Para o executivo e especialista em formação de gestores, as companhias que tratarem de forma igual pessoas que são diversas irão perder sua capacidade de atrair e manter bons profssionais.

Como presidente da plataforma de educação corporativa HSM e coCEO da SingularityU Brazil (braço brasileiro da Singularity University, criada no Vale do Silício), Reynaldo Gama tem acompanhado com atenção as transformações em curso no mercado de trabalho no País. Segundo ele, o cenário pós-isolamento social, causado pela pandemia desde 2020, é altamente desafiador para empresas e líderes de equipes. O home office, a digitalização de processos antes analógicos e artesanais e a disputa dos mesmos talentos pelas empresas brasileiras e estrangeiras impõem uma mudança drástica na forma como recrutar, administrar e reter equipes. E a questão não se limita a oferecer um bom salário. A remuneração, segundo ele, perdeu importância diante de temas como qualidade de vida, alinhamento de propósito e ambiente de trabalho. A seguir, os destaques da entrevista.

DINHEIRO – Passadas as eleições e com a definição do governo que comandará o País a partir de 2023, qual o clima entre executivos e empresários na área de desenvolvimento e qualificação de talentos?
REYNALDO GAMA – Houve um crescimento muito grande no interesse por ferramentas de qualificação. É um olhar educacional para dentro das empresas. Com todos os que conversamos sobre a questão da formação de profissionais há um clima de otimismo. Está crescendo o número de empresas que investem em capacitação e desenvolvimento. Então, 2022 foi um ano superimportante. Ficou muito claro para as companhias que não há como crescer sem que haja um planejamento muito bem definido em treinamento e desenvolvimento.

O problema crônico de carência de mão de obra qualificada está diminuindo?
Não está diminuindo. Está diferente. Antes, o grande desafio das empresas era encontrar profissionais qualificados para qualquer nova atividade ou tecnologia. Isso criou um grande obstáculo para o crescimento dos negócios, especialmente nas áreas de tecnologia. Hoje há profissionais muito bem qualificados para quase tudo, mas ainda em quantidade abaixo da demanda das empresas. O problema já não é contratar. O problema é conseguir reter esses profissionais.

Então o turnover está muito alto?
Com certeza. As empresas têm investido muito em seleção, capacitação e formação, mas o desafio maior é a retenção. O mercado de trabalho virou um grande jogo de rouba-monte. Isso acontece principalmente com os talentos mais experientes. Quando o funcionário está plenamente qualificado, o concorrente o leva embora. Então, mais importante do que formar e qualificar, é garantir formas para que ele fique. Sem modelos de retenção, as empresas vão enfrentar o mesmo ciclo de problemas.

“O mercado de trabalho virou um grande jogo de rouba-monte. Isso acontece principalmente com os talentos mais experientes” (Crédito:Istock)

Essa realidade está inflacionando o mercado de salários?
Sem dúvida tem havido um inflacionamento intenso dos salários. Mas, pelo que tenho ouvido e observado nas empresas, a retenção não depende mais apenas de oferecer uma boa remuneração.

Como reter talentos, então?
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. É como a dúvida do ovo e da galinha. No primeiro semestre, nós da HSM ajudamos a qualificar mais de 50 mil pessoas de médio e alto escalão, os C-levels. E o que sempre dizemos a esse comando é que a retenção ou desenvolvimento é uma jornada, é algo contínuo. Se não houver transparência na relação entre as empresas e seus talentos, com alinhamento de propósito, nenhum bom salário vai convencer o funcionário a ficar. É uma equação difícil.

Além de salário, transparência e alinhamento de propósito, o que mais essa equação precisa ter?
Muito diálogo. As empresas e os gestores de equipes precisam entender o momento de cada um dos funcionários de seu time. Tem gente que não quer ser promovido. Outros não querem mudar de função. Vejo que tem muito profissional que fica frustrado e insatisfeito por recusar promoções. Às vezes pedem demissão porque ficam até constrangidos. Alguns também estão querendo mudar de área, querendo fazer uma transição de carreira. Então, gestão de pessoas não é mais RH, com aquela frieza e impessoalidade dos velhos métodos de Recursos Humanos. Líderes de equipes precisam rever conceitos ultrapassados. As empresas estão passando por esse restyling.

