Senhoras e senhores… neste canto do ringue, com 35 quilos, 780 páginas, 50 cm em cada um dos lados e preço de capa de R$ 15.900, o campeão mundial dos pesos pesados entre os livros de arte: GOAT, A Tribute do Muhammad Ali. Produzido pela alemã Taschen, editora de belos volumes de luxo, GOAT é o acrônimo de Greatest of All Time, o maior de todos os tempos, homenagem ao pugilista que transformou a lona em palco político, o negro que se aliou a Malcom X e trocou o nome de batismo Cassius Clay por outro, muçulmano. Se fosse necessário indicar um único homem para representar os anos 60, tempo em que as idéias velhas foram à lona, feridas pelo Black Power e pelo Paz&Amor, ele seria Muhammad Ali. ?Quisemos construir um monumento editorial em sua homenagem?, diz Benedikt Taschen.

A edição, com tiragem inicial de 10 mil exemplares, é autografada pelo próprio Ali. São 3 mil fotografias de 150 profissionais ? boa parte delas inédita. Os textos foram escritos por monstros do jornalismo e da literatura como Norman Mailer e ícones como Nelson Mandela. O conjunto vem numa caixa que, aberta, tem quase o tamanho de uma mesa de ping-pong. Um lote exclusivo de 1 mil unidades, acompanhadas de uma escultura do artista plástico Jeff Koons, aquele que um dia se casou com a porno-deputada italiana Cicciolina, custará quase o dobro do preço: US$ 7.500. GOAT teve o tratamento destinado às obras primas. Foi impresso na gráfica do Vaticano, a única do mundo com recursos para imprimir em papel de qualidade nessas dimensões, como se estivesse tirando do prelo antigas bíblias com iluminuras. O tecido rosa que embrulha a capa, numa referência à cor do primeiro Cadillac de Ali, foi costurado na Louis Vuitton. ?Gastamos 10 milhões de euros na produção do livro?, disse à DINHEIRO María Eugenia Mariam, da Taschen.

GOAT está para o mercado editorial como Ali esteve para os ringues ? é o maior de todos, para usar a expressão iconoclasta e arrogante que o campeão brandia para se autodefinir e que empresta o título ao livrão. Ele é imbatível. No ano passado, o MIT lançou Butão: Uma Odisséia Virtual através do Reino. Tem 60 quilos, custa US$ 10 mil, 2,13 metros x 1,52 metro, mas perde num quesito para GOAT: ostenta meras 114 páginas.

A compra de exemplares do cartapácio de Ali será feita mediante encomenda. Na semana passada, a livraria Cultura do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, recebeu um protótipo da obra em tamanho original. Um jovem com pouco mais de 20 anos a viu do lado de fora da vitrine. Encostou o rosto no vidro, a ponto de embaçá-lo, e correu para folhear a peça. Espantado, soltou um palavrão de sete letras como os desferidos pelo Zé Pequeno do filme Cidade de Deus. E desferiu a pergunta: ?Por que não fazem um desses com Pelé??. O escritor José Castello, que acaba de lançar Pelé ? Os dez corações do Rei, tem um conjunto de explicações. ?Pelé foi injustamente associado com as barbaridades da ditadura militar, que o utilizou depois do tricampeonato mundial de 70?, diz. ?Mas o principal problema é o racismo, o preconceito brasileiro não permitiria um rei negro. Imagine se o Pelé fosse branco como o David Beckham?. O livro de Castello pesa pouco mais de 200 gramas, mas, pela qualidade da prosa, emocionante e precisa, tem, ao menos metaforicamente, os mesmos 35 quilos de GOAT. Perde num aspecto ? o estético ? e isso faz toda a diferença quando se trata de livros para pôr na sala de estar.

 

O brasileiro, o atleta do século, um mito ainda hoje capaz de interromper guerras, não soube se transformar num ícone político como Ali, em parte porque não nasceu nos Estados Unidos. O bailarino do boxe entendeu o mundo em que vivia, de modo a refleti-lo em todos os seus gestos. Jogou a medalha de ouro que ganhara nas Olimpíadas de Roma num rio, ofendido com uma garçonete que se recusara a servi-lo por causa da cor da pele. Em 1967, recusou o alistamento no Exército. Alegara motivações religiosas, convertido ao islamismo, mas na verdade combatia a intromissão americana no Vietnã. ?Não tenho nada contra os vietcon-
gues?, disse, mesmo ameaçado de cassação do cinturão. Naquele tempo, num Brasil mergulhado na ditadura militar, com um presidente que em 1970 aproveitou-se do tricampeonato, Pelé apenas jogava futebol.

Ali virou lenda. GOAT tem o seu tamanho. Folheá-lo dá a impressão descrita por Norman Mailer no livro A luta, o épico relato da disputa pelo título dos pesados entre Ali e George Foreman, no Zaire, em 1974. ?Há sempre um choque quando o vemos de novo. Não ao vivo, como na televisão, mas diante de nós, em pessoa, na sua melhor aparência. Quando isso acontece, o Maior Atleta do Mundo enfrenta o risco de ser o mais belo e, então, o vocabulário de seus adeptos surge em sua grandeza. As mulheres suspiram sonoramente. Os homens baixam o olhar, diminuídos, lembrados de sua falta de mérito.?