Uma aposta certeira contra a alta do dólar e a favor da valorização dos títulos públicos deu ao Banco Central o resultado mais espetacular já registrado na economia brasileira. O lucro de R$ 24,181 bilhões no primeiro semestre bateu o recorde nacional que pertencia, desde 2000, à Petrobras, com R$ 14,817 bi no ano. Comemorado discretamente pelo governo, o desempenho foi divulgado na quarta-feira 27, dois dias antes da publicação integral do balanço da instituição. O principal motivo para a antecipação foi o de que o número atende à estratégia oficial de injetar ânimo na economia. De um lado, sublinha os efeitos positivos da desvalorização de 18,7% do dólar frente ao real entre 30 de dezembro (R$ 3,53) e 30 de junho
(R$ 2,87) ? e mostra que a autoridade monetária não estava com suas posições expostas em moeda americana. De outro, reflete os efeitos da queda de 645 pontos no risco-País no mesmo período (de 1.446 para 801), com a elevação no valor dos títulos públicos. Neste aspecto, prova que o BC soube preservar em sua carteira títulos comprados desde o ano passado, quando o mercado os rejeitava e os preços, por isso, eram menores. O lucro também é importante para o governo pelo contraste com o prejuízo de R$ 17,193 bi sofrido pelo BC no último ano da administração anterior.

Contados a partir da quarta 27, o BC tem dez dias úteis para
enviar ao Tesouro Nacional 75% do lucro obtido no primeiro semestre (R$ 18,135 bilhões). O dinheiro servirá para o abatimento da dívida pública federal, atualmente em R$ 690 bilhões. Os outros 25% ficarão em poder do próprio banco, engordando suas reservas. Na diretoria do BC, o resultado é comentado com discrição. Procura-se, a todo custo, evitar a imagem de que a autoridade monetária busca lucros em primeiro lugar ? e não preservar o poder de compra da moeda nacional e a saúde do sistema financeiro. Por isso, o presidente Henrique Meirelles não quis fazer declarações, enviando auxiliares para contar a novidade simultaneamente ao anúncio de recolhimento da praça de velhas moedas de R$ 1. ?A atuação do BC não pode ser vista pelos resultados, porque o objetivo, aqui, não é o lucro?, disse à DINHEIRO o chefe do Departamento de Administração Financeira, Jefferson Moreira.

Visto em detalhes, o lucro total do BC foi conseguido em sua maior parte pela operação diária com R$ 300 bilhões em títulos emitidos pelo Tesouro. Esse trabalho rendeu R$ 17,642 bilhões no semestre. Noutra frente, os ganhos foram conseguidos em razão de trocas com investidores privados de títulos atrelados à variação do dólar, as chamadas operações de swap. Esses contratos são feitos como tentativa de conter a desvalorização do real. O BC aceita pagar a diferença do câmbio entre datas previamente acertadas com os investidores e, em troca, recebe do mercado juros pré-fixados. Amealhando R$ 15,6 bilhões a favor nestas operações, o BC ganhou do mercado de goleada. Mais ganhos foram obtidos com os juros. Na diferença entre as taxas cobradas pelo banco ao mercado e as que ele aceitou pagar em suas operações, nova vitória da turma de Meirelles ? e mais R$ 3,688 bi em caixa. Na coluna de perdas, o BC viu as reservas internacionais se reduzirem no momento da conversão em reais. O motivo foi a desvalorização do dólar. Estimadas em US$ 47 bilhões, elas emagreceram, quando transformadas em reais, R$ 9,8 bi. Entre a soma dos lucros e a subtração do prejuízo contábil com as reservas chega-se aos históricos R$ 24,181 bi.

?O lucro mostra que a política econômica de resgate da confiança no Brasil e apreciação do real está corretíssima?, reagiu o ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira. ?E tudo isso, graças a Deus, sem heterodoxia. Palocci está de parabéns?. Para o professor de Finanças Internacionais da Fundação Getúlio Vargas Rogério Sobreira, o mérito está no próprio banco. ?A performance é realmente surpreendente?, diz ele. ?Revela a faceta de uma autoridade monetária que busca ser lucrativa para ajudar o governo a fazer caixa.? Não se encontra em outros bancos centrais termos de comparação com o resultado do BC brasileiro. Muitos nem divulgam balanços. Outros, em países com baixas taxas de juros, operam com títulos desindexados e fecham balanços com resultados nada espetaculares. Aqui, 66% dos títulos que circulam no mercado estão atrelados à taxa Selic. Este ano, o BC subiu os juros para até 26,5%. E aí também ? e muito ? saiu ganhando a partir da valorização dos papéis.