25/07/2007 - 7:00
“O ex-ministro Paulo Renato abriu a porta para 2 mil faculdades. Agora há a consolidação”
“Elizabeth Farina é uma técnica de alto valor. No Cade o problema é estrutural”
DINHEIRO – As fusões e aquisições têm aumentado muito nos últimos anos. O que está acontecendo?
RUY COUTINHO – Isso é um comportamento estratégico. As empresas buscam uma escala eficiente, aumento de produtividade e redução de custo. Com o investment grade a expectativa de queda de custos é ainda mais substancial.
DINHEIRO – Na pesquisa, o sr. identifica quatro setores. Qual deles parece mais atrativo?
COUTINHO – Detectamos quatro setores. O de usinas de álcool, de frigoríficos, seguros e, surpreendentemente, o de ensino superior. O Brasil tem 2.165 instituições de ensino superior. Sendo que 69,7% delas do setor privado, envolvendo mais de 20 mil cursos. Entre 1995 e 2005, o crescimento foi inusitado, de 200%. O cenário agora é outro, o mercado vai passar por uma fase de consolidação.
DINHEIRO – De que forma?
COUTINHO – Há ociosidade. A oferta de vagas cresce mais do que o número de alunos e as instituições menores não terão condições de se manter. Ainda há problemas como a inadimplência e a deficiência de gestão. Na época em que o Paulo Renato foi ministro da Educação e incentivou a abertura de novas faculdades muita gente foi para esse lado. Mas da mesma forma que entrou quem tinha know-how de administração, entraram outros que não tinham. Gerir uma universidade exige bons administradores. Aí está o pulo-do-gato.
DINHEIRO – Então poderemos ver uma onda de fusões entre faculdades?
COUTINHO – Com certeza. A Anhanguera abriu capital, colocou ações no mercado. A Mackenzie comprou a Moraes Júnior, do Rio de Janeiro, em 2006. Na área de ensino o que vai acontecer é isso, grandes grupos se formando e abrindo capital. Mesmo porque o grupo de alunos das classes A e B se estabilizou. As faculdades particulares estão mudando para as classes C e D, que não têm recursos para arcar com mensalidades caras. A salvação da lavoura tem sido o ProUni. Sem ele, o número de universitários brasileiros seria 5% menor.
DINHEIRO – Outro setor que o sr. mencionou foi o de combustíveis. O etanol chegou para ficar?
COUTINHO – Vamos assistir a uma mudança de escala de produção das usinas de etanol. Aquelas com capacidade de moagem de dois milhões de toneladas por safra, certamente, por questões econômicas, serão substituídas por usinas de três, quatro milhões de toneladas.
DINHEIRO – O que vai predominar? Fusões ou aquisições?
COUTINHO – Ambas. Até mesmo mais que os chamados greenfields, que são os projetos de novos negócios.
DINHEIRO – E por que isso está acontecendo?
COUTINHO – Escala. A escala propiciará às empresas abrirem seu capital, os chamados IPOs. As duas maiores, a Cosan e a São Martinho, fizeram isso recentemente e outras seguirão o mesmo caminho. E também para a internacionalização desse capital. A Infinity- BioEnergy, que é um fundo de investimento, já comprou quatro usinas e vai seguir em frente. O grupo Odebrechet está entrando com alto estilo no mercado de etanol.
DINHEIRO – Que mudanças nesse setor o sr. prevê, além da entrada forte do capital estrangeiro?
COUTINHO – Haverá uma dramática mudança de escala que vai permitir uma acentuada modificação tanto na logística quanto na comercialização do combustível. Eu acho que o setor de etanol, desses quatro, terá maior exuberância. No caso específico, já há uma certa propensão à concentração.
DINHEIRO – Por quê?
COUTINHO – O etanol virou um tema mundial à medida que as coisas se complicam. Nevou em Buenos Aires. A questão do combustível é fundamental.
DINHEIRO – E os frigoríficos?
COUTINHO – O Brasil é o maior exportador de carne, pela qualidade do produto e pela competitividade. Exportamos 21% da produção. De janeiro a junho exportamos US$ 5,21 bilhões de carne bovina, o que representa aumento de 40% em relação ao mesmo período em 2006. O complexo de carne exporta em torno de US$ 10 bilhões.
DINHEIRO – Como o mercado tem se comportado?
COUTINHO – Em franca reestruturação. As compras estão sendo realizadas no Exterior. A Friboi comprou na Argentina, nos Estados Unidos e no Uruguai e se tornou o maior frigorífico do mundo. A internacionalização é crescente e o processo de concentração, muito forte. Os 18 maiores frigoríficos respondem por 98% das exportações. Os dois maiores, Friboi e Marfrig, têm 40%. Os quatro maiores têm 16,2% do abate nacional. O Friboi e o Marfrig são companhias abertas e há outros, como o Bertim, que estudam a abertura de capital.
DINHEIRO – O que tem levado a essa concentração?
COUTINHO – A exigência de empresas fortes nesse setor. Há bloqueios de carne in natura dos Estados Unidos e do Japão. E os padrões sanitários da União Européia fortalecem os maiores frigoríficos brasileiros, que vendem carne industrializada. Então seguramente é um setor que passará por um processo de concentração. Estamos falando de uma concentração das exportações, mas temos o mercado interno que é muito grande.
