01/04/2009 - 7:00
DINHEIRO – Num momento de crise mundial, qual o papel da China?
QIU XIAOQI – A China é, neste momento, a terceira maior economia mundial e sabemos das responsabilidades que isso traz. A nossa maior contribuição, portanto, é manter a estabilidade econômica interna. Qualquer instabilidade vinda da China significaria uma influência muito negativa para o desenvolvimento econômico mundial.
DINHEIRO – E como o governo chinês pretende agir?
XIAOQI – Há algumas semanas, durante a segunda reunião plenária da Assembleia Popular da China, o primeiro-ministro, Wen Jiabao, fez um pronunciamento sobre o papel do governo nos dias atuais. Ele foi bem claro ao detalhar as medidas que a China vem tomando e vai tomar. Trata- se de um plano de quatro pontos. O primeiro é o grande investimento que o governo fará para dar mais estímulo ao desenvolvimento econômico. É um aporte de US$ 585 bilhões. Queremos fortalecer esse investimento governamental como indutor do crescimento interno. Além disso, há uma diretriz para fazer um ajuste e elevar a competitividade de diversos setores econômicos. O terceiro ponto, até mais importante que todos esses, é melhorar o nível de vida do povo chinês. Por último, queremos aumentar o investimento no setor de pesquisa para fortalecer a cagoverpacidade de inovação científica e tecnológica no país. Essa é a base de qualquer avanço social e econômico.
DINHEIRO – O governo pode vir a fazer mais do que isso?
XIAOQI – Esse pacote é válido por dois anos. E, por enquanto, ele basta. A China conta com suficiente munição para qualquer imprevisto. Não se trata apenas de uma cifra, mas de outros recursos para a área social que não foram contabilizadas. É isso que tem contribuído para o crescimento suave, estável e sustentado que a China apresenta nos últimos anos. Somos um país com reservas e uma enorme capacidade de atração de investimentos.
DINHEIRO – Há uma preocupação com o desemprego? Fala-se que o limite para que a China mantenha a estabilidade social é uma expansão de 8%.
XIAOQI – Nosso governo está convencido de que alcançaremos esse crescimento. Nos últimos anos, o resultado da economia chinesa sempre ultrapassou as previsões. Sempre. Em relação à questão do emprego, a China está enfrentando uma pressão muito grande. E é por isso que encaramos como um objetivo maior que qualquer pacote financeiro seja um pacote voltado para a área social.
DINHEIRO – É justamente esse o medo da comunidade internacional: não conseguir manter uma estabilidade social com um crescimento baixo.
XIAOQI – Sim, mas nós não podemos fazer essa suposição. Para alcançarmos isso temos de ter confiança. É uma questão política. E não apenas para a China. Os outros países asiáticos precisam do nosso mercado e da nossa força trabalhando de forma positiva. A expectativa mundial vai ao encontro da nossa. Queremos estimular mais o consumo interno no país porque com essa crise financeira as exportações da China diminuíram bastante. Nossa economia depende muito do setor externo.
DINHEIRO – E como é possível para a China crescer sem as exportações?
XIAOQI – Estamos muito conscientes de que qualquer redução das exportações significa uma dificuldade para o crescimento da economia chinesa. Nosso esforço atual é para manter e superar as dificuldades que já surgiram com a redução das exportações. Também queremos estimular o consumo interno. Temos 1,3 bilhão de habitantes. Existe um grande potencial de consumo interno. Antes, esse potencial não estava sendo explorado. Agora, queremos dar mais impulso para que o consumo interno aumente.
DINHEIRO – O Brasil se beneficiou muito do crescimento chinês com o aumento do preço das commodities. Como o sr. vê a relação bilateral?
XIAOQI – As relações bilaterais se encontram no melhor momento. Foram estreitadas de diversas formas. Politicamente, temos uma confiança muito forte e mantemos um intercâmbio frequente no mais alto nível. Apenas no ano passado, os presidentes Hu Jintao e Luiz Inácio Lula da Silva se reuniram três vezes. Temos muitas coincidências e pontos de vista semelhantes em diversos assuntos internacionais. O comércio entre os dois países, no ano passado, foi de US$ 36 bilhões. O Brasil é o principal parceiro na região. Nesse campo, as relações são importantes e o entusiasmo de investimento entre os dois países aumentou muito. Empresas como a Gree e a Huawei são exemplos disso, investindo pesadamente no Brasil. Há, também, um pesado investimento governamental, principalmente em infraestrutura. Podemos esperar um aumento rápido do investimento.
DINHEIRO – Privado ou público?
