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A dama dourada: Estima-se em US$ 25 milhões o valor do lote a ser leiloado em novembro

Vão-se os anéis, ficam os dedos ? bem, não é exatamente este o caso do leilão que a Sotheby’s de Nova York realizará durante duas noites, em 3 e 4 de novembro. Vão-se anéis, relógios, vasos, escrivaninhas, cômodas e telas a óleo de uma das mais fabulosas coleções do Século XX, um lote de 800 peças do falecido banqueiro Edmond Safra e de sua esposa, Lily Safra, hoje com 67 anos. Ficam US$ 25 milhões, o equivalente a um ?Valério?, valor estimado do lote. Ficam também US$ 1 bilhão, a fortuna desta senhora elegante nascida no Rio Grande do Sul, celebrada como a viúva mais rica do planeta. Hoje ela vive em Londres, mas tem residências em Nova York, Paris, Genebra e na Riviera Francesa. Dinheiro, portanto, não é o problema. Tem sobrado, e muito. No ano passado, por meio da fundação filantrópica criada pelo falecido companheiro, Lily doou US$ 10 milhões à Universidade de Harvard e outro tanto de mesmo tamanho à entidade criada pelo ator Michael J. Fox destinada a pesquisar a origem genética do Mal de Parkinson.

A lista de benemerência de ?Gilded Lily?, a Lily dourada, como jocosamente a apelidaram os tablóides ingleses, é oceânica. São pelo menos 16 organizações, de sinagogas a hospitais, de universidades a museus. O bater de martelo no outono americano tem dupla razão: uma prática e a outra, caridosa. Esta última dá-se pelo destino dos dólares, prioritariamente encaminhados aos outros, a quem precisa e não tem. Na motivação cartesiana, a dama vai direto ao ponto: faltam-lhe espaço e condições para cuidar da vastidão de objetos. ?Desde o falecimento de Edmond, dediquei a maior parte do meu cotidiano à fundação filantrópica?, diz ela por meio do comunicado de imprensa da Sotheby’s. E continua: ?Minha vida e meus interesses mudaram, e já não tenho tempo nem escala nas casas para apreciar a coleção como fazíamos antes. Tive então que tomar uma decisão difícil: é hora de transferir aos outros o prazer de possuir estes tesouros?.

Prazer caro, ressalte-se. A jóia da coroa na Sotheby?s é uma escrivaninha de ébano atribuída a Joseph Baumhauer, no estilo Luís XVI, construída ao redor de 1770 e avaliada em alguma coisa entre US$ 5 milhões e US$ 7 milhões. Uma arca de estanho, cobre e ébano, com detalhes em marchetaria, supostamente de André-Charles Boulle, no estilo Luís XIV, do final do Século XVII, não sairá por menos de US$ 1 milhão (acompanhe as principais peças e suas cotações ao longo da reportagem). Os amantes da arte européia terão um catálogo cativante. ?Cada objeto da coleção tem sua personalidade?, diz Mario Tavella, chefe da divisão de móveis da casa de leilões. ?Há exemplares franceses, ingleses e anglo-indianos, além de pinturas magníficas, peças Fabergé e Tula, em um casamento luxuoso?.

Robin Woodhead, principal executivo da Sotheby’s para a Europa e Ásia, traduz a oportunidade para os caçadores de relíquia de outro modo. ?A venda revela um profundo conhecimento das artes, o discernimento de especialistas?, resume. Há um ponto de vista diferente, de cunho antropológico: um olhar atento serve de mergulho no gosto dos bilionários tradicionais, aqueles que em São Paulo seriam chamados de ?quatrocentões?. São pessoas que, segundo um estudo de dois sociólogos americanos de Harvard, recolhido pelo jornalista Gay Talese em uma de suas minuciosas reportagens, vivem de modo insólito, sempre atreladas ao chamado ?dinheiro antigo?. Não há modismo que lhes faça mudar de interesse, e o clássico sempre dominará os ambientes. São pessoas que, ainda apelando a Talese, e sobretudo entre as mulheres, por classe, conseguem falar em itálico e praguejar em francês. É o caso de saber como vive uma mulher de US$ 1 bilhão, de sentir um pouco do andar da carruagem de uma dinastia de banqueiros que remonta ao Império Otomano do Século XVI? Um bom caminho, raro, é acompanhar a oferta da Sotheby’s.

