Mal desembarcou em Brasília, na segunda-feira 11, o representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, colocou tênis e camiseta, deixou o Hotel Grand Bittar e saiu em disparada para o Parque da Cidade, no coração da capital federal. O maratonista magro e ruivo suou a camisa no percurso de mais de dez quilômetros, que percorreu em menos de uma hora ? sob sol escaldante e temperatura beirando os 30 graus. A corrida, contudo, foi apenas um aquecimento para uma outra prova: o convívio com o azedume das relações Brasil-Estados Unidos. Nos quatro dias que ficou no País, Zoellick falou muito, ouviu bastante, mas saiu do mesmo jeito que chegou ? sem ter concedido nada. Sua fala mansa não abriu caminho para o fim das barreiras ao aço brasileiro impostas na semana passada. Tampouco acenou com mudança na política protecionista americana. ?Não sei a opinião dos outros, mas do meu ponto de vista foi uma visita bem-sucedida?, avaliou na tarde de quarta-feira 13, durante uma entrevista na Câmara de Comércio Brasil-EUA, em São Paulo.

Ironias de lado, a verdade é que Zoellick deu-se muito bem no Brasil. Ele não convenceu ninguém da sua tese central ? a benignidade do tratamento americano para o aço brasileiro ? mas também não foi levado a comprometer-se com nenhuma mudança de atitude. Do contrário, trouxe na ponta da língua recados que enfatizam a avassaladora importância do mercado americano para o Brasil e a disposição da Casa Branca de seguir adiante com a Alca, qualquer que seja a posição brasileira. ?Não faltam países que querem um acordo com os EUA. O número dos que me procuram com esse objetivo é maior do que os que posso atender?, avisou. Para que a mensagem não se perdesse, Zoellick enfatizou que os países que têm acordos comerciais com os EUA não sofreram a sobretaxa do aço. Nem precisaria ir tão longe. Bastaria lembrar, como fez, que aproximadamente um quarto de todos os bens exportados pelo Brasil ?e destinado aos Estados Unidos. E que 67% das exportações brasileiras para os EUA são livres de impostos. Os EUA importam cerca de US$ 1 trilhão por ano e convivem com um déficit comercial de US$ 427 bilhões a cada doze meses. ?Com a economia americana na direção da recuperação, eu espero que sejamos novamente o motor para o crescimento global?, disse Zoellick. O conteúdo do recado é claro: aceitem as restrições de acesso, alinhem-se conosco, porque do lado de fora não há esperança.

Diante dessas polidas ameaças, o governo brasileiro portou-se com a elegância de sempre: não bateu boca nem colocou o convidado contra a parede. Até porque considera-se no Itamaraty que o secretário americano pode ajudar o Brasil. O ministro Celso Lafer chegou a dizer que mais vale um bom acordo do que uma boa briga na questão do aço. Lafer avalia que os 120 dias de consultas estabelecido pelos EUA podem levar a uma solução ?com a vantagem da rapidez?. Tudo indica que é ilusão. Os pronunciamentos de Zoellick no Brasil deixaram claro que esse intervalo não foi planejado para permitir grandes concessões. O enviado americano sublinhou diversas vezes que a sobretaxa no aço era politicamente necessária para aplacar um setor da economia ? o siderúrgico ? capaz de bombardear a política de comércio de Bush. ?O governo Bush tomou a ofensiva na questão do livre comércio mundial, mas não podia descuidar da sua defensiva?, disse ele.

Em seu primeiro encontro oficial, na tarde de segunda-feira, com o ministro da Fazenda Pedro Malan, o americano mostrou que fizera a lição de casa e não se deixaria arrastar a becos sem saída. Começou lembrando dos muitos amigos comuns que ele e Malan tinham da época em que o ministro viveu nos Estados Unidos. ?Eles me falam muito do senhor?, agradou. Mais tarde o ministro se diria surpreso pela afabilidade do visitante e pelo tanto que sabia a seu respeito. No dia seguinte, o ministro Patrini de Moraes tentou explorar outro flanco do contencioso comercial ? a questão agrícola ? mas não conseguiu. ?Ele só queria falar sobre a Argentina?, queixou-se depois do encontro. Na conversa com Fernando Henrique, que durou pouco mais de meia hora, o clima foi quase festivo. Zoellick perguntou ao presidente sobre a situação política e econômica do País e encontrou FHC muito disposto a falar: citou por três vezes o nome do principal cacique do PFL, o senador Jorge Bornhausen, provocando muito riso. Era o dia em que as pesquisas de opinião registraram a subida de José Serra. Ao deixar o Brasil, na quinta-feira pela manhã, Zoellick já começava a balbuciar duas palavras em português: ?abrass? (abraço) e ?bezo? (beijos). Simpático, mas talvez fosse melhor que ele tivesse saído do País mais preocupado. Seria um sinal de que os brasileiros deixaram de ser vítimas cordiais.