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A foto da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello anunciando o Plano Collor causa arrepios nos brasileiros que, em 1990, tiveram seus depósitos bancários confiscados em nome da estabilização monetária. Até hoje o congelamento dos depósitos no Banco Central por 18 meses é lembrado como o Confisco da Poupança. O episódio tem sido lembrado nas últimas semanas diante da intenção do governo Lula de alterar a rentabilidade da caderneta de poupança, a aplicação financeira mais popular do País, com quase 90 milhões de depositantes. O presidente Lula rechaça a comparação, explorada em comercial do PPS. “O povo brasileiro me conhece, sabe que eu jamais tomaria qualquer medida que pudesse prejudicar as pessoas que investem em poupança”, retrucou Lula ao falar sobre tema tão sensível aos eleitores. Mesmo que não haja confisco desta vez, sempre é bom olhar para os enganos passados para prevenir os futuros. O próprio Fernando Collor, hoje senador, admite que o bloqueio dos ativos foi um erro. Mudar as regras da poupança neste momento e na forma como tem sido aventado em Brasília é um equívoco monumental do governo.

O primeiro sinal desse erro é a fuga de recursos da poupança desde que o debate esquentou. Os saques superaram os depósitos em R$ 847 milhões em março e em R$ 942 milhões em abril, segundo dados divulgados pelo Banco Central. As notícias – não confirmadas até a quintafeira 7 – de que o rendimento da caderneta será alterado para adaptá-la aos juros mais baixos e de que haverá cobrança de Imposto de Renda para depósitos superiores a R$ 10 mil assustaram os poupadores. Daí a sangria. Com saldo de R$ 275 bilhões em abril, a caderneta de poupança, lançada em 1964, é um patrimônio dos brasileiros. É um instrumento social que democratiza o investimento, pois não cobra tarifas nem exige a abertura de uma conta bancária, como ocorre nos fundos mútuos de renda fixa e variável. Sua simplicidade garante o acesso de qualquer pessoa, de qualquer classe social, a um investimento isento de Imposto de Renda e com rendimento de 6% ao ano mais a variação da TR. Em 2007 e 2008, o “porquinho” rendeu 7% ao ano. “A poupança é uma conquista da sociedade brasileira. Sobreviveu à hiperinflação devido à sua credibilidade”, diz Fábio de Araújo Nogueira, executivo com larga experiência no setor de poupança e empréstimo.

As discussões continuam em Brasília. Na quarta-feira 6, o presidente Lula reuniu-se com os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Henrique Meirelles (Banco Central). Participaram também o assessor especial da Fazenda Bernard Appy e o diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro do BC, Alexandre Tombini. O quarteto levou a Lula o argumento de que o rendimento atual da poupança não é compatível com a trajetória de queda dos juros. Mas o fato é que a taxa básica dos títulos públicos, a Selic, está em 10,25% ao ano, ainda bem distante do rendimento da poupança. E a TR poderia ser recalibrada, como se fez anteriormente, para compensar futuras quedas de juros. Outro problema apresentado ao presidente é a suposta concorrência da caderneta com os fundos de renda fixa, que são grandes compradores de papéis do governo. Fundos com taxa de administração superior a 1,5% ao ano já rendem menos que os 0,58% ao mês da poupança. A Fazenda teme dificuldades na rolagem da dívida pública se houver uma migração maciça de recursos dos fundos para a poupança. Mas o fato concreto é que está ocorrendo o contrário. Enquanto o medo esvazia a caderneta, os fundos crescem. Somente em abril, segundo a Anbid, os depósitos nos fundos superaram os saques em R$ 19,9 bilhões, dos quais R$ 1,8 bilhão engordaram carteiras de renda fixa, DI e multimercados. Fica, aqui, uma sugestão ao governo: porque não deixar a poupança como está e induzir os bancos a reduzir ainda mais as taxas de administração dos fundos, como já fazem para os clientes mais ricos? Mantega enfrentou os bancos na questão das tarifas e venceu a queda de braço. Poderia fazê-lo novamente.

A decisão final caberá ao presidente Lula. Ele tem sido aconselhado a tomá-la antes da próxima reunião do Comitê de Política Monetária do BC, marcada para 9 e 10 de junho. Fontes do Planalto disseram à DINHEIRO que o presidente vai escolher a proposta “que dependa menos do Congresso, que prejudique menos os pequenos poupadores e que seja mais eficaz para reduzir os juros dos empréstimos no mercado”. É aí que mora o perigo.

As regras da caderneta balizam também os empréstimos do sistema Financeiro da Habitação (SFH). Os bancos tomam recursos a TR mais 6% e cobram TR mais 12% dos mutuários. Mudar isso de repente pode não apenas abalar a credibilidade do investimento mais popular como também desequilibrar novamente o sistema de poupança e empréstimo. No passado, medidas populistas criaram um monstro, o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), que levou anos para ser eliminado. Poupadores podem contestar as mudanças na Justiça e mutuários podem recorrer aos tribunais para terem seus empréstimos revistos. Tudo depende do que vem por aí. “O governo está mexendo num vespeiro sem tamanho”, afirma um interlocutor do BC contrário à mudança.

 

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Uma das propostas em estudo é criar classes diferentes de depositantes. Já que 94% deles têm saldo inferior a R$ 10 mil, essa massa de “poupadores” poderia ter seus rendimentos menos afetados que os demais, agora chamados de “investidores”. Embora poupadores e investidores façam a mesma coisa – adiam o consumo e aplicam recursos em troca de juros -, os mais ricos poderiam pagar IR. “Que tal taxar os depósitos acima de R$ 100 mil?”, sugerem assessores de Lula. Apenas 294 mil brasileiros têm saldo superior a R$ 100 mil na poupança, mas são donos de R$ 70 bilhões. Dentre eles, há muitos poupadores com idade avançada, que colocaram tudo o que economizaram a vida toda na caderneta. Quem vendeu um imóvel de R$ 100 mil, por exemplo, e recebe menos de R$ 600 por mês de rendimento na poupança, não pode ser tratado como um mero especulador financeiro. A classe média, da qual Lula tanto se orgulha de ter aumentado em seu governo, merece mais respeito.