Há quem compare Steve Jobs aos astros do rock. Outros devotam fervor religioso ao guru da informática. Alan Deutschman, experiente (e muitas vezes devastador) autor de perfis para revistas como Vanity Fair e GQ, prefere tratá-lo como ?a Jackie Kennedy Onassis dos negócios e da tecnologia?. E explica: apesar de cultuado, venerado, invejado por seu trabalho à frente da fabricante de computadores Apple e do estúdio de filmes de animação Pixar, Jobs é uma incógnita quando analisado do ponto de vista pessoal. Deutschman propôs-se a preencher esta lacuna. E, de certa forma, conseguiu. No livro The Second Coming of Steve Jobs, recém-lançado nos Estados Unidos pela editoria Broadway Books, o jornalista faz uma arrojada viagem pela intimidade e o temperamento do gênio do Vale do Silício. Depois de ouvir, segundo seu próprio relato, mais de cem pessoas que conviveram com Jobs nas últimas três décadas, reconstrói momentos decisivos para seu personagem ? e, de resto, para o futuro de toda a chamada Nova Economia ?, revelando um homem tão egocêntrico quanto perfeccionista, às vezes incapaz de tomar uma decisão banal, outras tantas dando tacadas surpreendentes e perfeitas.

Deutschman só falhou ao não conseguir ouvir o próprio Jobs, o que não consistiu propriamente numa surpresa. Afinal, como demonstra o próprio livro, o sedutor e arrogante astro dos negócios sempre escolheu a dedo seus interlocutores ? e fugiu de todos que, de alguma forma, pudessem escrever algo que lhe desagradasse. Pelo menos uma vez, desistiu de falar quando já estava cara a cara com um repórter, em uma sala da Next, empresa que criou em 1985, após ser forçado a abandonar a Apple (ele voltaria anos depois para salvá-la). Era o dia 11 de fevereiro de 1993. Na véspera, um comunicado da companhia anunciava o fim das atividades da Next. ?A empresa foi um fracasso??, perguntou a jornalista. Jobs respondeu, sem se alterar: ?Eu não quero dar essa entrevista?. Repetiu a frase mais uma vez, antes de levantar e sair porta afora. A desventura da Next ? de seu ambicioso lançamento ao retumbante naufrágio ? e a volta por cima na Pixar e, mais tarde, na Apple são o pano de fundo da obra de Deutschman. Nesses 15 anos, Jobs viveu numa verdadeira montanha russa, atingindo picos de fortuna e prestígio e amargando os dissabores e a depressão da derrota e da (relativa) pindaíba. A pose, Jobs nunca perdeu. Na verdade, ele já a tinha antes de se tornar o prodígio responsável pela revolução dos PCs. Sem nenhum tostão no bolso, freqüentou as melhores salas de aula apenas como ouvinte e, ainda assim, destacou-se dos afortunados colegas que, ao contrário dele, saíram da classe com diplomas debaixo do braço.

Idiossincrazia. Jobs, como era de se esperar, não gostou do que não leu no livro de Deutschman. Usando uma tática que muitas vezes deu resultado, ele chegou a pressionar os editores a engavetarem a obra, protestando contra o que seria um trabalho rasteiro. Felizmente, a ação não foi bem-sucedida. De forma agradável e direta, o autor trata Jobs da forma que ele mesmo, na verdade, sempre quis: como um superstar. Além disso, as idiossincrasias, o temperamento intempestivo e as excentricidades relatadas na obra não ofuscam seu brilho. Como contraponto ao lado desconhecido do criador/executivo surgem os bastidores de alguns de seus principais lances, como a relação de amor e ódio com Bill Gates e a negociação com Michael Eisner e Jeffrey Katzenberg, que resultou na vitoriosa parceria Disney-Pixar e na definitiva união de Hollywood com o Vale do Silício. Só alguém com o carisma de Jobs poderia celebrar este casamento.