11/08/2004 - 7:00
O legado estético das imagens em preto-e-branco do francês Henri Cartier-Bresson, falecido na semana passada aos 95 anos, é quase tão forte quanto as pinturas coloridas de Pablo Picasso. Ambos, um por meio de uma câmera Leica e o outro, nos pincéis, ajudaram a definir o longo século 20. Cartier-Bresson virou sinônimo de fotografia, da busca do instante decisivo. Há uma faceta em sua vida, contudo, que o põe num outro patamar histórico: Cartier-Bresson foi um dos criadores, ao lado de Robert Capa, de uma nova profissão, a do repórter fotográfico. Até a II Guerra Mundial, a arte de registrar as cenas em negativo era atividade colada a escolas artísticas como o surrealismo. Bresson e Capa foram os pioneiros em uma atividade inédita, ligada ao cotidiano e não aos sonhos. Deu-se o clique dois anos depois do fim da guerra, em 1947. Em parceria com outros dois profissionais, George Rodger e David Seymour, Cartier-Bresson e Capa fundaram a agência Magnum. O mote de sua gênese havia sido plantado pelo próprio Capa, numa conversa com o francês: ?Não se atrele ao rótulo de fotógrafo surrealista. Seja um repórter fotográfico. Deixe o surrealismo em seu coração e se mova?.
A Magnum nasceu como uma cooperativa de sócios. Desenvolveu um modelo de negócios que deu dignidade à profissão dos homens em busca de notícias. Os autores das fotos eram os donos dos direitos de imagem ? e não as revistas e jornais que as publicavam. O dinheiro que entrava para um, entrava para todos. Resultado: uma saudável corrida pelas melhores cenas. Tratava-se, nas palavras de um dos fundadores, de combinar as minicâmeras, ágeis e leves, a maxisonhos. Nesse caminho, Cartier-Bresson foi gênio (Robert Capa morreu prematuramente, em 1954, ao pisar numa mina terrestre na Indochina). A trajetória do francês é um retrato do século, das transformações econômicas e políticas do planeta. Fotografou Mahatma Gandhi horas antes de seu assassinato, em 1948. Foi o primeiro jornalista estran-
geiro a registrar o cotidiano dos soviéticos, em 1954, no auge da Guerra Fria. Foi pioneiro também na fechada China de Mao. Por meio de seus dedos e de seu olhar, alçou a fotografia a arte séria e cara. Ele praticamente inventou um mercado.
Hoje, a compra e venda de fotografias de grandes nomes é o nicho do segmento de arte que mais rapidamente cresce no mundo. O interesse de quem investe em imagens artísticas varia desde as impressões arranhadas dos primitivos daguerreótipos (feitas por ocasião da invenção da fotografia, em 1839) até composições modificadas via computador. A foto mais cara do mundo é ?La Grande Vague?, de Gustave Le Gray, vendida na Sotheby?s de Londres em 1999 por US$ 840 mil. Cartier-Bresson, claro, também tem sua produção entre
as mais cobiçadas. Sua clássica foto do homem na Gare Saint Lazare foi vendida por US$ 5,1 mil num leilão da Sotheby?s graças a uma singela assinatura do mestre estampada no papel. As imagens de primeira linha têm preços mais acessíveis do que pinturas e esculturas, ao passo que sua valorização alcança os mesmos patamares. No mercado internacional, os preços podem variar entre US$ 1 mil e US$ 100 mil, de acordo com a data de origem e número de cópias editadas. São méritos, em boa parte, da genialidade de Cartier-Bresson.