DINHEIRO ? O bom momento da bolsa passou?
JOÃO PINHEIRO NOGUEIRA BATISTA ? Não, claro que não. O mercado de capitais veio para ficar. Não é porque está ocorrendo uma crise, muito mais internacional do que local, que o momento passou. Está ocorrendo uma barriga. É normal.

DINHEIRO ? Qual é a lição da forte volatilidade do início de ano?
BATISTA ? A estabilização macroeconômica, o balanço de pagamentos mais forte e as reservas internacionais mais elevadas permitem ao País passar por momentos de crise internacional sem grandes solavancos. A queda da bolsa não teve nenhum efeito maior sob o ponto de vista de balança de pagamentos e de inflação. Está tudo sob controle. O mercado de capitais se aproveitou da estabilização a partir do final de 2003.

DINHEIRO ? Está mais maduro?
BATISTA ? O mercado de capitais cresceu muito, mas precisa crescer muito mais para se consolidar como uma fonte fundamental de financiamento para as empresas. A renda fixa ainda é incipiente, há pouca liquidez no mercado secundário. O crescimento do mercado faz parte da equação democrática. O setor privado tem que ficar cada vez mais independente do financiamento público. Então, o mercado de capitais vai assumir cada vez mais a sua função de reciclar recursos. Dos pólos excedentes para os que precisam. No Brasil de antigamente, só havia o setor público como fonte financiadora e os bancos, que têm limitações de prazo e de risco. Então, é fundamental que tenhamos um mercado de capitais atuante e que possa servir como fonte de financiamento sustentável para o crescimento da economia.

DINHEIRO ? Os investidores já estão seguros com um mercado que exige correr mais riscos?
BATISTA ? A educação para o investidor pessoa física melhorou muito. A bolsa continua fazendo projetos de divulgação, existem entidades atuantes, como o Instituto Nacional dos Investidores (INI). As corretoras, de um modo geral, estão atuando de forma mais responsável. O conforto principal que existe hoje para o investidor pessoa física é que a bolsa é de um tamanho importante, com uma movimentação diária de quase R$ 5 bilhões. Alguns anos atrás, tinha quatro ou cinco grandes que manipulavam a bolsa. Era arriscado, como pequeno investidor, entrar e ficar ao sabor desses poucos investidores.

DINHEIRO ? O mercado acionário não se desenvolveu muito mais rápido que os órgãos reguladores? Nos Estados Unidos, a SEC age rápido nas punições aos infratores.
BATISTA ? Acho que não. A CVM tem reagido muito bem e respondido às demandas do mercado. Nos últimos anos, não foi um obstáculo aos IPOs e ao mercado secundário. Ao contrário, foi um agente positivo. O mercado não tem do que reclamar da CVM.

DINHEIRO ? O ex-diretor da Sadia Luiz Gonzaga Murat Jr. fez um acordo com a SEC há um ano e somente agora foi julgado pela CVM.
BATISTA ? A CVM foi rápida em identificar o problema. Mas aqui o rito processual da Justiça é mais lento. Nos Estados Unidos, é mais rápido e permite acordos. Nesse ponto, o Brasil precisa avançar. É um fenômeno geral do Judiciário brasileiro.

DINHEIRO ? Murat Jr. e Romano Ancelmo Fontana Filho ficarão cinco anos sem exercer cargos de administração ou de conselheiro fiscal em companhias abertas. O que isso significa?
BATISTA ? A decisão é emblemática para o mercado. Mostra que o órgão fiscalizador está atento à nova fase e, ao perceber indícios de informação privilegiada, tomará as medidas necessárias. É uma demonstração de que a CVM vai agir para garantir um mercado sério. O resultado é importante para assegurar o conforto para investidores e empresas.

DINHEIRO ? Na venda do Grupo Ipiranga para a Petrobras, Braskem e Ultra, no ano passado, foi identificado um vazamento de informação. A CVM segurou as negociações para apurar o vazamento?
BATISTA ? Não é que segurou. Até onde eu sei, esse processo está em investigação. Mas eles não são simples. Não é fácil identificar o que é uma suposição de vazamento de informação e efetivamente comprovar que houve um vazamento. Não é das coisas mais óbvias.

