07/10/2009 - 7:00
nome Danilo Bertasi idade 19 anos “Como na sala e a cada três garfadas volto para o computador para poder acompanhar o pregão”
Aos 16 anos, Danilo Bertasi era modelo, estudava no colégio Bandeirantes, um dos melhores de São Paulo, e mergulhava nos livros para passar no vestibular de medicina. Hoje, três anos depois, a realidade é outra. Ele tem mais sintomas de paciente do que de um futuro médico.
Com pressão alta, toma remédios para dormir e engordou 20 quilos. Não fotografa mais, desistiu da medicina e estuda administração de empresas. A mudança começou quando, influenciado por um amigo, Bertasi começou a investir na bolsa, especificamente em day trade – comprando e vendendo ações no mesmo dia.
“Vi que um amigo estava ganhando e pensei: se ele pode, eu também posso”, conta o jovem. Bertasi entrou na empreitada de maneira intensa e viu as horas passadas na frente do pregão se transformarem em vício. “Já acordei às 3 da manhã para assistir à abertura do pregão de Xangai na Bloomberg”, diz ele, que não dorme mais do que quatro horas por noite.
nome G. Giron idade 23 anos
Embora sua primeira operação tenha sido desastrosa, com um prejuízo de R$ 3 mil, Bertasi já acumulou algum patrimônio – que mantém em segredo – desde que se tornou investidor. Suas ações preferidas são as mais voláteis, como as das empresas LLX, MMX, OGX e MPX, do bilionário Eike Batista.
“Posso perder 10% em um dia e ganhar 20% no dia seguinte”, conta. O problema, no entanto, não é quanto ele ganha ou perde com suas operações. Bertasi pode estar se tornando, sem perceber, um viciado precoce num jogo.
“Esse tipo de comportamento é compulsivo. É um desvio que, se não for tratado corretamente, pode acarretar consequências graves”, afirma a psicóloga Vera Rita de Mello, coordenadora do núcleo de psicologia econômica da FipecafiUSP.
Hoje, o Brasil tem 521 mil pessoas que operam o chamado home broker. Destes, 6,6% são jovens de até 25 anos – e a grande maioria, que ainda não trabalha, passa o dia diante da tela do computador, dando ordens de compra e venda ou frequentando salas de bate-papo sobre ações. É quase uma patologia.
“Os jovens que entram hoje na bolsa são mais arrojados, correm mais risco, querem volatilidade e dificilmente carregam um papel de um dia para o outro. São fascinados por day trade”, constata Rodrigo Puga, responsável pelo InvestBolsa, home broker da Spinelli Corretora.
Segundo Puga, jovens de até 25 anos fazem, em média, o dobro de operações que investidores mais experientes. Assim, podem estar mais expostos a prejuízos – em Las Vegas, capital mundial dos cassinos, constatou-se que milhares de apostadores com menos de 21 anos também estavam se tornando viciados em apostas.
nome S. Spinelli idade 15 anos
Assumidamente viciado na Bovespa, Bertasi traçou uma meta. Disse que quer ter R$ 10 milhões antes dos 25 anos. E hoje ele parece estar mais preocupado com isso do que em fazer coisas típicas da sua idade – como, por exemplo, virar uma madrugada numa boate.
Até mesmo um blog para investidores ele mantém na internet. “Não bebo nem fumo; meu único vício é comprar e vender ações.” E o ganho de peso foi uma decorrência natural. “Costumo comer na sala e a cada três garfadas volto para o computador”, diz.
Pode até ser que Bertasi realize sua meta e se transforme num milionário. Ele, que mora com um irmão e com a mãe, já sustenta sua casa e foi capaz de comprar um carro blindado. Mas os riscos, assumidos precocemente, podem colocar em xeque seu próprio futuro. Foi o que aconteceu com Stéfano Spinelli. Aos 13 anos, ele decidiu investir na bolsa as economias do pai, Delanei. Começou sem maiores preocupações, apostando no longo prazo.
