03/07/2002 - 7:00
DINHEIRO ? Quem observa a tensão do mercado financeiro vê o Brasil novamente em crise. No BNDES, o sr. acompanha o lado real da economia. Qual é a imagem mais precisa do País?
ELEAZAR CARVALHO ? Há uma diferença de ótica. Alguns analistas e investidores têm um horizonte menor, enxergam o curto prazo e têm uma visão estreita. Nós, no BNDES, temos um horizonte muito longo. A tensão atual do mercado certamente não reflete os fundamentos da economia. Na questão do risco, o Brasil às vezes é comparado a outros países como se estivéssemos num campeonato. Não faz sentido. O Brasil tem um mercado dinâmico, com liquidez, que é muito diferente do de outros países, onde os títulos sequer são negociados. A ótica do BNDES, ao contrário, é a dos grandes projetos. São eles que estão levando a uma grande melhoria da competitividade da economia brasileira.
DINHEIRO ? Mas o nervosismo atual não acabará contaminando a economia real?
CARVALHO ? Só no curtíssimo prazo. No mercado, um ativo,
como um papel da dívida brasileira, pode até se tornar barato.
Isso é importante e deve ser levado em consideração. Mas o horizonte de longo prazo não se alterou. São projetos de dez
anos. Nesses casos, o investidor olha uma média de risco num período maior. Nenhuma empresa, brasileira ou multinacional,
toma essa taxa de risco pelo pico.
DINHEIRO ? Então a percepção de longo prazo não está
sendo alterada…
CARVALHO ? Um dos nossos diretores voltou da Alemanha ontem e conversou com investidores alemães da economia real, não-financeiros. A perspectiva é de otimismo. Os projetos não estão deixando de ser feitos. Há uma dinâmica própria dos investimentos, que são feitos em cadeia. Depois da empresa que chega na ponta final, há uma série de fornecedores que começam a chegar. O Brasil está vivendo um intenso processo de nacionalização da produção.
DINHEIRO ? Isso está se traduzindo em números?
CARVALHO ? Claro. No banco, nós tivemos desembolsos de R$ 10,8 bilhões de janeiro a maio. É um volume 32% maior do que o realizado no mesmo período do ano passado. Além disso, as consultas que recebemos de potenciais investidores cresceram 50%. Há ainda um outro fator. Os investimentos externos diretos continuam na casa de US$ 1,5 bilhão por mês. Não é pouco. O Brasil não está parando. Os empresários não olham o risco País na ponta. Eles analisam se o investimento é rentável e se o Brasil é competitivo em relação a outros mercados.
DINHEIRO ? A sucessão presidencial pode colocar em risco essa competitividade do País para receber investimentos?
CARVALHO ? Independentemente de governo, o que vai garantir que o País tenha um risco baixo não é uma questão nacionalista. É uma questão de realmente permitir que a empresa brasileira possa acessar recursos de maneira competitiva em comparação a empresas de outros lugares do mundo. É isso que se quer. Qualquer que seja o novo governo, se conseguir transmitir em detalhe valores como inflação baixa, produtividade, câmbio flutuante e a defesa de um arcabouço legal, não haverá o que temer. É possível que isso se traduza em projetos, em investimentos e crescimento sustentável.
DINHEIRO ? O BNDES é hoje a única fonte de recursos de longo prazo para as empresas brasileiras. Quando os bancos privados poderão participar desse processo?
CARVALHO ? O fato do BNDES ser o único financiador de longo prazo é uma decorrência de um mercado de capitais pequeno e
de anos de processo inflacionário. A presença do BNDES nesses últimos 50 anos foi o que permitiu que tivéssemos uma indústria nacional. Mas não queremos competir com o setor privado. No planejamento estratégico do banco, definimos que, em 2005, o BNDES terá 40% dos financiamentos de longo prazo. O restante
viria dos bancos privados.
DINHEIRO ? O banco muitas vezes é associado a uma espécie de ?hospital? por entrar em operações financeiras polêmicas, como a da Globocabo…
CARVALHO ? Não existe essa história de hospital. No caso da Globocabo, o preço vai ser definido através de uma oferta pública. Será o preço que o mercado estiver disposto a pagar.
DINHEIRO ? As ações da empresa estão despencando. Não é um mau sinal?
CARVALHO ? Nós nos dispusemos a investir e defendemos essa operação como boa para o banco. É um processo transparente,
que faz parte do nosso dia-a-dia. As debêntures que o BNDES tem serão convertidas num número maior de ações, que refletem os preços de hoje. Essa não é uma operação que esteja concluída.
Está em curso e que depende de uma série de condições prévias. Sendo atendidas, eu acho que fará a empresa crescer, com uma estrutura de capital adequada.
DINHEIRO ? E a aviação? O banco pretende socorrer o setor?
