27/11/2002 - 8:00
Se toda a fortuna gerada por Harry Potter fosse parar nos cofres do Banco Gringotes, os gnomos que administram a instituição financeira da cidade fictícia de Hogwarts abandonariam o mau humor e abririam um enorme sorriso no rosto. Aos 11 anos, o bruxo magricela e desengonçado criado pela inglesa J. K. Rowling consegue fazer a mágica da multiplicação dos lucros. Foram mais de 120 milhões de livros vendidos em 46 línguas e 200 países ? só no Brasil, 1 milhão. O quarto volume da série, ?Harry Potter e O Cálice de Fogo,? debutou em 2000, com a maior tiragem da história da literatura: 5 milhões apenas na primeira edição. Mais de US$ 200 milhões foram parar nas mãos da editora americana Scholastic. Outros US$ 500 milhões foram estimados em vendas de brinquedos do menino bruxo. Em novembro de 2001, a primeira adaptação para as telas de ?Harry Potter e a Pedra Filosofal? abocanhou a segunda bilheteria da história do cinema, com US$ 926 milhões. E… quando tudo parecia esgotado no mundo mágico de Hogwarts, o conto de fadas conquista mais um recorde no universo dos ?trouxas? ? ou adultos não iniciados, na linguagem de Potter. Das varinhas de condão do menino bruxo vem aí uma nova poção mágica de arrepiar a audiência: o segundo longa, ?Harry Potter e a Câmara Secreta?. O filme estreou na sexta-feira 22, em 530 cinemas do País. Se repetir os feitos mundiais ? no primeiro fim de semana nos Estados Unidos arrecadou US$ 87,7 milhões ?, o personagem já pode ser considerado o mais valioso coelho tirado da cartola da Warner Bros, a unidade da gigante AOL Time Warner, que possui os direitos de adaptação do livro e do franchising. Qual o tamanho do patrimônio deste garoto de 11 anos e seus amigos Rony e Hermione? ?Está entre as cinco maiores propriedades da companhia hoje?, garante à DINHEIRO Grant Bresser, vice-presidente internacional da WB Consumer Products, sem revelar os números, um segredo de Estado da companhia. ?Mas é muito mais significativo do que o Mickey Mouse foi para a Disney um dia.? Não é pouca coisa. Uma avaliação da consultoria americana Interbrand demonstrou que a marca Disney vale US$ 29,3 bilhões ? boa parte disso por conta do ratinho centenário.
Por trás do sucesso deste conto de fadas moderno que arrebata crianças do mundo todo ? e, por que não dizer, adultos também ? há dois nomes a ser idolatrados. Um é óbvio: Joanne K. Rowling, uma inglesa de 37 anos, ex-professora primária, que rabiscou sua série de livros em guardanapos de um café escocês. Recusada nove vezes por editoras, finalmente convenceu um falido editor inglês, Christopher Little, a comprar o primeiro volume da série em 1997, pela pechincha de US$ 700 mil. Além de celebridade, tornou-se hoje uma milionária, com fortuna estimada em US$ 300 milhões. De outro lado, está a Warner Brothers, cujo desafio foi tirar a imaginária cidade de Hogwart dos livros. Em novembro de 2001, nas mãos da produtora de cinema, Harry Potter invadiu as telonas. Com a mais cara campanha publicitária da Warner Bros no mundo ? apenas no Brasil foram investidos R$ 5 milhões ? o filme estourou. Em maio, chegou às telinhas, com DVDs e VHSs. As fitas já estão na categoria das mais vendidas nos últimos cinco anos no País. Com os DVDs, a lógica se repete. ?Fizemos um recorde de vender 160 mil DVDs em um único mês?, comemora Francisco Feitosa, diretor-geral da WB Cinema do Brasil. E mais: permitiu que crianças do mundo todo pudessem escovar os dentes com as escovinhas do herói, dormir em seus lençóis, ir para a escola com seus cadernos, lavar os cabelos com seus xampus, tomar os refrigerantes que o bruxo tomava, brincar com os jogos do bruxinho… Em outras palavras: responsável por extrapolar o universo mágico de Hogwart para qualquer canto deste planeta. Só no Brasil, a Warner Bros quadruplicou os pontos-de-venda dos produtos com o personagem.