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O leilão ajuda a entender, também, por meio da decoração de interiores, a trajetória da superviúva. A imensa variedade de estilos e épocas parece reproduzir o nome completo da diva, Lily Watkins Cohen Monteverde Bendahan Safra. Watkins de nascimento, do pai, ricaço inglês do ramo de ferrovias. Cohen do primeiro marido, um argentino milionário da indústria têxtil. Monteverde do bilionário Alfredo Monteverde (nascido Greenberg) dono da rede de eletrodomésticos Ponto Frio. Bendahan do breve terceiro consorte. O zilhardário banqueiro Edmond Safra foi seu quarto marido. Quando ele morreu num incêndio em Mônaco em 1999, dentro de seu apartamento, trancado no quarto, em um evento para lá de estranho (o enfermeiro americano acusado de atear o fogo está na cadeia), Lily sentia o cheiro da tragédia pela segunda vez.

Em 1969, Monteverde matou-se com dois tiros no peito, ao fim de uma severa crise depressiva. No caminho, de um parceiro a outro, ela herdava as dores, as fortunas (tem 37% do capital do Ponto Frio, ou US$ 230 milhões) e, naturalmente, o que colecionava em comunhão de bens com cada um dos companheiros. Nas próprias palavras de Lily, eis o que vai a leilão em novembro: ?Desde os 17 anos, quando comprei minha primeira peça de arte, colecionar foi uma das grandes paixões da minha vida. Com meu falecido marido, Edmond, minha coleção original de Fabergé e Tula cresceu, e passou a incluir móveis e pinturas, preenchendo nossas casas na Europa e na América do Norte. Ela trouxe imenso prazer para nós, nossa família e nossos amigos ao longo de trinta anos?. Os dedos, insista-se, ficarão para contar a história de um naco da elite internacional, a velha, ambiciosa e boa elite ? os anéis vão-se, certamente para mãos do dinheiro novo. C?est la vie, em itálico e francês.

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De fato e ficção
Lily Safra tirou de circulação um romance sensacionalista
de evidentes semelhanças com sua vida

Lady Colin Campbell, de 55 anos, fez fama no Reino Unido ao escrever uma das mais ferinas biografias da princesa Diana. Tornou-se estrela, foi à televisão, ganhou muito dinheiro e ingressou no mundo agressivo dos tablóides londrinos. Em seu primeiro romance, ?Empress Bianca?, lançado recentemente, comprou briga com Lily Safra. A bilionária brasileira, por meio de seus advogados, entrou na justiça contra o livro. A alegação: Colin teria traçado um perfil difamatório da viúva de Edmond Safra, ao desenhar a história da personagem central, Bianca Barret, com situações parecidas às que Lily realmente viveu. Houve um acordo entre as partes, e a editora Arcadia Books tirou os volumes das livrarias. Acompanhe as diferenças e semelhanças da ficção e realidade:

O livro
? O quarto marido de Bianca, um banqueiro nascido no
Líbano, morre em um incêndio no paraíso fiscal de Andorra
? O segundo marido de Bianca é morto com um tiro por um homem que tenta fazer passar o assassinato por suicídio
? O primeiro filho de Bianca morre em um acidente de carro

A realidade
? O quarto marido de Lily, o banqueiro Edmond Safra, nascido no Líbano, morreu em um incêndio em Mônaco
? O segundo marido de Lily, Alfredo Monteverde, dono do grupo Ponto Frio,
matou-se com tiros no peito
? Lily Safra perdeu seu primeiro filho em um acidente automobilístico