O lugar onde os sonhos se realizam. Essa é uma promessa poderosa que os parques da Disney fazem há 50 anos. A longevidade e popularidade nos fazem acreditar que a dívida tem sido cumprida, mas qual é o segredo para isso? Além da estrutura, do marketing e da capacidade de tornar real aquilo criado na ficção, a chave está no treinamento de sua equipe. Afinal, ter funcionários capazes de atender aos clientes e transportá-los para o mundo de fantasia em meio a filas não é tarefa simples. E foi justamente por meio de toda a experiência adquirida na gestão dos parques que há 35 anos foi criado o Disney Institute, braço de treinamento de equipe. Com o sucesso interno, a organização começou a vender esses treinamentos baseados no método Disney para empresas e profissionais de diversos setores.

O princípio da metodologia se baseia em três pilares: liderança de excelência, engajamento de funcionários e atendimento ao cliente. A lógica é qu,e ao trabalhar esses fatores de forma conjunta, a recompensa é a satisfação do consumidor e, consequentemente, melhores resultados. “Nós compartilhamos a teoria com as empresas e, em seguida, a trazemos para a operação e mostramos como esses princípios e ideias realmente impulsionam uma cultura de excelência em liderança e atendimento ao cliente”, disse à DINHEIRO Timo Gorner, vice-presidente do Disney Institute.

TREINAMENTO Disney Institute oferece consultoria para diversas empresas. Foco é trabalhar relação com a liderança, funcinoários e atendimento ao cliente. (Crédito:Cortesia do Disney Institute)

A lógica do treinamento parece simples, mas ter essas engrenagens funcionando se torna um desafio, em especial nos cenários de alta produtividade, sobrecarga de trabalho e equipes reduzidas — os ensinamentos, aliás, devem ser aplicados na própria marca mãe, já que na segunda-feira (27) o Grupo Disney anunciou que irá demitir 7 mil de seus 220 mil funcionários, cerca de 3% da força de trabalho. O que reforça, dentro de casa, o fenômeno de grandes demissões presenciado nos Estados Unidos, principalmente nas grandes empresas de tecnologia. Além disso, há outro fenômeno ainda mais relevante e recente: as pessoas que cada vez mais voluntariamente decidem deixar seus empregos. Nos EUA, 50,5 milhões de trabalhadores se demitiram em 2022, de acordo com dados do Bureau de Estatística Trabalhista do país. Já no Brasil, 6,8 milhões de pessoas saíram voluntariamente de seus postos, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Um cenário motivado pela insatisfação com a realidade corporativa. De acordo com Gorner, para lidar com essa questão, o essencial é a adaptação. É importante que empresas e líderes reconheçam que os tempos mudaram e junto dele as motivações dos empregados e a forma de engajamento dos mesmos. A premissa vale também para os clientes.

TRANSFORMAÇÃO Pandemia mudou as relações de trabalho. É essencial ter a capacidade de adaptação para os novos tempos e tendências. (Crédito:Cortesia do Disney Institute)

Toda essa transformação começa no topo, ou seja, nos líderes. Para Gorner, mais do que nunca, é necessário que a liderança seja consciente de suas ações e valores, uma vez que serão refletidos nas equipes. “O que quer que você faça ou não faça, o que quer que diga ou não diga, qualquer valor que você tenha ou não tenha, terá um impacto”, disse. O trabalho é justamente para que a liderança tenha a intencionalidade devida em suas ações e se perceba como espelho para os demais. Dentro do modelo do Disney Institute, a prioridade dos líderes é o engajamento da equipe, que por sua vez passa por mudanças próprias. Aquilo que movia e engajava o funcionário a trabalhar com paixão há quatro anos talvez não se aplique atualmente. E é aqui que entra o poder e a necessidade de adaptação. “Nem sempre é fácil, mas eu diria que é extremamente importante”, disse Gorner. “Nossa convicção é que você não pode oferecer um ótimo serviço sem uma força de trabalho engajada.” Já o terceiro pilar é a ponta visível do treinamento e onde os resultados se depositam. Uma vez que os líderes e funcionários estão caminhando juntos na missão de fazer o cliente feliz, quase todo o caminho já está pavimentado. Mais uma vez cabe o desafio de entender que as pessoas agora possuem uma nova forma de consumir, de se relacionar com a tecnologia e com o próprio mundo e, claro, isso transforma o modo como as empresas precisam se relacionar com os clientes.

