DINHEIRO – Num momento de crise mundial, qual o papel da China?
QIU XIAOQIA China é, neste momento, a terceira maior economia mundial e sabemos das responsabilidades que isso traz. A nossa maior contribuição, portanto, é manter a estabilidade econômica interna. Qualquer instabilidade vinda da China significaria uma influência muito negativa para o desenvolvimento econômico mundial.

DINHEIRO – E como o governo chinês pretende agir?
XIAOQIHá algumas semanas, durante a segunda reunião plenária da Assembleia Popular da China, o primeiro-ministro, Wen Jiabao, fez um pronunciamento sobre o papel do governo nos dias atuais. Ele foi bem claro ao detalhar as medidas que a China vem tomando e vai tomar. Trata- se de um plano de quatro pontos. O primeiro é o grande investimento que o governo fará para dar mais estímulo ao desenvolvimento econômico. É um aporte de US$ 585 bilhões. Queremos fortalecer esse investimento governamental como indutor do crescimento interno. Além disso, há uma diretriz para fazer um ajuste e elevar a competitividade de diversos setores econômicos. O terceiro ponto, até mais importante que todos esses, é melhorar o nível de vida do povo chinês. Por último, queremos aumentar o investimento no setor de pesquisa para fortalecer a cagoverpacidade de inovação científica e tecnológica no país. Essa é a base de qualquer avanço social e econômico.

DINHEIRO – O governo pode vir a fazer mais do que isso?
XIAOQI Esse pacote é válido por dois anos. E, por enquanto, ele basta. A China conta com suficiente munição para qualquer imprevisto. Não se trata apenas de uma cifra, mas de outros recursos para a área social que não foram contabilizadas. É isso que tem contribuído para o crescimento suave, estável e sustentado que a China apresenta nos últimos anos. Somos um país com reservas e uma enorme capacidade de atração de investimentos.

DINHEIRO – Há uma preocupação com o desemprego? Fala-se que o limite para que a China mantenha a estabilidade social é uma expansão de 8%.
XIAOQI Nosso governo está convencido de que alcançaremos esse crescimento. Nos últimos anos, o resultado da economia chinesa sempre ultrapassou as previsões. Sempre. Em relação à questão do emprego, a China está enfrentando uma pressão muito grande. E é por isso que encaramos como um objetivo maior que qualquer pacote financeiro seja um pacote voltado para a área social.

DINHEIRO – É justamente esse o medo da comunidade internacional: não conseguir manter uma estabilidade social com um crescimento baixo.
XIAOQISim, mas nós não podemos fazer essa suposição. Para alcançarmos isso temos de ter confiança. É uma questão política. E não apenas para a China. Os outros países asiáticos precisam do nosso mercado e da nossa força trabalhando de forma positiva. A expectativa mundial vai ao encontro da nossa. Queremos estimular mais o consumo interno no país porque com essa crise financeira as exportações da China diminuíram bastante. Nossa economia depende muito do setor externo.

DINHEIRO – E como é possível para a China crescer sem as exportações?
XIAOQIEstamos muito conscientes de que qualquer redução das exportações significa uma dificuldade para o crescimento da economia chinesa. Nosso esforço atual é para manter e superar as dificuldades que já surgiram com a redução das exportações. Também queremos estimular o consumo interno. Temos 1,3 bilhão de habitantes. Existe um grande potencial de consumo interno. Antes, esse potencial não estava sendo explorado. Agora, queremos dar mais impulso para que o consumo interno aumente.

DINHEIRO – O Brasil se beneficiou muito do crescimento chinês com o aumento do preço das commodities. Como o sr. vê a relação bilateral?
XIAOQI
As relações bilaterais se encontram no melhor momento. Foram estreitadas de diversas formas. Politicamente, temos uma confiança muito forte e mantemos um intercâmbio frequente no mais alto nível. Apenas no ano passado, os presidentes Hu Jintao e Luiz Inácio Lula da Silva se reuniram três vezes. Temos muitas coincidências e pontos de vista semelhantes em diversos assuntos internacionais. O comércio entre os dois países, no ano passado, foi de US$ 36 bilhões. O Brasil é o principal parceiro na região. Nesse campo, as relações são importantes e o entusiasmo de investimento entre os dois países aumentou muito. Empresas como a Gree e a Huawei são exemplos disso, investindo pesadamente no Brasil. Há, também, um pesado investimento governamental, principalmente em infraestrutura. Podemos esperar um aumento rápido do investimento.

