11/03/2009 - 7:00
NA MANHÃ DO DIA 15 DE julho de 1997, o estilista italiano Gianni Versace saiu para uma caminhada matinal na ensolarada Miami. Ao retornar, enquanto subia os degraus de sua mansão, localizada na badalada avenida Ocean Drive, ele foi brutalmente assassinado com dois tiros pelo serial killer americano Andrew Cunanan. Mesmo depois de mais de uma década de sua morte, o estilista ainda conserva a imagem de glamour e tudo o que leva o seu nome vira notícia.
OS DESTAQUES: 1.a pintura feita por Giovanni Tognolli, A batalha das amazonas (acima à esq.); 2. e 3.as estátuas Boxeadores (abaixo e no detalhe), esculpidas pelo italiano Antonio Canova, decoravam o antigo quarto de Gianni Versace; 4.e a pintura francesa
Pois bem, no dia 18 de março, as últimas peças de arte da rica coleção que Versace deixou vão a leilão, na casa Sotheby’s, em Londres. As peças estavam guardadas no retiro de Gianni na Itália, a Villa Fontanelle, um casarão neoclássico construído em 1776 às margens do Lago Como, a 45 minutos de Milão. “99% das peças do interior da casa serão leiloadas”, disse Mario Tavella, responsável pelo evento na Sotheby’s, à DINHEIRO. “Esta pode ser a última chance que os colecionadores têm de adquirir uma parte do legado de Gianni.”
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Entre os 550 lotes estão peças como o impressionante par de estátuas Boxeadores, esculpidas pelo italiano Antonio Canova (1757-1822), cujo valor deve alcançar US$ 58 mil; e um par de estantes em pátina e bronze, encomendado originalmente para a biblioteca do Palácio Borghese, em Roma, cotado entre US$ 86 mil e US$ 172 mil. A expectativa da Sotheby’s é de que o leilão arrecade mais de US$ 3 milhões. É pouco se comparado à venda das peças do cultuado estilista francês Yves Saint Laurent (1936-2008), que no fim de fevereiro arrecadou 373,5 milhões de euros, o equivalente a R$ 1,1 bilhão em um leilão organizado pela Christie’s. A diferença de valores entre as coleções de Saint Laurent e de Versace se deve a uma questão crucial. Enquanto o designer francês possuía uma das mais completas coleções de arte do mundo, com obras de Matisse e Picasso, e leiloou- as de uma vez só, o espólio de Versace foi vendido a conta-gotas. Aliás, não é a primeira vez que a Sotheby’s leva o acervo de Gianni Versace a leilão.
Depois da morte de Gianni, seus bens foram divididos entre seus irmãos e seus sobrinhos, conhecidos por serem mimados pelo tio famoso. Donatella Versace, a irmã do artista, recebeu 50% da companhia de seu falecido irmão; sua filha, Allegra, na época com 11 anos, ficou com os outros 50% da empresa. A coleção de arte, por sua vez, ficou com o sobrinho mais novo, Daniel, irmão de Allegra.
“Foi consenso na família que as obras de Gianni Versace deveriam ser vendidas”, afirma Mario Tavella. “Eles não queriam arruinar algo que foi construído com tanta paixão pelo estilista.” A família começou a vender as peças de Gianni, em 1999, de modo esporádico. Mas foi a partir de 2001 que iniciou vendas maiores ao leiloar todas as peças expostas na casa de Miami. Em 2005, foi a vez das obras que decoravam a propriedade de Nova York, localizada a poucas quadras do Central Park. Com obras de mestres como Edgard Degas (1834- 1917), Henri Matisse (1869-1954), Marc Chagall (1887-1985), Jean-Michel Basquiat (1960-1988), entre outros, o leilão de Nova York foi um dos que mais atraíram interessados e arrecadou quase US$ 6 milhões.
Diante de um acervo tão valioso e íntimo da família Versace, cabe uma indagação: por que os herdeiros se desfizeram de quase tudo? Além da questão financeira, existe uma ligação emocional com as peças. “Uma coleção de arte é um trabalho de uma vida e expressa valores e sonhos de quem a organiza”, diz René Werner, especialista em family offices. “É difícil dar continuidade a esse tipo de coisa, o que faz com que os herdeiros decidam passar esse legado adiante.” Leiloar as peças é também uma forma de se despedir – um adeus tardio, porém necessário, para um dos maiores estilistas que o século 20 conheceu.