Como as letras das músicas de Carlos Gardel (1890-1935), o mais famoso cantor de tango da história, a economia argentina parece viver um drama sem fim. Nem mesmo a troca de governo, em dezembro deste ano, traz algum alento ao futuro social e econômico do país, que enfrenta uma inflação de 115,2 em 12 meses — a maior em 30 anos — e um vertiginoso aumento da pobreza, que hoje atinge 42% da população. Pelas contas do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), o núcleo da inflação (principais itens da cesta que compõe o índice) se aproximou de 130% em julho.

Por tudo isso e mais um pouco, o legado do atual presidente, Alberto Fernández, será uma economia arrasada e endividada. No domingo (23), o Ministério da Economia da Argentina e o Fundo Monetário Internacional (FMI) assinaram um acordo inicial sobre a renegociação da dívida do país e um crédito de US$ 44 bilhões.

O pacote de ajuda da entidade será dividido em duas partes, entre agosto e novembro. “O referido acordo visa consolidar a ordem fiscal e fortalecer as reservas, reconhecendo o forte impacto da seca, os prejuízos às exportações e às receitas fiscais do país”, informou o governo, em nota publicada no Twitter.

O socorro do FMI aos argentinos agrava o cenário de longo prazo do País mas, como em toda operação de empréstimo para endividados, resolve os problemas de curto prazo. O país sofre com reservas internacionais escassas (menos de US$ 34 bilhões) e desvalorização acentuada do peso argentino, enquanto o governo e o Banco Central argentino implementam medidas para tentar regularizar a economia e a dívida pública do país.

Nos últimos anos, a Argentina chegou a fechar um acordo com o FMI ainda no governo de Mauricio Macri, em 2018, no valor de US$ 50 bilhões, também de decorrência de dificuldades fiscais. Em março de 2022, o presidente Fernández fez uma renegociação deste acordo com o fundo, no valor de US$ 45 bilhões.

Mesmo assim, o país quase deu calote. No início de julho, sem reservas líquidas em dólares e devendo a investidores privados, a Argentina negociou com o FMI o pagamento de todas as suas parcelas de julho.

A medida é prevista nos acordos com o FMI e por isso não é considerada atraso, mas aponta dificuldade do governo em obter mais dinheiro em meio à crise.

Como parte do acordo com o FMI, a Argentina fará uma série de alterações em algumas cotações de dólar essenciais para o país, numa tentativa de conter a saída de moeda estrangeira.

Em entrevista ao canal C5N, o ministro da Economia, Sergio Massa, disse que a negociação irá garantir dólares suficientes para que o governo consiga cumprir todas as obrigações financeiras até o fim deste ano.

Massa destacou que, como contrapartida ao acordado com o FMI, o BC da Argentina deverá implementar um plano de arrecadação de dólares para estabilizar a economia.

“O governo argentino está tomando as medidas necessárias para ajustar sua economia e estabilizar os mercados.”
Kristalina Georgieva, c
hefe do FMI

Mais imposto

Uma das principais medidas a ser adotada será a cobrança do Imposto Para uma Argentina Inclusiva e Solidária (PAIS), de 30% sobre algumas importações, com o propósito de evitar a saída de moeda americana do país. Com a alteração, o dólar para compras no exterior passará a ser cotado a 350 pesos (R$ 6,10).

A chefe do FMI, Kristalina Georgieva, disse depois de sua última reunião com representantes da Casa Rosada que o “governo argentino está tomando as medidas necessárias para ajustar sua economia e estabilizar os mercados.”

No entanto, Raphael Leite Corrêa, economista-chefe da corretora Ripio, afirma que as medidas do acordo visam evitar uma corrida cambial, ao mesmo tempo em que implicam numa desvalorização encoberta do peso argentino.

De uma maneira muito prática: toda vez que uma pessoa compra o dólar na cotação oficial, ela estará pagando 30% do imposto PAIS sobre o preço base. “Com essa medida, Sergio Massa está desvalorizando o peso argentino para honrar as expectativas e o acordo com o FMI. Ao mesmo tempo, ele visa estimular a economia interna, quando ele torna mais caro os produtos de fora da Argentina”, afirmou o economista.