02/08/2021 - 7:30
E se a atmosfera da Terra fosse enriquecida com CO2? Em 1856, a americana Eunice Foote experimentou, quase por acaso, as bases das mudanças climáticas, lançando os alicerces para as ciências que hoje procuram antecipar os efeitos do aquecimento global.
A cientista encheu cilindros de vidro com diferentes misturas de gases e descobriu que aquele contendo dióxido de carbono (CO2) retinha mais calor do que os outros.
“Uma atmosfera feita desse gás daria à nossa Terra uma temperatura elevada”, disse ela em seu relatório, publicado no The American Journal of Science and Arts.
Suas pesquisas coincidem com a data, 1850, que hoje serve de referência para calcular a evolução das temperaturas em relação ao período pré-industrial, como fazem os especialistas em clima da ONU e do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), atualmente reunidos.
Eunice Foote, cujos trabalhos foram recentemente redescobertos, faz parte da linha de pesquisadores que penetraram nos mistérios do clima e estudaram a influência humana em sua evolução.
“Não houve um momento ‘Eureka’ com uma figura dominante na ciência das mudanças climáticas”, mas sim um acúmulo de conhecimento, diz Alice Bell, uma ativista climática.
A ideia de “condicionar o ambiente para tornar o clima mais agradável existe há muito tempo”, explica Marie Hélène Pépin, do serviço meteorológico francês.
“Quando os romanos conquistaram a Gália, cortaram as matas para poderem plantar campos e cultivar a vinha”, acrescenta ela, como exemplo.
– Não é ficção científica, é física –
Desde a época de Cristóvão Colombo até o século iluminista, os colonizadores europeus justificaram o tratamento brutal dos nativos, “vistos como ‘menos do que os homens’ porque não sabiam como organizar seu ambiente”, continua.
Em 1821, após chuvas torrenciais, ondas de frio e escassez na França, foi realizado um estudo para saber se o desmatamento havia influenciado, sem se chegar a uma conclusão clara.
Anos depois, o físico francês Joseph Fourier “percebeu que a atmosfera desempenha um papel decisivo para evitar que o calor se disperse imediatamente no espaço”, relata o historiador Roland Jackson.
Por volta de 1860, o físico irlandês John Tyndall demonstrou o princípio do efeito estufa, quando os gases capturam a radiação do solo aquecido pela radiação solar.
Em dezembro de 1882, uma carta publicada na revista científica Nature fazia referência a seus trabalhos.
“Podemos concluir que o aumento da poluição do ar terá uma influência significativa no clima global”, resume a carta, assinada por H. A. Phillips, que estabelece a ligação entre as emissões das atividades humanas e as mudanças climáticas.
No final do século XIX, o químico sueco Svante Arrhenius, ancestral da ativista Greta Thunberg, alertava sobre o consumo de energia fóssil e sua influência no aumento de CO2 na atmosfera. À época, porém, os cientistas estavam mais interessados nas eras glaciais.
Na década de 1930, alguns até acreditavam que o aquecimento global moderado poderia ser uma coisa boa. Segundo Robbie Andrew, do Centro Internacional de Pesquisa Climática do CICERO, “eles não levaram em consideração que muda não apenas as temperaturas, mas também outros aspectos do clima”.
Em 1958, o programa de televisão americano The Bell Telephone Science Hour explicou que o CO2 emitido por fábricas e carros poderia aquecer a atmosfera e que isso afetaria a “própria vida”.
Mesmo assim, o medo de um resfriamento do clima ligado a uma eventual guerra nuclear e à poluição por aerossol ocupou as mentes até os anos 1980.
Em 1975, no artigo “Mudanças climáticas: estamos à beira de um aquecimento global pronunciado?”, publicado na revista Science, o pesquisador americano Wallace Broecker é o primeiro a usar esses termos na linguagem de hoje.
Com o passar do tempo, a ciência do clima se tornou mais avançada e teve de enfrentar o lobby da indústria para minimizar o impacto do consumo de combustível fóssil.
Com as consequências das mudanças climáticas cada vez mais visíveis, as sociedades devem agir, alertam os cientistas.
“É como se tivéssemos acordado em um filme de ficção científica. Mas não é ficção científica, é física”, resume o historiador Spencer Weart.