para manter as expectativas sob controle.
DINHEIRO ? Quando os senhores conversam com integrantes do governo brasileiro sobre esse assunto, qual é a reação?
ARNOLD ? Acho que não há discordância sobre a necessidade de se fazer esse movimento. Pode haver diferenças no prazo em que se pode executar isso.
DINHEIRO ? O relatório da OCDE defende um mandato com prazo fixo para os diretores do Banco Central. Isso é essencial para a independência da instituição?
ARNOLD ? É uma medida útil para que o Brasil avance mais um passo no sistema de metas. Isso tem um efeito positivo nas expectativas para a inflação. Muitos países que adotam metas de inflação contam com bancos centrais independentes. Seria mais um passo numa direção em que o Brasil já está caminhando.
DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação sobre a carga tributária brasileira?
ARNOLD ? Com 37% do PIB, ela é muito elevada, superior à de outras economias emergentes. A tributação sobre as empresas, de 34%, é acima da média da OCDE, de 25%. Também a abertura de empresas no Brasil é muito complicada, como mostra o Doing Business, do Banco Mundial (onde o Brasil está em 116º, de um total de 189 países).
Alexandre Tombini, presidente do Banco Central do Brasil
DINHEIRO ? Qual é o efeito da política de conteúdo nacional para alguns setores da indústria, como no setor de petróleo?
ARNOLD ? Em alguns casos, o conteúdo nacional na indústria deveria ser revisto. Essa proteção reduz a exposição das empresas brasileiras a uma competição mais forte. É muito similar à proteção tarifária. Quanto mais uma empresa é exposta à competição, mais ela vai ter que alcançar ganhos de produtividade.
DINHEIRO ? A OCDE condenou a decisão do governo de não elevar o preço da gasolina para evitar impacto no IPCA. O subsídio é pior do que o aumento da inflação?
ARNOLD ? É difícil dizer. Mas precisamos ver o impacto mais amplo dessa medida, incluindo seus efeitos colaterais ambientais. O Brasil fez um grande esforço para produzir automóveis menos poluentes, com o desenvolvimento do etanol e do carro flex. Mas, infelizmente, o governo está incentivando o uso da gasolina, que é mais barata. O efeito ambiental do etanol seria muito melhor.
DINHEIRO ? O governo brasileiro deveria adotar uma política fiscal contracíclica, com superávits menores em períodos de baixo crescimento?
ARNOLD ? As regras deveriam mudar para que fosse mais fácil implementar políticas anticíclicas. Hoje em dia, a meta de superávit não leva em conta a atividade econômica. Uma maneira de colocar em prática os movimentos anticíclicos é ter uma meta de aumento das despesas, no médio prazo, sem levar em conta o comportamento das receitas. A arrecadação é o item mais afetado pelo ciclo econômico.
DINHEIRO ? A meta de superávit deveria ser oficialmente reduzida?
ARNOLD ? A meta de aumento dos gastos deveria substituir totalmente a meta de superávit primário.
DINHEIRO ? E como o aumento dos gastos seria calculado?
ARNOLD ? É só estabelecer uma trajetória de médio prazo e manter essa direção, independentemente do ciclo econômico. A Holanda, por exemplo, fez isso, com resultados muito bons. Não importa se naquele momento se faz ou não o superávit. O importante é manter os gastos sob controle.
DINHEIRO ? A OCDE defende a reforma na Previdência, com aumento da idade mínima de aposentadoria. O governo já pensou, mas desistiu de fazer essa reforma, ao menos por enquanto. Quais são as consequências desse adiamento?
ARNOLD ? Há muitos desafios orçamentários em relação ao sistema previdenciário brasileiro. Olhando para o futuro, sabemos que o Brasil vai se beneficiar do bônus demográfico representado por uma população jovem por mais uns dez anos, no máximo. Depois disso, o envelhecimento da população brasileira será mais rápido do que o de qualquer país da OCDE. E, com isso, vem um peso para o sistema previdenciário. Daí ser mais fácil lidar com isso agora do que em dez anos.
Linha de produção de carros da Fiat, em Betim (MG)
DINHEIRO ? O que se deve fazer?
ARNOLD ? O que piorou a situação foi o ganho real do salário mínimo, atrelado ao benefício previdenciário. Isso quer dizer que 100% do ganho de produtividade dos trabalhadores atuais está sendo transferido aos aposentados. Na maioria dos países, transfere-se apenas parte dos ganhos de produtividade, não a totalidade. Comparando com outros países, a proporção da renda dos aposentados em relação à dos trabalhadores da ativa é muito elevada no Brasil. E isso acontece especialmente entre as pessoas com renda mais baixa, em decorrência do ganho real do salário mínimo. Um trabalhador que sempre ganhou o mínimo ou até menos, e continua com o salário mínimo quando se aposenta, mantém 100% da renda quando sai da ativa. Nos países da OCDE, essa média é de 70%. Mesmo que as pensões no Brasil não sejam muito generosas, elas são altas quando se compara com o que a pessoa pagou ao sistema previdenciário.
DINHEIRO ? Na questão da produtividade, muitas das recomendações do relatório refletem exatamente o que o governo vem anunciando, como as concessões para projetos de infraestrutura e a proteção do poder aquisitivo do salário mínimo. Nesse sentido, o governo está fazendo a coisa certa?
ARNOLD ? Absolutamente. Nós apoiamos totalmente uma infraestrutura melhor e mais eficiente. E também apoiamos totalmente a entrada do capital privado nesses investimentos. A questão agora é passar do estágio de planejamento desses projetos para a fase de implementação.
DINHEIRO ? Esse processo está lento demais?
ARNOLD ? É difícil dizer. Essas coisas não são fáceis e não podem ser feitas de um dia para o outro. Mas é importante que, num futuro próximo, elas sejam colocadas em prática.
DINHEIRO ? A OCDE critica o papel do BNDES na economia e a política de proteção tarifária e de conteúdo nacional, justamente os pontos mais importantes da política industrial brasileira. Isso foi discutido com o governo brasileiro? Qual foi a recepção?
ARNOLD ? Tudo o que está no relatório foi discutido com o governo brasileiro. Há alguns pontos em que há concordância e outros sobre os quais há discordância. É essa a ideia dessas discussões. Nós tocamos em vários pontos: infraestrutura, reforma tributária, tarifas, conteúdo nacional. São itens importantes para estimular a integração mais rápida da economia brasileira com o resto do mundo. Também falamos sobre os mercados financeiros e achamos que é importante que o Brasil desenvolva um mercado de crédito de longo prazo. Embora o BNDES tenha tido um papel importante no passado, não será capaz de prover todo o volume de recursos que será necessário nos próximos anos. O BNDES deveria se concentrar em algumas áreas-chave, como inovação e financiamento para pequenas e médias empresas. As outras empresas deveriam ser financiadas pelo setor privado.