XIAOQI – Não necessariamente privado. Temos um memorando assinado para cooperação no setor de petróleo. É um setor que desperta interesse em todo o mundo e não será diferente na relação entre dois players globais.
DINHEIRO – Mas com a crise há dinheiro para isso?
XIAOQI – Há dinheiro para isso, senão não teríamos assinado tantos convênios. Nossas reservas são as maiores do mundo. Temos capacidade de fazer investimentos no exterior.
DINHEIRO – E o comércio? Quando a China voltará às compras?
XIAOQI – As coisas vêm acontecendo num ritmo muito rápido. Além disso, não queremos buscar apenas superávit comercial. Esperamos que o comércio entre nossos países seja saudável e equilibrado. Esperamos que o Brasil possa vender mais produtos que são competitivos. O mercado chinês está aberto. Somos uma economia de mercado. Qualquer produto que tenha competitividade será bem-vindo na China. O Brasil é um país muito rico em recursos naturais e em outros produtos. O que temos de fazer é buscar essas potencialidades.
DINHEIRO – E em que áreas há interesse de aumentar a importação?
XIAOQI – Há de se estudar conjuntamente. Mas a possibilidade é ampla. Por exemplo, estamos precisando mais de aviões de médio alcance.
DINHEIRO – Falando em aviões, há alguma preocupação com a situação da Embraer na China?
XIAOQI – Não é uma preocupação, é uma dificuldade momentânea. As partes interessadas estão estudando como podemos superar isso.
DINHEIRO – No minério, houve um problema sério na negociação com as empresas chinesas.
XIAOQI – As partes estão trabalhando num entendimento e chegaremos a um ponto comum. Qualquer problema pode ser superado. A demanda chinesa é muito grande. E de longo prazo. Investir em construção é um dos pontos fortes do nosso programa de desenvolvimento. Dessa forma, precisamos importar o minério de que nossa indústria siderúrgica necessita. Mais uma vez, como em qualquer negociação, problemas surgem. Mas não é nada que não possa ser resolvido. As empresas estão em contato e é um trabalho entre elas. A economia chinesa é de mercado. O governo, muitas vezes, prefere não interferir diretamente nessas negociações.
DINHEIRO – O governo não pretende interferir nem nas reclamações feitas por empresários brasileiros sobre um eventual dumping chinês?
XIAOQI – Se há problemas pontuais, eles devem ser conversados e, dessa forma, buscaremos dirimir as insatisfações. Problemas pequenos sempre existiram entre parceiros comerciais. É assim com a China, com o Brasil, com a Argentina, com a Espanha e com os EUA. O que faz a diferença é a vontade de resolver pendências. E a China tem essa boa vontade.
DINHEIRO – Falando em novas oportunidades, a quais campos a cooperação pode se estender?
XIAOQI – A satélites, cosméticos. O Brasil, nesse momento, é um dos países mais avançados em pesquisas biotecnológicas, como nos biocombustíveis. A tecnologia brasileira pode nos ajudar muito.
DINHEIRO – A China usa etanol?
XIAOQI – Temos uma limitação estratégica, que é arrumar comida para 20% da população mundial com 8% das terras cultiváveis. Então, o combustível não pode ocupar a terra destinada à alimentação. Mas o Brasil pode nos ajudar.
DINHEIRO – O que mais interessa: biodiesel ou etanol?
XIAOQI – Temos interesse nos dois.
DINHEIRO – A posição chinesa em relação à crise, de coordenar gastos públicos e defender uma nova regulação, vem se mostrando parecida com a do Brasil. O que a China levará para a reunião do G-20?
XIAOQI – Queremos sustentar que a comunidade internacional deve trabalhar conjuntamente. Mas, para isso, precisamos reformar o sistema financeiro e fortalecer a sua supervisão. A falta de uma regulação eficaz é um dos fatores que mais contribuíram para a crise. Temos de aumentar esse intercâmbio entre os países emergentes porque a crise também mostra que somente os países desenvolvidos não têm capacidade para superá-la. Os países emergentes têm de ver seu direito de decidir sustentado pelos países desenvolvidos.
DINHEIRO – Isso vale para o Conselho de Segurança da ONU, no qual a China não apoia a entrada do Brasil?
XIAOQI – Ambos cremos que temos de fortalecer a eficiência do Conselho de Segurança. E ampliar e aumentar a representatividade dos emergentes.
DINHEIRO – Mas a China apoia a entrada do Brasil?
XIAOQI – A China é a favor de aumentar a representatividade de vários países no Conselho.