CARVALHO ? O setor aéreo é importante para um país com as dimensões do Brasil. Cabe às empresas aéreas apresentarem suas propostas. O ministro Sérgio Amaral, do Desenvolvimento, tem conduzido discussões a esse respeito no fórum setorial de competitividade. A partir disso, serão elencadas medidas que
possam ajudar as empresas.
DINHEIRO ? O sr. chegou ao BNDES para modelar a venda pulverizada das ações de Furnas. Esse projeto pode
ser retomado?
CARVALHO ? O que está na nossa agenda é a venda de ações do Banco do Brasil. No caso de Furnas, está apenas definido um modelo que separa as atividades de geração da transmissão de energia. Parte da geração poderá ser vendida, de forma pulverizada, com o governo reduzindo gradualmente sua participação. Se o novo governo julgar que esse caminho é importante, certamente o banco estará preparado para dar seqüência ao projeto, em um prazo relativamente rápido.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a participação do BNDES na crise de energia? O banco não foi forçado a apoiar vários projetos pouco rentáveis?
CARVALHO ? É bom lembrar que o banco é uma instituição de governo e participa de ações de interesse público. Mas ele tem instrumentos próprios, que levam a uma gestão de uma instituição financeira, num processo muito técnico. Em relação ao setor de energia, o banco foi chamado como uma das instituições de governo para dar sua contribuição ao racionamento. Alguns projetos novos estiveram dentro de um ambiente de racionamento, talvez com custos mais elevados. Mas que também tiveram que apresentar
suas garantias e perspectivas de rentabilidade. Nós não podemos fazer operações que não tenham capacidade de repagamento. Senão o banco pára no tempo.
DINHEIRO ? O BNDES já foi muito criticado durante as privatizações por financiar empresas estrangeiras.
Foi um erro?
CARVALHO ? O banco não financia mais operações de compra
de ativos ou de privatização. Portanto, isso foi importante no passado, mas não mais agora. Porém, há mais de 10 anos o
banco financia projetos de investimento no País, mesmo que
sejam feitos por multinacionais. Não vejo nenhum problema nisso,
se a empresa estiver produzindo e gerando empregos no País.
São investimentos que desenvolvem toda uma cadeia produtiva, atraindo novos fornecedores.
DINHEIRO ? Uma empresa estrangeira apoiada pelo BNDES, a AES, dona da Eletropaulo, enfrenta sérios problemas. O banco está protegido?
CARVALHO ? Uma concessão pode ser retomada. Operações
como essa têm como garantia as ações do controle de uma concessionária de serviço público ? no caso, de um mercado importante como o de São Paulo. Nós já tivemos o caso de
uma empresa americana que faliu, a Enron, e a concessão
também em São Paulo continuou operando.
DINHEIRO ? O banco pretende apoiar investimentos de empresas brasileiras no exterior?
CARVALHO ? Sim. Vamos incentivar empresas brasileiras que não apenas exportam, mas também precisam de linhas de montagem ou atividades de pós-venda no exterior. Penso que é um instrumento interessante para empresas médias. A empresa grande que já está no exterior, com ativos lá fora, pode acessar recursos no mercado local a custos menores. Além disso, o Ministério do Desenvolvimento identificou mercados com grande potencial, como China, Índia, Rússia e Oriente Médio. Nessas regiões, estamos desenvolvendo parcerias com bancos locais.
DINHEIRO ? O banco é visto como uma instituição que apóia prioritariamente grandes empresas. Financiar pequenas e médias faz parte da estratégia?
CARVALHO ? Em 2005, queremos que 25% do orçamento do banco esteja dirigido a pequenas e médias empresas. Queremos também ampliar a participação das atividades de exportação e da área social. Olhando os números do KFW, que é uma instituição de fomento alemã, percebemos que há uma distribuição muito parecida. De certa forma, esses objetivos estão sendo alcançados. Neste ano, desembolsamos R$ 2,6 bilhões para pequenas empresas, o que representa 25% do bolo se recursos. Em relação ao ano passado, esse segmento cresceu 33%. Foram 35,2 mil operações de crédito. Então não é correto dizer que o BNDES seja o banco da grande empresa. É um banco de projetos. Até o fim de ano, deveremos ter cerca de R$ 6 bilhões para a pequena e média empresa. Nós, aqui, temos uma visão muito mais ampla do Brasil. O País é muito maior do que aquilo que é retratado nas telas do mercado financeiro e do que é visto no eixo Rio-São Paulo, muitas vezes um raio de mau-humor.
DINHEIRO ? O sr. fica no BNDES se um candidato da
oposição for eleito?
CARVALHO ? O meu mandato é até 31 de dezembro. Não cabe a mim responder essa pergunta, já que se trata de uma nomeação do presidente da República.