O que a Montblanc e a Unicef têm em comum? E a Hermès e a ONG brasileira Gol de Letra? Ou mesmo a Cartier e a Childhood Brasil? Algumas centenas de milhares ou milhões de dólares. Essas grifes de luxo compreenderam que não basta só vender produtos sofisticados, caros, ex-clusivos e lindos. Também têm de fazer ou promover o bem. E o retorno das práticas de cidadania tem sido compensador. Além do impacto positivo à sua imagem, a filantropia ajuda a turbinar as vendas e a incrementar os lucros. 

A ideia de que a  participação mais ativa na superação dos problemas da sociedade faz parte do receituário de responsabilidade social das empresas começou timidamente. Uma grife aqui, outra ali. E é difícil precisar quando e quem começou primeiro. Mas, hoje, a filantropia faz parte da estratégia de marcas que vendem de canetas a joias. Por exemplo, quem desembolsou R$ 3,8 mil para comprar a caneta Meister-stück 149 da Montblanc, em 2004, indiretamente colaborou com US$ 149 para projetos de alfabetização da Unicef, o fundo da ONU para a infância e a juventude. 

 

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Beleza caridosa: Sharon Stone, presença assídua no leilão beneficen-te da amfAR,

em Cannes, sempre leiloa o porta-joias que criou para a LV

 

Essa foi a quantia que a grife alemã de canetas, que em 2010 faturou cerca de 551 milhões de euros, repassou à instituição, para cada unidade vendida, numa iniciativa batizada de “Pelo Direito de Escrever”. Essa foi a primeira ação da Montblanc com a Unicef e resultou em US$ 847 mil aplicados em projetos que promoveram o acesso à leitura e à escrita a crianças carentes de todo o mundo.

 

Segundo Ingrid Roosen-Trinks, diretora internacional de assuntos culturais da Montblanc, a filantropia voltada para a educação faz parte do DNA e do compromisso cultural da marca. “Entendemos que a filantropia imprime um significado verdadeiro ao nosso sucesso como empresa”, afirma. 

 

Depois da campanha pioneira de 2004, outras duas foram realizadas. A última delas aconteceu entre 2009 e 2010 com a participação de duas estrelas do cinema, a americana Susan Sarandon e a francesa Catherine Deneuve, arrecadando US$ 4,35 milhões na venda da caneta Meisterstück e de algumas peças de joalheria e de couro da grife. Dessa quantia, US$ 190 mil foram destinados à representação da Unicef no Brasil.

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A caneta Meisterstück 149 é o símbolo de filantropia da Montblanc, ,

já que parte de sua venda é destinada a projetos da Unicef

 

“Escrever nos reveste de um poder e de uma liberdade que nada nem ninguém podem tirar”, disse Catherine à época de uma das campanhas da marca. “É essencial que a sociedade ofereça a todos este que é o maior dos prazeres.” Ela e Susan, assim como o escritor Ignácio de Loyola Brandão, no Brasil, emprestam com frequência sua imagem às ações da Montblanc contra o analfabetismo. “As empresas sabem que têm uma responsabilidade social a cumprir”, diz Brandão. “E isso é louvável quando se concretiza.” 

 

O uso da imagem de personalidades do cinema, da política e dos esportes é um recurso recorrente não só da Mont-blanc, que já teve entre seus apoiadores o ex-piloto de Fórmula 1 Emerson Fitti-paldi e o “pai” da perestroika, Mikhail Gorbachev, como também de outras marcas na divulgação das ações filantrópicas. O famoso monograma LV, da Louis Vuitton, atuou, em vários anos do festival de cinema de Cannes, ao lado da beleza e do carisma da atriz americana Sharon Stone na festa beneficente da amfAR – instituição dos Estados Uni-dos que arrecada fundos para o tratamento de pacientes carentes com Aids. 

 

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Pela propagação da escrita: a atriz Susan Sarandon ajuda a Montblanc a vender a caneta Meisterstück 149, pela Unicef

 

Além do porta-joias, criado pela atriz em 2001 que já teve pelo menos duas versões arrematadas por cerca de US$ 95 mil cada uma, também são leiloados shows de música, como o da australiana Kylie Minogue, joias da Bulgari e até beijos de astros e estrelas de Hollywood. Inclusi-ve Sharon Stone e George Clooney en-tregaram beijos leiloados em Cannes.

 

Além de patrocinar o baile de gala da amfAR, a Louis Vuitton já distribuiu sua generosidade à Cruz Vermelha. Para comemorar os 150 anos da instituição, em 2009, a grife organizou um leilão que arrecadou E 495 mil e, em 2010, também doou, via Cruz Vermelha, US$ 100 mil às vítimas do terremoto do Haiti. O monograma LV ajuda, ainda, a rede internacional de orfanatos SOS Children’s Villages, uma ONG austríaca que atua em 132 países, inclusive no Brasil, onde é batizada de Aldeias Infantis, entre outras organizações. 