DINHEIRO ? Os departamentos de Relações com Investidores das empresas estão preparados para a nova fase da bolsa?
BATISTA ? As empresas mais antigas do mercado de capitais estão mais preparadas. O processo educativo das companhias e de todas as pessoas envolvidas com informações sigilosas foge do espectro da área de RI. Isso requer educação e entendimento do que é o próprio mercado. Cabe à empresa estar em um estágio diferente. Existem companhias com um vínculo mais estratégico com o mercado de capitais. Mas, como é típico do capitalismo, existem as mais oportunistas. Nessas, o processo cultural é mais difícil.

DINHEIRO ? O sr. concorda que muitas empresas tiveram mais pressa em cuidar da estréia na bolsa do que trabalhar a governança corporativa?
BATISTA ? Isso de fato existe. Governança corporativa não é só copiar e fazer um estatuto que atenda aos requisitos do Novo Mercado e achar que resolveu o problema. Ao contrário, é todo um problema cultural interno. É assegurar que a governança funcione e atenda a um objetivo estratégico que foi predefinido. Essa dimensão estratégica falta a muitas empresas. E o mercado de capitais é cruel. Funciona como um termômetro muito eficiente da performance de uma empresa, seja ela operacional ou de governança. Identifica no preço. Se o investidor se irrita ou acha que a empresa está sendo incorreta, ele pune no preço.

DINHEIRO ? O período de silêncio, imposto às empresas antes dos IPOs, não é rígido demais?
BATISTA ? Existe muita falta de compreensão sobre o que a CVM quer com o período de silêncio. Como isso não foi bem explicado, os advogados interpretam a legislação da forma mais defensiva possível e passam a recomendar aos seus clientes, às empresas, que o silêncio deve ser absoluto. Alguns recomendam até a suspensão das reuniões regulares com os analistas na Apimec. Não é isso que a CVM quer. Se uma empresa tem um rito, um processo sistemático de relação com o mercado, isso tem que ser mantido no momento de uma operação. O que não pode é surgirem posicionamentos fora da rotina normal. Estamos trabalhando com a CVM para fazer um esclarecimento sobre como deve ser o comportamento durante as ofertas.

DINHEIRO ? Algumas empresas restringiram a participação dos flippers (investidores individuais que compram ações nos IPOs e vendem no dia da estréia) em suas ofertas. O que acha disso?
BATISTA ? Sou contra pensar em punição aos flippers. A especulação faz parte do mercado. Uns vão ganhar, outros vão perder, isso é parte do processo. Cabe à empresa, quando vai fazer uma operação, ter uma estratégia sobre o tipo de investidor que quer acessar, se prefere a pulverização ou o investidor qualificado. Mas não cabe ficar olhando para o resultado do dia seguinte. É um processo que deve ser visto sempre no longo prazo.

DINHEIRO ? Este ano haverá tantas aberturas de capital como em 2007?
BATISTA ? O volume não será o mesmo do ano passado. É normal que o mercado pós-crise fique mais seletivo. Os investidores estrangeiros e locais vão começar a olhar com um pouco mais de critério onde vão colocar seu dinheiro.

DINHEIRO ? Como avalia o comportamento do banco central americano, o Fed, nessa crise?
BATISTA ? O Fed agiu certo ao cortar os juros (de 4,25% para 3% ao ano). É interessante observar como o Fed também pensa em crescimento. Se vê o risco de uma recessão mais profunda, corta o juro para estimular a economia. Aqui, até pela herança da inflação alta, o BC é focado exclusivamente no problema de controle inflacionário.

DINHEIRO ? A crise do subprime ainda pode tirar cadáveres da geladeira?
BATISTA ? Não sei, é difícil dizer. Ainda podem aparecer problemas residuais. Os resultados ruins já vieram à tona com a publicação dos balanços das grandes instituições. E se a redução dos juros mais o pacote fiscal ajudarem o mercado americano de hipotecas a retomar o seu rumo, deve haver uma acomodação.

DINHEIRO ? A provável recessão nos Estados Unidos, somada à eleição presidencial, pode influenciar a economia brasileira?
BATISTA ? Este ano o efeito será pequeno. A eleição será no final do ano, então ficaria para o início de 2009. A política externa americana vai ser diferente, independentemente de quem for eleito. Para o bem do mundo, vai ser diferente da era Bush. Na questão comercial, os democratas têm fama de ser mais protecionistas que os republicanos. Mas o processo de negociação multilateral avança de forma lenta e não vai ser interrompido.