31/07/2002 - 7:00
DINHEIRO ? Muitas pessoas reclamam da importância que
o marketing ganhou na política. Um marqueteiro pode ganhar uma eleição? Um candidato a presidente deve usar as mesmas técnicas de marketing de venda de um refrigerante?
PHILIP KOTLER ? Marketing é uma atividade que pode ser usada para vender qualquer coisa, de produtos e serviços a experiências e idéias. No último caso, atletas e estrelas de cinema são vendidos, com técnicas de marketing, como marcas de sabão. Políticos sempre foram vendidos com técnicas de marketing. Eles caçam manchetes, beijam bebês, atendem a festas sem fim e contratam agências de propaganda para moldá-los para que se tornem produtos desejáveis. Hoje, o marketing político cresceu em sofisticação e envolve dar conselhos aos candidatos sobre o que vestir, onde falar, o que dizer (e o que não dizer), com quem ser visto e daí em diante. É feita uma sintonia fina para cada exposição pública do candidato. Tudo faz parte de um script, assim como a embalagem e a posição na gôndola de um produto. Eu não sei se isso pode ser contido ou evitado. Presumivelmente, num sistema democrático cada partido está fazendo isso e há um certo nivelamento dos efeitos. No entanto, a preocupação real é que a eleição vá para o partido com o maior orçamento de marketing, não com o melhor candidato.
DINHEIRO ? Há algum conflito ético
para um marqueteiro trabalhar com
um candidato?
KOTLER ? Profissionais de marketing enfrentam questões éticas todo o tempo. Eu, pessoalmente, já recusei fazer marketing para companhias que produzem cigarros ou armas. Mas alguns homens de marketing que acreditam nos direitos das pessoas de fumar ou carregar armas vão se sentir muito éticos em ajudar essas companhias. Se eu acredito na qualidade de um determinado candidato, eu não teria problemas para fazer marketing para essa pessoa. Embora muitos profissionais de marketing vendam os serviços para qualquer candidato, acreditem ou não nele, em geral a atividade funciona como o Direito. Um profissional de marketing trabalha com um candidato da mesma maneira que um advogado defende um caso, ou um cliente, se ele acredita em
seus méritos.
DINHEIRO ? No seu novo livro, o sr. trata dos novos problemas enfrentados pelas empresas. Qual é o maior desafio para
as companhias hoje em dia?
KOTLER ? Praticamente todas as indústrias sofrem o problema de excesso de capacidade de produção. A indústria automobilística mundial poderia, provavelmente, produzir 30% a mais de carros sem construir uma nova fábrica sequer. Esse excesso de capacidade de produção é o resultado do otimismo exagerado das empresas sobre as perspectivas da economia e sobre sua própria capacidade de ganhar mercado. Muitas companhias planejam 10% em aumento de vendas, mas o mercado total para o produto delas está crescendo só 3%. Quando isso ocorre, o resultado é excesso de capacidade e hipercompetição. Hipercompetição só pode resultar em preços em queda. Para se defender da hipercompetição, as principais estratégias das companhias incluem construir uma marca reconhecidamente superior, desenvolver consumidores mais leais que poderão pagar um preço mais alto pela mercadoria e adquirir ou se fundir com outras companhias para racionalizar o suprimento.
DINHEIRO ? Agora que estourou a bolha especulativa das
empresas de tecnologia, muitos especialistas dizem que a
chamada Nova Economia era uma ilusão. Seu novo livro é
dedicado às estratégias para se adaptar às mudanças trazidas pelas novas tecnologias. O que era realidade e o que era ilusão
na Nova Economia?
KOTLER ? Toda economia é uma mistura de elementos novos e velhos, resultando numa economia híbrida. A internet trouxe novas possibilidades revolucionárias em comprar, vender, comunicar, aprender, recrutar, treinar e entreter. As companhias não só têm novos canais de vendas com os sites e e-mails, mas também podem criar links na internet com os empregados, com os distribuidores, com os comerciantes e com os fornecedores, promovendo uma substancial economia de custos e um aumento na eficiência e na velocidade dos negócios. Consumidores podem fazer coisas que eles nunca poderiam na velha economia, incluindo pesquisar ofertas competitivas na internet, fazer encomendas sete dias por semana, 24 horas por dia, conversar com outros consumidores sobre produtos e marcas e daí em diante. A bolha é só um recuo temporário e a marcha pela integração da internet com as práticas de negócios vão progredir sem impedimentos.
DINHEIRO ? O que as companhias devem aproveitar da velha
e da nova economia?
KOTLER ? Quando o comércio eletrônico começou, vimos companhias correndo para vender quase tudo na internet: livros, música, produtos eletrônicos, viagens, consultoria, geladeiras, roupas, comida, etc. Nós aprendemos, em seguida, que era mais
fácil vender algumas coisas do que outras pelo comércio eletrônico. Por exemplo, a companhia americana Webvan descobriu que os custos de receber os pedidos de mercearia e entregá-los em cada casa eram mais altos do que os consumidores estavam dispostos a pagar. Acredito que a parte mais importante da internet é sua capacidade de comunicação e informação e como isso faz a rede de trabalho e de fornecimento das empresas mais eficiente. Eu vi companhias ficarem mais eficientes em áreas como recrutamento
e treinamento do que nunca foi possível antes do surgimento
da internet.