No ano passado, quando veio a crise e sua carteira derreteu, Spinelli passou a se sentir culpado pelo prejuízo. E fez uma aposta ainda mais arriscada. Mergulhou no day trade. Resultado: recuperou parte dos prejuízos, mas repetiu de ano. O pai, a quem ele pretendia agradar, ficou decepcionado quando soube que o filho fugia da escola e matava aulas para operar na Bovespa. Levou uma dura e mudou o comportamento. “Percebi que sem o colégio não vou entrar numa boa faculdade e trabalhar com investimentos”, diz o garoto.
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nome C. Cordeiro idade 25 anos |
“Na faculdade, eu passava a aula com o laptop ligado acompanhando os pregões e meu sonho é virar gestor”
Hoje, ele se dedica um pouco mais aos estudos, mas continua investindo. Tenta apenas se impor uma certa disciplina. Como estuda pela manhã, investe apenas no período da tarde e, depois disso, vai fazer atividades típicas de meninos da sua idade, como jogar videogame e andar de bicicleta.
“Mas a bolsa é um jogo muito mais legal. Porque tem estratégia, emoção e dinheiro”, diz Spinelli, que, claramente, ainda não se livrou do vício “Nas férias escolares, vou me dedicar para recuperar ainda mais”, diz. O jogo foi o que motivou também Caio Cordeiro, paulistano de 25 anos, a entrar na bolsa. Mas ele transformou seu vício numa profissão. Aos 19, começou a investir em simuladores na internet.
Quando passou no vestibular (relações internacionais na Faap), seu pai decidiu presenteá-lo com um novo carro. O garoto não quis e pediu o dinheiro para investir em ações. Nunca mais parou. “Eu operava na sala de aula. Passava o tempo todo com o laptop ligado acompanhando o pregão”, diz ele. De lá para cá, Cordeiro conseguiu multiplicar seu investimento inicial por três. “Descobri uma profissão”, diz ele, que trabalha hoje em uma gestora de recursos de São Paulo e quer, no futuro, abrir sua própria gestora.
Assim como Cordeiro, o estudante Guilherme Giron, 23 anos, que cursa o terceiro ano de economia na USP, também conseguiu transformar a paixão pela bolsa em profissão. Investe desde os 16 e trabalha no mercado financeiro desde 2007. Com oito anos de mercado, é quase um veterano. Giron começou trabalhando na mesa de operação de um banco de varejo e hoje está em um private banking.
“Não tenho tempo de ficar o dia inteiro acompanhando o mercado e fazendo day trade. Além disso, onde trabalho há um limite mensal de operações que podemos fazer em bolsa”, conta. No entanto, o brilho da bolsa sempre acaba transparecendo em seus olhos. “Se eu não trabalhasse, passaria o dia inteiro fazendo isso”, confessa.
Tais jovens, de perfis tão diferentes, mas que dividem o mesmo fascínio pelos investimentos de curto prazo, tendem a crescer na mesma proporção que a bolsa ganha popularidade. Em fevereiro de 2009, época crítica da crise, investidores de até 25 anos movimentavam mais de R$ 680 milhões. Em agosto, esse número quase dobrou para R$ 1,2 bilhão. Segundo Puga, da corretora Spinelli, a queda da taxa de juros influenciará uma entrada maciça desses investidores na bolsa nos próximos anos.
“São pessoas que não terão lembrança do que significa taxa de juros alta. E não fará sentido para eles investir em renda fixa”, prevê. Na verdade, é até saudável que o Brasil forme uma nova geração de investidores, dispostos a assumir riscos e a participar do mercado de capitais. O problema é quando isso ocorre precocemente, sem que esses jovens tenham a maturidade ou o equilíbrio emocional para discernir o que é investimento do que é só um jogo – e que pode ser de altíssimo risco.