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“Risco de bolha no mercado sempre pode existir. O importante é monitorar tudo”

 

 

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“BC não é lugar para ambições políticas. A única exceção foi o Cavaco Silva, em Portugal”

 

 

DINHEIRO ? O sr. acaba de chegar dos Estados Unidos. Como o Brasil está sendo percebido?
HENRIQUE MEIRELLES ? O que se nota é que o Brasil mudou de patamar. Nos bons momentos da nossa história, nós éramos vistos como um bom destino para multinacionais que tinham presença consolidada no País e para quem aplicava em papéis de renda fixa, em função das taxas de juros. Agora, as coisas estão mudando. Na primeira fase, os investidores começaram a migrar da renda fixa para aplicações de risco, como a bolsa de valores, em decorrência da queda real dos juros. A etapa atual, que é nova e surpreendente pela velocidade em que está chegando, é a do private equity, com investimento direto em participações minoritárias de empresas grandes, médias ou pequenas.

DINHEIRO ? E qual é a importância dessa nova etapa?
MEIRELLES ? Isso transmite algumas mensagens básicas. Primeiro, estabilidade e previsibilidade. Segundo, aponta uma tendência de crescimento, uma vez que as novas empresas, as start-ups, são as mais vulneráveis à volatilidade econômica. Ao colocar seu dinheiro nessas companhias, o investidor faz uma aposta micro, mas com um forte componente de confiança macro também. Além disso, há um terceiro componente que eu chamo de institucionalidade. O sujeito aposta que será tratado de forma correta pelo acionista controlador.

DINHEIRO ? Isso com o Novo Mercado?
MEIRELLES ? Não só isso, como a própria evolução institucional do País. Além disso, na medida em que a economia se estabiliza, o acesso ao crédito e a atração de um dia abrir o capital fazem com que as empresas se formalizem. Com isso, cresce também a arrecadação de impostos. É esse o momento atual da economia brasileira.

DINHEIRO ? É possível dizer que o Brasil hoje seria o ?BRIC? da moda, uma vez que já se falou muito de Rússia, Índia e China?
MEIRELLES ? Não há dúvida de que a China e a Índia continuarão a exercer grande atração. Agora, não há dúvida, também, de que o Brasil é a descoberta nova. E que tem algumas vantagens competitivas. Por exemplo, independência do Judiciário, mercado de capitais mais desenvolvido e uma democracia consolidada.

DINHEIRO ? Mas e o crescimento econômico? Também se vislumbra um ciclo longo para o País?
MEIRELLES ? Bem, o ciclo atual, com 22 trimestres consecutivos de crescimento, já é o mais longo da história recente do País. Mas o que se enxerga agora é um ciclo diferenciado. No passado, a economia crescia gerando distorções que eram a semente da próxima crise. Na década de 50, por exemplo, o País cresceu com grande expansão monetária e aumento da inflação. Depois, veio o endividamento externo, a explosão da dívida pública e a hiperinflação. Agora, o que se observa é um crescimento equilibrado e liderado pelo mercado interno, além de uma relação dívida/PIB cadente, a previsão de inflação dentro da meta por vários anos, contas externas favoráveis e reservas muito elevadas.

DINHEIRO ? O sr. acredita na tese da nova classe média?
MEIRELLES ? Não há dúvida disso. O crescimento da renda começou pelas classes baixas, em função da queda de inflação, especialmente de alimentos e matérias básicas, como cimento. Depois, veio a expansão do emprego e dos benefícios sociais. Agora, o crescimento já atinge em cheio a classe média, que vem tendo ganhos reais de salário, e também as empresas, pois os lucros nunca foram tão altos.

DINHEIRO ? E a percepção interna em relação ao Brasil? É tão positiva quanto lá fora?
MEIRELLES ? A diferença é grande. Principalmente porque a visão externa foi muito mais cética durante décadas. Agora, ainda que possa haver um certo entusiasmo exagerado, eles enxergam com mais clareza as mudanças que vivemos. Vou dar um exemplo. Em Miami, fiz uma palestra para gestores de hedge funds. Anos atrás, quando eu falava para essa turma, estavam lá especialistas em renda fixa. Desta vez, só tinha private equity. Não queriam saber de juros e nem mesmo de bolsa. O interesse do dinheiro inteligente e que anda na frente, do chamado smart money, está em empresas emergentes.

DINHEIRO ? Mas, falando em bolsa, não há uma certa bolha em todos esses IPOs que estão sendo feitos?
MEIRELLES ? Risco de bolha sempre existe. Qualquer ciclo de crescimento prolongado gera risco de bolhas. É inevitável. O importante é que isso seja monitorado pelos investidores e que as autoridades monetárias não sancionem a bolha.

DINHEIRO ? Mas os IPOs têm gerado um grande fluxo de dólares, pressionando o câmbio. Isso não é um problema?
MEIRELLES ? Um Banco Central não tem como controlar preços de ativos. Ele tem que se focar nos preços de bens e serviços, na inflação. O que se tem que analisar é como o valor dos ativos pode contaminar a economia real. Nos Estados Unidos, por exemplo, a bolha imobiliária poderia gerar excesso de consumo. Agora, com a crise, o efeito pode ser até deflacionário. Mas o desafio do Brasil agora é outro.