Mas ainda são poucas as empresas que têm esse perfil de liderança, não?
Sem dúvida. Estamos vivendo um momento inédito no mercado de trabalho. Aquilo que não funcionava havia dois anos e que funciona hoje pode não funcionar mais daqui a um ano. E como não existe especialista em coisas inéditas, as empresas e seus líderes têm de se adaptar de forma rápida. A gente está numa fase de desaprender e reaprender. Estamos desaprendendo muita coisa que não faz mais sentido. CEOs e gestores que não mudarem seus velhos conceitos vão perder seus talentos.

Isso tem acontecido com mais velocidade depois da pandemia?
Muito. Tenho visto diversas empresas perderem profissionais incríveis por exigir o retorno do trabalho presencial nos escritórios. Isso acontece inclusive com empresas grandes, como a Apple. É evidente que em algumas atividades o trabalho 100% remoto não é possível, como é o caso das áreas comerciais. Aí tem de haver o almoço de relacionamento, o cafezinho, a visita à empresa do cliente, o contato olho no olho. Mais presencialidade. Mas em muitas outras áreas, como as de desenvolvimento, programação, comunicação e marketing, entre muitas outras, não faz muito sentindo impor trabalho presencial. Mais cedo ou mais tarde, vão perder seus melhores funcionários.

Tratar funcionários de formas distintas pode criar novos problemas para as empresas, como conflitos internos e insatisfação de quem se sentir injustiçado?
É curioso que as empresas têm falado tanto da importância de ter mais diversidade em seus times, mas quando chega a hora de olhar para a individualidade de cada um, algumas delas deixam a diversidade de lado. Não dá para pasteurizar o tratamento dos funcionários. A diversidade dos times exige do líder diversidade de tratamento.

“Tenho visto empresas buscando soluções para não perder seus melhores profissionais. Eles não querem se submeter à velha rotina dos escritórios” (Crédito:Istock)

Mas se uma empresa quer reter um funcionário e ele não quiser frequentar o escritório…? Como resolver o impasse?
Tenho visto muitas empresas buscando soluções para não perder seus melhores profissionais. Na pandemia, muitos funcionários se mudaram para o interior. E eles não querem, e não precisam, se submeter à velha rotina dos escritórios, por questão de qualidade de vida ou de custo mesmo. E algumas empresas, principalmente multinacionais, estão até pagando um motorista para levá-lo e buscá-lo quando houver necessidade de uma reunião presencial. Então, é essa adaptabilidade que funcionários e empresas precisam ter.

Como está a disputa de profissionais brasileiros por empresas no exterior?
A concorrência continua aquecida, tanto para os que querem morar no exterior quanto para aqueles que desejam ganhar em dólar ou euro e ter custo de vida em reais, no Brasil. Esse é um ponto de grande desafio para as empresas que precisam ter os melhores em seus times. A concorrência agora é global.

Antes se falava mais em atrair profissionais superqualificados, mas recentemente a busca por soft skills tem ganhado força. Por quê?
Esse é um ponto fundamental. É um resumo de tudo o que estamos falando. Em nossos cursos de formação executiva temos chamado soft skill de essencial skill. São habilidades essenciais para a sobrevivência e sucesso das empresas e de seus líderes. Não tenho dúvida de que essa é hoje a maior demanda das empresas. Nunca abordamos tanto a necessidade de se ter uma atenção especial a questões como excesso de trabalho, burnout e resiliência. A liderança precisa ter inteligência emocional para conduzir seus times e suas empresas. O mundo e os comportamentos estão mudando bastante. Há necessidade de atualização constante.