 

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Louis Vuitton ajuda talentos: A badalada marca de bolsas patrocina curso de fotografia da ONG carioca Spectaculu

 

A marca que estampa algumas das mais cobiçadas bolsas do planeta acredita também na transformação das pessoas através da arte, da criatividade e da educação. “É um dos valores da nossa grife. Portanto, patrocinamos projetos que tenham esse foco”, diz Pietro Bec-cari, vice-presidente mundial de comunicação e marketing da Louis Vuitton. Entre esses projetos está o da ONG carioca Spectaculu, do cenógrafo e designer Gringo Cardia e da atriz Marisa Orth, em parceria com o artista plástico Vik Muniz. 

 

Em 2009, 21 pessoas, entre 17 e 24 anos, participaram do primeiro curso da Spectaculu, que incluiu aulas de filosofia e fotografia. Para 2011 a parceria foi renovada. “Seja ajudando a construir um playground para órfãos na Rússia ou mantendo um programa de bolsas escolares na China ou no Brasil, a Louis Vuitton demonstra quão comprometida é com a transmissão de seus valores e com a formação das pessoas”, diz Beccari. 

 

A consciência de ter o dever de ajudar ou a percepção de que é preciso mostrar que não são apenas máquinas de fazer dinheiro, focadas no lucro a qualquer preço (e bota preço nisso), parece ser, realmente, o que tem encaminhado as grifes para o mundo da filantropia.“Dependendo da maturidade do mercado, o cliente espera esse tipo de atitude da sua marca preferida de luxo”, diz Véronique Claverie, diretora de marketing da Cartier no Brasil. 

 

“Somos parte de uma comunidade e é natural que, de onde recebemos muito, temos que dar muito em troca.” A grife de joias e relógios que tem como símbolo de filantropia sua pulseira “Love”, cujas vendas, em um dia específico do ano, são destinadas a instituições de caridade, é parceira da Childhood Brasil, fundada pela rainha Sílvia, da Suécia. “Nosso foco hoje são a infância e o bem-estar da criança em todos os aspectos”, diz Véronique. 

 

Embora a maior parte das ações be-nemerentes seja devidamente utilizada pelo marketing das grifes, há quem prefira a discrição total ao fazer filantropia. É o caso da Fondation d’Entreprise Hermès, ligada à cultuada marca francesa de produtos de couro. No Brasil, a Hermès atua em conjunto com a Funda-ção Gol de Letra,  entidade criada pelos ex-jogadores da seleção brasileira de futebol Raí e Leonardo.

 

Os franceses mantêm, desde 2009, um contrato de três anos de patrocínio, no valor de 40 mil euros anuais, para todos os cursos de artes plásticas da Gol de Letra. Um desses cursos contemplou a revelação da instituição na área, o jovem Wesley Roque da Silva, 15 anos, morador do bairro de Vila Albertina, na periferia de São Paulo. “Desde os 9 anos ele está com a gente e, com a ajuda da Hermès, Wesley pôde aperfeiçoar suas habilidades em desenho”, diz Raí. Segundo ele, a instituição também recebeu ajuda da Cartier e da Lacoste para projetos esportivos. 

 

Descoberto pela artista plástica Vanessa Pedote, que trabalha em conjunto com a Gol de Letra, Wesley acabou escolhido para expor seu quadro Eu não penso, eu não falo, eu não sinto, pintado em 2009, no Salon Nationale des Beaux-Arts, em dezembro de 2010, no Carrousel du Louvre, em Paris. “Foi incrível! Nunca me imaginei sequer visitando o Louvre e, de repente, eu estava expondo no museu”, afirma o adolescente (leia mais no destaque). Graças a monogramas em couro, brilhantes em forma de animais e tintas de canetas exclusivas, outros “Wesleys” podem continuar sonhando e até mesmo realizar o desejo de se tornar alguém na vida.

 

 

Minha primeira vez no Louvre

 

Quando o garoto Wesley Roque da Silva pisou na Fundação Gol de Letra, aos 9 anos, já tinha uma queda pelas artes. Mas nem em seus sonhos mais fantásticos imaginava-se en-trando no Carrousel du Louvre, em Paris. Depois de seis anos se descobrindo como artista, nos cursos oferecidos pela instituição, foi onde Wesley acabou parando. 

 

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Entre os mestres: Wesley, ao lado de Vanessa, apresenta seu quadro (ao fundo) no Louvre, em Paris

 

Sua iniciação no mundo dos pincéis aconteceu com a artista plástica Vanessa Pedote, que ministrou uma oficina de artes visuais na fundação. Seu primeiro desafio foi pintar um quadro. “Nunca tinha tido contato com telas, pincéis e tinta acrílica. Mas o engraçado é que, depois desse curso, parecia que eu pintei minha vida toda”, diz ele, expressando-se com a segurança de um artista experiente. 

 

Foi em 2009 que a Hermès pediu à Gol de Letra que escolhesse entre os alunos alguém que se destacasse, para arcar com os custos de um curso de desenho. Wesley foi o escolhido. Enquanto ele se aprimorava, Vanessa viabilizou sua participação no Salon Nationale des Beaux-Arts, no Louvre. 

 

E foi assim que, em dezembro de 2010, o garoto carente, da Vila Albertina, em São Paulo, fã de Salvador Dalí, tornou-se o artista mais jovem a expor no mais importante espaço dedicado à arte do mundo. “Não vou decidir de uma hora para outra, aos 15 anos, o que quero fazer na vida. Mas essa minha ida ao Louvre me fez perceber que eu era um expositor, que eu fazia parte daquele universo.”