Em novembro de 1982, Ronald Reagan veio a Brasília para uma reunião agendada às pressas. O México havia quebrado dois meses antes e as divisas do Banco Central brasileiro estavam a zero. Reagan encontrou-se com o presidente João Figueiredo e disse: ?Não haverá outro México?. Em seguida, abriu uma linha de crédito emergencial de US$ 1 bilhão para o País. À noite, numa recepção, levantou um brinde ao povo boliviano. Reagan foi avisado do lapso geográfico e tentou corrigir dizendo que seguiria para La Paz, embora seu destino fosse a Colômbia. A gafe entrou para a história e o cheque de US$ 1 bilhão foi esquecido. Reagan era assim. Por onde passava, deixava a imagem de um sujeito inculto e até mesmo simplório. É por isso que seus oito anos no comando da maior potência econômica do mundo intrigam os historiadores. Como um sujeito que aparentemente sabia tão pouco conseguiu realizar tanto? Reagan, que morreu aos 93 anos vítima do mal de Alzheimer, derrubou a inflação, acelerou a taxa de crescimento da economia americana e criou 20 milhões de empregos. De quebra, ajudou a implodir o império soviético e deu fim à Guerra Fria. Em 1989, quando deixou a Casa Branca, ainda tinha 70% de aprovação interna. Nenhum outro presidente americano foi tão popular.

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ÚLTIMO DIA
Em 1989, Reagan deixou a Casa Branca e um país muito mais rico
 

Reagan, que havia sido um ator mediano de filmes de faroeste, obteve tamanho sucesso na condução da economia que até emprestou o nome a uma nova doutrina: a reaganomics, também conhecida como supply-side economics. A teoria consistia em aplicar ao pé da letra a frase que marcou seu discurso de posse, em 1981. ?O Estado não é a solução, é o problema?, disse Reagan. Foi pensando assim que ele reduziu os impostos das empresas, diminuiu as alíquotas cobradas dos ricos, cortou os gastos com programas sociais e, ao lado da britânica Margareth Thatcher, lançou uma onda conservadora que se espalhou pelo mundo. O resultado, nos Estados Unidos, foi uma taxa média de expansão de 3,2% do PIB e a queda drástica dos índices de desemprego. ?Com o choque liberal, ele livrou seu país da esclerose numa época em que todos diziam que os Estados Unidos estavam prestes a perder a hegemonia para os japoneses ou os soviéticos?, disse à DINHEIRO o economista e banqueiro Paulo Guedes, formado na escola de Chicago.

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HOMENAGENS
Tratado como herói, foi enterrado na sexta-feira 11

Quando Reagan chegou ao poder, e recebeu como herança do antecessor Jimmy Carter uma inflação de 14% ao ano, a confiança dos americanos no futuro havia atingido seu ponto mais baixo. Economistas de renome, como John Kenneth Galbraith, Paul Samuelson e Lester Thurow, exaltavam as virtudes do sistema de planejamento central de Moscou. E Reagan continuava apostando que os soviéticos jamais seriam capazes de competir com os americanos. Por isso, era tratado como um completo idiota ? ou, na melhor das hipóteses, como um sujeito ingênuo. Em 1985, antes do seu primeiro encontro com Mikhail Gorbatchov, ele confidenciou que seu sonho seria sobrevoar qualquer cidade americana ao lado do líder soviético. ?Eu mostraria a ele que nosso sistema é bom, que nós vivemos em boas casas e que muitas pessoas têm até um segundo carro na garagem?, disse Reagan. Ao mesmo tempo em que se comunicava de forma simples e direta, seu governo expandia brutalmente os gastos militares. Com o multibilionário programa Guerra nas Estrelas, Reagan quis criar um escudo para mísseis nucleares. E como os russos foram incapazes de acompanhar a corrida armamentista, o sistema entrou em crise. As conseqüências foram a perestroika e a glasnost, programas de abertura econômica e política que acabaram democratizando o Leste Europeu e derrubaram o Muro de Berlim. ?Reagan foi um homem intuitivo e enxergou antes dos outros a dissolução do regime soviético?, afirmou à DINHEIRO o historiador francês Emmanuel Todd, o primeiro a prever a queda do comunismo, no fim dos anos 70.

Ainda hoje a reaganomics é motivo de controvérsias. A despeito do crescimento recorde, a dívida interna americana saltou de US$ 990 bilhões, em 1981, para US$ 2,9 trilhões, em 1989. Ou seja: Reagan deixou uma conta para as gerações futuras. Além disso, sua política externa foi uma exaltação ao unilateralismo e sufocou movimentos de esquerda em vários países. ?Sua intervenção na América Central, em países como Nicarágua e El Salvador, foi desastrosa?, disse à DINHEIRO o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, à época secretário-geral do Itamaraty. Nada disso, porém, elimina o fato de que poucos líderes conseguiram transformar tão radicalmente o ambiente em que viviam. ?Eu queria mudar os Estados Unidos e, quando me dei conta, havíamos mudado o mundo?, disse ele, em sua despedida da Casa Branca. Reagan foi a prova cabal de que às vezes não é preciso ter muitas idéias para governar um país. Basta ter as idéias corretas.

O QUE FOI A REAGANOMICS

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US$ 2,9 trilhões
Era o endividamento americano ao fim
da era Reagan

AS MEDIDAS
? Reagan reduziu tributos. A taxa média das empresas
foi reduzida de 48% para 34%. O Imposto de Renda máximo caiu de 70% para 28%.
? Combateu a inflação com a política monetária austera de juros altos.
? Ampliou os gastos militares e lançou o programa ?Guerra nas Estrelas? para criar um escudo contra
mísseis nucleares.
? Coibiu greves, cortou gastos e flexibilizou o
mercado de trabalho.

OS RESULTADOS
? A taxa média de expansão do PIB americano na era Reagan (1981/1989) foi de 3,2%, maior do que nos anos 70 e na década de 90.
? O desemprego caiu de 7,6% para 5,5%.
? A renda média de uma família americana foi ampliada em 4 mil dólares.
? A dívida pública, porém, saltou de 22,3% do PIB para 38,1% do PIB.
? A inflação caiu de 12,5%, em 1981, para 4,4%, em 1989.
? O déficit comercial quadruplicou.
? A desigualdade entre ricos e pobres aumentou.