DINHEIRO ? Qual é?
MEIRELLES ? É saber até que ponto os empresários brasileiros, e não falo só dos grandes, saberão aproveitar tudo isso de forma positiva, gerando bons projetos de negócios. O que está claro hoje? O apetite está muito grande e está faltando projeto. O jogo, portanto, está com os empresários, tanto aqueles que já são como aqueles que pretendem ser.

DINHEIRO ? Não faltará capital? MEIRELLES ? Não. O Brasil poderá viver um fenômeno interessante. Uma vez, vi um estudo do MIT apontando que 80% dos empregos criados em Massachusetts na década foram por empresas que existiam havia 15 anos.

DINHEIRO ? O emprego no Brasil virá de novos negócios?
MEIRELLES ? Os setores tradicionais vão contratar, mas o grande impulso deverá vir de novos projetos, de novos empresários. Até porque o grande capital que está procurando retorno não irá saciar seu apetite em empresas consolidadas, mas sim com companhias pequenas, de grande potencial.

DINHEIRO ? Falando de um episódio recente, investidores espanhóis compraram concessões de pedágios, num negócio que terá um retorno de 5% ao ano, no longo prazo. Já há setores apostando no Brasil como investment grade?
MEIRELLES ? Certamente. Parcelas cada vez mais importantes do mercado já começam a precificar o cenário do Brasil como investment grade. Estamos agora colhendo os dividendos da estabilidade. Eu já participei de vários conselhos de multinacionais e, vez por outra, surgiam projetos de investimento no Brasil. O que mais me entristecia é que muita coisa só era aprovada se tivesse uma taxa de retorno maior. Eu perguntava o porquê e me diziam que o Brasil era imprevisível. É como aquela anedota do bar da moda. O empresário pensava: como vai ficar na moda só um ano, eu preciso recuperar rápido meu dinheiro.

DINHEIRO ? E quando virá o reconhecimento das agências de risco? MEIRELLES ? Virá em mais de uma etapa e não acho que todas as agências irão se mover no mesmo momento. Até porque hoje elas são mais conservadoras, em função da pressão decorrente da crise do subprime imobiliário.

DINHEIRO ? E como o sr. vê essa crise americana?
MEIRELLES ? Haverá uma redução do crescimento americano, mas o ministro Guido Mantega tem razão quando diz que os Estados Unidos não são mais o centro de gravidade da economia mundial. Hoje, mais de 50% do acréscimo de produto global vem da Ásia.

DINHEIRO ? No Brasil, o sr. prevê crescimento de 4,7% neste ano. É possível acelerar as taxas de crescimento?
MEIRELLES ? O Banco Central não tem projeção para depois de 2007. O mercado, sim, projeta um nível de crescimento continuado nessa faixa, que poderá aumentar, dependendo da nossa capacidade de manter a inflação na meta, de gerar projetos e de investir em infra-estrutura.

DINHEIRO ? A inflação em 2007, mais uma vez, fechará abaixo da meta. Com isso, os juros não poderiam ser menores?
MEIRELLES ? Não existe nenhuma inflação, em nenhum país, que fique cravada no centro da meta. Para isso, existe a margem de tolerância. Quanto aos juros, o BC trabalha prospectivamente. Olha à frente e tem que levar em conta incertezas. Daí a decisão de aguardar mais um pouco.

DINHEIRO ? O sr. tem sido criticado por não dar crédito ao presidente Lula nas palestras que faz sobre a economia.
MEIRELLES ? Evidentemente, o presidente da República é o líder e o responsável pela política econômica. Se nós estamos falando do governo, estamos falando do presidente. É essa a mensagem que estamos levando ao mundo inteiro.

DINHEIRO ? Uma questão que sempre se levanta é sobre sua ambição política. Afinal, o sr. pretende ou não deixar o Banco Central para disputar cargos públicos?
MEIRELLES ? Eu não tenho intenção de ser candidato a nenhum cargo eletivo.

Quando renunciei ao mandato de deputado federal e fui para o BC sem me filiar a nenhum partido, foi uma opção que traduziu uma escolha: a de colaborar com o País e prestar um serviço público que não é compatível com uma ambição eleitoral. Normalmente, cargo político seria um ministério, que faz obras e realizações.

DINHEIRO ? Mas o BC também tem uma obra, que é a economia estável. MEIRELLES ? Não existem na história muitos exemplos de presidentes de Banco Central que tenham seguido a carreira política. Uma exceção de diretor de autoridade monetária que escolheu esse caminho foi o Cavaco Silva, de Portugal.

DINHEIRO ? Seu projeto então é ficar oito anos no BC?
MEIRELLES ? É continuar o presente trabalho, sem planos de tempo. Depois que eu sair, vamos contemplar qual seria o próximo desafio. Até porque um presidente de Banco Central não deve ter planos pós-BC. Para isso, existe a quarentena. Você recebe o seu salário e tem quatro meses para pensar no que fazer. Aliás, essa minha estadia já é a mais longeva no regime democrático.

DINHEIRO ? O que determinou o sucesso nessa passagem?
MEIRELLES ? O fato de termos sempre estado à frente da curva. Jamais hesitamos em desinflacionar o País. Isso estabilizou definitivamente a economia brasileira.