Seguindo esses princípios, o Disney Institute já treinou empresas de 45 países nas mais diversas áreas. Da indústria automotiva a hospitais, de grandes a pequenas empresas. Para Gorner, foi possível identificar melhoras na cultura empresarial e nos resultados a longo prazo a partir do método aplicado. No mundo pós-pandemia, com as relações de trabalho abaladas, saber olhar para dentro da empresa e realizar mudanças se torna um sinal de progresso que, idealmente, culmina em crescimento.

ENTREVISTA: Timo Gorner, vice-presidente do Disney Institute
“As gerações mais novas não querem seguir discussões corporativas, querem ver um maior grau de autenticidade e de integridade nas lideranças”

Existe uma mentalidade nas empresas de que o problema é o funcionário e não a própria instituição e a forma como se organiza. Como lidar com esse tipo de pensamento e quais mudanças são necessárias?
A palavra-chave é cultura. Sem uma certa cultura, criada intencionalmente, tudo o que você coloca em cima é apenas reativo ou não é necessariamente sustentável. Portanto, acreditamos que você precisa de um sistema de suporte para o que quer que faça com seus líderes, funcionários e para a maneira como quer melhorar o serviço. O sistema de suporte é uma cultura intencionalmente criada e mantida viva, incorporada em todas as práticas — na forma como se conduz avaliações de desempenho, como se mede o sucesso, como se constrói planos de desenvolvimento e treinamento. Então eu diria que não é tanto sobre precisar mudar os funcionários ou os líderes, diria que é preciso começar com a decisão intencional sobre qual é a cultura que você acredita que precisa para conquistar o sucesso.

Como a tecnologia mudou a dinâmica entre funcionários e clientes?
Com as tecnologias muitas vezes há uma noção de ameaça ou insegurança envolvida, e há outra visão sobre o potencial para desbloquear novas oportunidades. Acontece que essas são incríveis, porque agora nos encontramos em um mundo em que temos um alcance muito mais global e integrado. Vemos isso na maneira como nossos convidados interagem com a tecnologia, como nossos funcionários a usam em nossa operação. Todos nós, de repente, temos maneiras muito diferentes de tornar as informações acessíveis e ajudar os funcionários a fazerem um trabalho melhor.

É válida a percepção de que, para obter um bom nível de experiência do consumidor, as empresas precisam dar algum grau de autonomia para seus funcionários?
Essa é nossa experiência. Acreditamos que é importante fornecer uma estrutura clara para os funcionários na qual há alguns limites e funções bem definidas. Algumas regras são sobre compliance e muitas vezes não são negociáveis, outras são sobre comportamentos específicos, mas dentro desses limites há liberdade para se expressar. Não acreditamos em interações com scripts. Queremos que o funcionário seja autêntico, que ele dê vida à expectativa do que alguém vê na Disney à sua maneira. E é isso que aplicamos no trabalho com outros clientes também. Acreditamos que é mais importante ter um propósito muito claro de porque todos nós estamos aqui, porque fazemos o que fazemos, do que ter roteirizado ações ou regras definidas até o enésimo grau.

As novas gerações estão mais preparadas para a função de liderança que as gerações passadas?
Diria que as expectativas em relação à liderança estão mudando e palavras como ser compassivo, flexível e vulnerável vêm à mente com mais frequência que há cinco ou dez anos. As gerações mais novas não querem seguir discussões corporativas, querem ver um maior grau de autenticidade e o alto grau de integridade na liderança. Acho que eles querem saber de seus líderes: ‘O que você representa? Em que você realmente acredita?’, e querem ver um certo grau de vulnerabilidade. Portanto, há expectativa para a colaboração, autenticidade e transparência.