DINHEIRO ? O sr. escreve que,
no passado, as empresas produziam
um tipo de produto para uma multidão
de clientes e agora estão buscando se especializar e criar artigos e serviços para cada tipo de consumidor. É essa
a tendência do consumo daqui para
a frente?
KOTLER ? A maioria das companhias não precisa e não deve buscar produtos individualizados para seus clientes. É muito mais eficiente mirar em setores inteiros. Quando um segmento está claramente definido, pode ser suficiente fazer uma oferta padrão para ele, com pequenas variações. Por outro lado, é verdade que quanto mais você sabe sobre cada indivíduo, maior a chance de ganhar o cliente. Essa é a base da popularidade do marketing de relacionamento com os clientes. Mas a questão permanece: a renda vinda das ofertas personalizadas cobre os altos custos de se juntar e guardar a informação sobre cada indivíduo. Algumas vezes vale à pena. Por exemplo, a Dell é a líder em computadores porque pode deixar cada consumidor especificar as características do produto e vender esse produto por um preço baixo do mesmo jeito. Nós vimos companhias de internet oferecerem jeans, empréstimos, hipotecas, pílulas de vitaminas e cosméticos taylor-made, ou seja, voltados para consumidores específicos, com graus variados de sucesso. Mas qualquer companhia deveria proceder cautelosamente em se mover para esse nível de atenção individual aos clientes.
DINHEIRO ? O sr. fala em um novo paradigma do marketing.
O que vem a ser isso?
KOTLER ? O marketing não deve ficar restrito apenas a um departamento como guia da estratégia e a força que garante que a promessa da marca é cumprida. Ele consiste em quatro premissas:
? A companhia precisa aumentar sua visão dos consumidores, suas necessidades e estilo de vida. A companhia deve parar de ver o consumidor só como um cliente de seus produtos atuais e vê-lo de maneira mais abrangente.
? A companhia precisa verificar como todos os seus departamentos influenciam a satisfação do consumidor. Consumidores são afetados negativamente quando seus produtos chegam tarde ou danificados, quando as mensagens são imprecisas, quando o serviço ao consumidor é pobre.
? A companhia precisa ter uma visão ampla do setor, seus competidores e sua evolução. Hoje, muitas indústrias estão convergindo, apresentando novas oportunidades e ameaças para todo o setor.
? A empresa precisa verificar o impacto de suas ações em todos os clientes, empregados, fornecedores, não só entre os acionistas. Qualquer grupo alienado pode provocar prejuízos para a companhia.
DINHEIRO ? Muitos dizem que as técnicas de marketing estão
tão avançadas que estão distorcendo a imagem dos produtos
e das empresas…
KOTLER ? O marketing tem o objetivo de atrair a atenção para suas ofertas, usando como instrumentos a propaganda, as promoções, as feiras, as apresentações de vendas, a mala direta e outras técnicas semelhantes. Naturalmente, os profissionais vão ?exagerar os aspectos positivos e eliminar os negativos? de suas ofertas, assim como um advogado toma partido de um argumento e explora seus lados positivos. Ao mesmo tempo, as companhias devem ser cuidadosas para evitar criar uma imagem falsa de seus produtos e delas mesmas. Primeiro porque os consumidores vão testar os produtos, ficarão desapontados com seu desempenho e dirão a outros que ficaram desapontadas. Nesse caso, a companhia ganhou vendas mas perdeu mercado. Em segundo lugar, os competidores vão ameaçar processar a companhia que está tentando ganhar uma vantagem falsificando a performance do produto.
DINHEIRO ? Como um país deve lidar com o excesso de competição comercial no mundo?
KOTLER ? Países, regiões e cidades devem fazer ações de marketing. Lugares competem por turistas, fábricas, empresas e trabalhadores especializados. Um bom exemplo é a Irlanda que usa seu Investment Development Board, o Irish Tourist Board, e o Board Export, para promover a posição econômica do País no mundo. O problema é que os esforços de marketing de muitos países são pouco financiados e muito fragmentados para serem efetivos.
DINHEIRO ? E o Brasil?
KOTLER ? Visitei o Brasil uma dúzia de vezes e, naturalmente, fiquei impressionado com a força da economia e a posição de suas empresas. Mas o Brasil precisa fazer mais para melhorar sua imagem no exterior. Um país pequeno como a Suíça tem dúzias de multinacionais visíveis… Nestlé, Swatch, Rolex, ABB, Hoffman laRoche, Bauer, etc. Muitas das exportações brasileiras de bens e serviços não são percebidas pelo público pela sua origem. O Brasil pode melhorar essa percepção ao desenvolver um bom programa de marketing.