Coca-Cola. Não à toa, qualquer grande empresa quer ficar perto deste campeão de vendas. Antes mesmo do primeiro longa, a gigante de bebidas Coca-Cola assinava um acordo para usar as imagens de Potter em seus refrigerantes e sucos de fruta. Em contrapartida, doava milhares de livros em 30 países. O acordo é estimado em US$ 150 milhões ? o que pagaria o orçamento da superprodução. Para este segundo longa, a parceria se manteve. Nos Estados Unidos, todas as embalagens de Coca-Cola vão conter cartões para colecionar. Os consumidores podem ganhar prêmios, como viagens para Londres, a terra de Harry. ?Não podemos avaliar este tipo de campanha apenas em aumento de vendas?, explica à DINHEIRO Kelly Brooks, porta-voz da Coca-Cola em Atlanta. ?Mas ela certamente foi significativa porque conseguiu despertar nos jovens e crianças o interesse pela companhia.? Os grandes contratos mundiais contam ainda com a gigante de doces Mars e as duas maiores fabricantes de brinquedos do mundo, Hasbro e Mattel. Para não abrir mão da febre Harry Potter, esta última prometeu 15% dos lucros líquidos para a Warner Bros e garantiu royalties de, pelo menos, US$ 20 milhões. Brinquedos com a carinha dos personagens e cenas dos filmes já fazem a festa da Mattel. Do centro de design da empresa, em Los Angeles, saíram algumas dezenas de brinquedos do personagem: bonecos colecionáveis, jogos baseados na aula de levitação e nas cenas em que Harry escapa da cobra. No Brasil, seis itens estão à venda. ?Até o Natal, a linha Harry Potter deve representar 1% do faturamento da companhia por aqui?, conta Cristina Lara, gerente de marketing da Mattel.
?É uma das maiores propriedades de licenciamento de todos os tempos?, avalia Marcus Macedo, gerente-geral da Warner Bros do Brasil. Com isso, todo mundo ganha dinheiro. A Warner Bros concede licenças em todos os setores. Um porcentual de vendas líquido ? que varia de 1% a 14% ? vai para as mãos da empresa e outra parte é repassada à autora. O negócio cresceu tanto que a Warner designou um vice-presidente específico para cuidar de sua mais nova mina de ouro. Com o segundo filme, toda essa força volta à tona. ?Vai ser ainda melhor que o primeiro ano?, revela Macedo. A rede de cinemas UCI está aí para provar. Com base nos números do ano passado ? quando o filme do bruxo fez R$ 24 milhões em bilheterias ?, a rede resolveu fazer a venda antecipada de ingressos. Desde 1º de novembro, está negociando as entradas via internet ou nas bilheterias. ?Devemos chegar a 15 milhões de ingressos antecipados?, adianta José Carlos Oliveira, diretor da UCI.
Best-seller. Otimismo semelhante é dividido entre os licenciados. ?Harry Potter virou a grande vitrine para nossos negócios?, garante Luiz Henrique Pereira, presidente da Regina Festas, empresa brasileira que fatura R$ 90 milhões vendendo produtos como chapeuzinhos e enfeites de aniversário. Depois de uma negociação de três meses, ele conseguiu fazer de Harry uma de suas 40 linhas de produtos. As vendas estouraram. ?Ele é 10% de nossas receitas com licenciados?, diz o empresário, que tem entre seus personagens nomes como Meninas Super Poderosas, Scooby Doo e toda a turma Disney. Para a continuação da saga, a Regina dobrou sua produção mensal de produtos com a carinha do bruxo. A Lego, criadora dos brinquedos de construção mais vendidos do mundo, também quer aproveitar a febre para lançar produtos. Até agora, tinha uma linha resumida, de nove brinquedos. ?As novidades deste filme começam a chegar em 2003?, diz Robério Esteves, diretor da marca no Brasil. ?A linha representa 6% das receitas da Lego por aqui.?
Quando o assunto é livro, a autora é quem negocia com as editoras. Seu agente literário, o inglês Christopher Little, fecha contratos dos EUA à Ucrânia. No Brasil, eles chegaram pelas mãos do experiente editor Paulo Rocco e já venderam 1 milhão de cópias. Em outubro de 1997, quando o agente inglês surgiu com a oferta de Harry Potter, Rocco achou o preço alto e arriscou: em troca de um desconto, compraria não apenas os direitos do primeiro, mas também do segundo título da série, ainda em fase de produção. Na época, o livro estava longe de se tornar um fenômeno mundial. O agente aceitou a proposta. ?Era um bom livro, mas jamais poderia prever o mega-sucesso de vendas?, comemora Rocco, uma espécie de bruxo do mercado editorial que descobriu potes de ouro, como o brasileiro Paulo Coelho e o norte-americano John Grisham. Além dos quatro livros da saga, ele também edita as duas obras que a autora escreveu com pseudônimos: o Quadribol através dos séculos, que conta a origem do jogo preferido dos estudantes de bruxaria, e Criaturas Fantásticas e seu Habitat, um verdadeiro compêndio técnico sobre os bichos do mundo imaginário. Os adultos e executivos estão aprendendo agora, o que as crianças já sabiam: não há lugar melhor para viver do que em Hogwarts.
FEBRE EDITORIAL
Quando acertou o contrato de licenciamento com Christopher Little, agente literário da escritora J.K. Rowling, o brasileiro Paulo Rocco (foto) ? dono da editora que leva seu nome ? nem sonhava que aqueles livros do bruxinho poderiam se transformar em mina de ouro. O episódio ocorreu em 1997. Hoje, o empresário agradece aos céus por ter dito sim ao agente literário. Já vendeu 1 milhão de livros de Potter no Brasil.