DINHEIRO – Privado ou público?
XIAOQI Não necessariamente privado. Temos um memorando assinado para cooperação no setor de petróleo. É um setor que desperta interesse em todo o mundo e não será diferente na relação entre dois players globais.

DINHEIRO – Mas com a crise há dinheiro para isso?
XIAOQIHá dinheiro para isso, senão não teríamos assinado tantos convênios. Nossas reservas são as maiores do mundo. Temos capacidade de fazer investimentos no exterior.

DINHEIRO – E o comércio? Quando a China voltará às compras?
XIAOQI As coisas vêm acontecendo num ritmo muito rápido. Além disso, não queremos buscar apenas superávit comercial. Esperamos que o comércio entre nossos países seja saudável e equilibrado. Esperamos que o Brasil possa vender mais produtos que são competitivos. O mercado chinês está aberto. Somos uma economia de mercado. Qualquer produto que tenha competitividade será bem-vindo na China. O Brasil é um país muito rico em recursos naturais e em outros produtos. O que temos de fazer é buscar essas potencialidades.

DINHEIRO – E em que áreas há interesse de aumentar a importação?
XIAOQIHá de se estudar conjuntamente. Mas a possibilidade é ampla. Por exemplo, estamos precisando mais de aviões de médio alcance.

DINHEIRO – Falando em aviões, há alguma preocupação com a situação da Embraer na China?
XIAOQI Não é uma preocupação, é uma dificuldade momentânea. As partes interessadas estão estudando como podemos superar isso.

DINHEIRO – No minério, houve um problema sério na negociação com as empresas chinesas.
XIAOQIAs partes estão trabalhando num entendimento e chegaremos a um ponto comum. Qualquer problema pode ser superado. A demanda chinesa é muito grande. E de longo prazo. Investir em construção é um dos pontos fortes do nosso programa de desenvolvimento. Dessa forma, precisamos importar o minério de que nossa indústria siderúrgica necessita. Mais uma vez, como em qualquer negociação, problemas surgem. Mas não é nada que não possa ser resolvido. As empresas estão em contato e é um trabalho entre elas. A economia chinesa é de mercado. O governo, muitas vezes, prefere não interferir diretamente nessas negociações.

DINHEIRO – O governo não pretende interferir nem nas reclamações feitas por empresários brasileiros sobre um eventual dumping chinês?
XIAOQISe há problemas pontuais, eles devem ser conversados e, dessa forma, buscaremos dirimir as insatisfações. Problemas pequenos sempre existiram entre parceiros comerciais. É assim com a China, com o Brasil, com a Argentina, com a Espanha e com os EUA. O que faz a diferença é a vontade de resolver pendências. E a China tem essa boa vontade.

DINHEIRO – Falando em novas oportunidades, a quais campos a cooperação pode se estender?
XIAOQI – A satélites, cosméticos. O Brasil, nesse momento, é um dos países mais avançados em pesquisas biotecnológicas, como nos biocombustíveis. A tecnologia brasileira pode nos ajudar muito.

DINHEIRO – A China usa etanol?
XIAOQI Temos uma limitação estratégica, que é arrumar comida para 20% da população mundial com 8% das terras cultiváveis. Então, o combustível não pode ocupar a terra destinada à alimentação. Mas o Brasil pode nos ajudar.

DINHEIRO – O que mais interessa: biodiesel ou etanol?
XIAOQI Temos interesse nos dois.

DINHEIRO – A posição chinesa em relação à crise, de coordenar gastos públicos e defender uma nova regulação, vem se mostrando parecida com a do Brasil. O que a China levará para a reunião do G-20?
XIAOQI Queremos sustentar que a comunidade internacional deve trabalhar conjuntamente. Mas, para isso, precisamos reformar o sistema financeiro e fortalecer a sua supervisão. A falta de uma regulação eficaz é um dos fatores que mais contribuíram para a crise. Temos de aumentar esse intercâmbio entre os países emergentes porque a crise também mostra que somente os países desenvolvidos não têm capacidade para superá-la. Os países emergentes têm de ver seu direito de decidir sustentado pelos países desenvolvidos.

DINHEIRO – Isso vale para o Conselho de Segurança da ONU, no qual a China não apoia a entrada do Brasil?
XIAOQI Ambos cremos que temos de fortalecer a eficiência do Conselho de Segurança. E ampliar e aumentar a representatividade dos emergentes.

DINHEIRO – Mas a China apoia a entrada do Brasil?
XIAOQIA China é a favor de aumentar a representatividade de vários países no Conselho.