DINHEIRO – E os seguros?
COUTINHO – Há pouco tempo, a Susep baixou novas regras de capital mínimo e de solvência para as seguradoras. São regras compatíveis com os padrões internacionais. Por isso, chegamos à conclusão de que dificilmente as seguradores de pequeno e médio porte terão condições de atender às novas exigências. Por outro lado, assistimos ao fim do monopólio do resseguro, que é um dos motivos para as fusões e aquisições, principalmente para investimentos externos.
DINHEIRO – Com tantas fusões e aquisições a estrutura de mercado desses setores vai ficar mais concentrada…
COUTINHO – Certamente o poder de mercado dessas empresas será maior e é necessária uma atenção para a relação de estrutura de mercado e a conduta desses novos atores. Claro que essas empresas irão até o Cade, mas é importante a preocupação anti-truste.
DINHEIRO – E o Cade está preparado?
COUTINHO – O Cade tem um problema que não é a Farina (Elizabeth Farina, presidente do Cade). Ela é uma técnica de alto valor. O problema é estrutural. Falta de pessoal, que só será resolvido com quadro próprio. O Cade não é um órgão do governo, é um órgão regulador do Estado. Há problemas que existem desde que eu estava lá. O governo precisa fazer um mapeamento dos vencimentos dos mandatos dos diretores e presidentes. Na minha gestão, também tive paralisia na transição do primeiro para o segundo mandato. O governo precisa ficar mais atento com isso. Mas é importante notar que o Cade não é um órgão aparelhado. Tem um bom perfil, com técnicos de boa competência. Há, apenas, um problema de timing.
DINHEIRO – Então não é um gargalo?
COUTINHO – Ele é o órgão que vela pela defesa da concorrência. Ele tem de ser rigoroso em suas análises. Muitas vezes é um gargalo porque o que foi apresentado para ele foi uma coisa indefensável do ponto de vista concorrencial. Mas a grande maioria das análises do Cade é aprovada. Algumas até no regime de analisa célere. Há casos complexos. E são eles que acabam aparecendo mais.
DINHEIRO – O Cade tem tomado decisões de qualidade?
COUTINHO – Claro que tem.
DINHEIRO – Mas o sr. coordena um grupo da Fiesp que defende mudanças na legislação e inclusive no Cade.
COUTINHO – A legislação não é ruim. Não seria uma revisão. Há a crença no Brasil de que tudo se resolve mudando a lei. Não é verdade. Fui presidente da comissão que fez o anteprojeto, em 1994, e acho que fizemos a lei que foi possível fazer na época. Ela só precisa de uma atualização. O governo poderia alterar pontualmente.
DINHEIRO – Por exemplo?
COUTINHO – Diminuir o número de órgãos envolvidos. Há a SDE, a Seae e o Cade. A Seae ficaria responsável pela advocacia, pela promoção da concorrência. Outro ponto importante, mas que tem de ser visto com cuidado, é a questão da apresentação dos atos de concentração antes que eles se configurem, para evitar casos como o Nestlé-Garoto, em que o Cade mandou desfazer negócios concluídos.
DINHEIRO – Mas há uma grande preocupação com o sigilo do negócio e também com uma demora do parecer do Cade.
COUTINHO – É isso mesmo, ninguém quer apresentar antes. Todo mundo faz a operação e pronto. Isso tem sido feito com tanta freqüência que o Cade criou o Acro, o Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação. Por exemplo: A compra B e apresenta ao Cade. Mas há a hipótese do Cade negar. Então o Cade assina com a empresa compradora um Acro dizendo que, caso a compra não seja aprovada, a empresa não poderá fazer nada, a não ser manter a empresa B funcionando. Isso acontece para evitar desmontes da operação.
DINHEIRO – Esse mecanismo distorce a atuação do conselho.
COUTINHO – Distorce. Acredito que a apresentação anterior é interessante. Porém, o Cade precisa estar equipado para isso. O problema é a agilidade processual. Isso é fundamental.
DINHEIRO – Essa demora no parecer causa preocupação aos investidores estrangeiros?
COUTINHO – É o que meus clientes mais me perguntam. A Garoto, por exemplo, está na Justiça até hoje. Há um desgaste de imagem para os grupos quando isso ocorre.
DINHEIRO – Mesmo assim há muito interesse estrangeiro?
COUTINHO – Há. As fusões e aquisições cresceram bastante nas operações domésticas. Cerca de 30% nesse primeiro semestre comparado ao mesmo período do ano passado. Mas as operações de aquisições por empresas de fora cresceram 12%. Foram para 115. Devemos fechar o ano com mais de 500 fusões.
DINHEIRO – A economia tem favorecido esse processo?
COUTINHO – Claro. Há uma redução dos juros e estamos na antevéspera do investment grade.
DINHEIRO – Então, assim como com o etanol e os seguros, a expectativa é de uma forte entrada do capital estrangeiro?
COUTINHO – É. A razão principal é o elevado volume de recursos disponíveis no mercado internacional. Tanto por parte dos fundos de investimentos, como por parte dos IPOs.