03/11/2004 - 8:00
Os processos de separação conjugal tornaram-se batalhas ferozes pelo patrimônio da família. É nessa hora que antigos impasses do casal voltam à tona, agora fermentados em mágoa e ressentimento. Não são raros os casos em que, na hora da partilha, o parceiro se surpreende com a real situação financeira do cônjuge. A confusão nos tribunais é tanta que até mesmo um novo regime de união foi inserido no Código Civil. Pelo modelo recém-criado, chamado de ?participação final nos aqüestos? (termo jurídico para bens adquiridos), tudo que foi comprado durante a união pertence ao cônjuge que pagou, desde que isso seja comprovado na Justiça. A tarefa é difícil, ainda mais se o par esteve unido por muitos anos. Muitos cônjuges escondem dos parceiros a verdadeira renda e despesas, especialmente quando a união não é oficial. Poucos são os que conseguem planejar o orçamento em conjunto e o dinheiro (ou a falta dele) costuma ser motivo de discussão. A mistura é explosiva.
A estratégia para evitar a guerra jurídica, pelo menos em parte, é chegar a um acordo antecipado por meio da escolha do regime de casamento. No Brasil, há três modelos tradicionais de comunhão: separação total de bens, comunhão universal e comunhão parcial. O primeiro regime define uma segregação total dos bens de cada cônjuge, que não pode ser responsabilizado pelas dívidas do outro. Pela comunhão universal, os bens adquiridos antes do casamento ou herdados e aqueles obtidos durante o período em que o casal esteve junto pertencem aos dois e serão divididos em caso de divórcio. Na comunhão parcial, somente o patrimônio adquirido depois do casamento é dividido, mas os bens anteriores ou passados por herança não entram na divisão. Os três antigos regimes, no entanto, tornaram-se insuficientes para resolver todos os problemas entre os casais formados recentemente, particularmente em função daqueles com união informal ? daí as alterações no Código. ?A legislação de família sempre regulamenta situações que já existem?, diz Luiz Kignel, sócio do escritório de advocacia Pompeu, Longo & Kignel, em São Paulo.
Uma das novidades fundamentais do Código é a possibilidade de mudar o regime depois do casamento. ?Agora, muita gente casa em separação total de bens com a pretensão de mudar para o regime de comunhão parcial se a união der certo?, diz o advogado. Mas a grande novidade, ainda pouco conhecida e adotada, é o recurso que nasce com o regime de aqüestos. Por meio dele, o patrimônio pode ser administrado de forma independente se apenas um parceiro contribuiu para sua formação. No caso de imóveis, por exemplo, o cônjuge que pagou por eles pode vendê-los sem autorização do outro. Se ambos contribuíram para a aquisição do bem, ele pertencerá ao casal e será incluído na divisão do divórcio. Kignel, no entanto, é contra o novo modelo. ?Você precisaria se casar com o contador para saber exatamente quem pagou o quê?, brinca. ?Com o tempo, o dinheiro de ambos tende a se misturar?, explica. ?Além disso, quais seriam as provas aceitas pelo juiz em caso de separação??
O contrato pré-nupcial é uma opção para quem quer estar mais seguro quanto a futuras possibilidades de partilha. No Brasil, porém, ele só é útil para resolver a questão da divisão dos bens ? não estabelece soluções definitivas para assuntos como guarda dos filhos e pensão alimentícia. ?A situação é diferente do que acontece nos EUA?, diz Kignel. A cantora Britney Spears, que se casou recentemente com o bailarino Kevin Fedderline, assinou um acordo detalhado em que até presentes acima de US$ 10 mil estão automaticamente divididos em caso de divórcio. Entre os brasileiros, isso também pode ser estipulado, mas não está livre de questionamento durante a discussão com o juiz.