Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC), a expansão do coronavírus deixou o mundo em nível de ansiedade e incertezas onde tudo é possível. “O grau de incertezas é boçal”, afirma. Para ele, a única certeza é que o dólar, que se valorizou diante de todas as moedas do planeta nesta semana, vai continuar com força. “Neste momento, os investidores estão vendendo qualquer coisa que cheire a risco e compram qualquer coisa que não ofereça risco. O dólar se valoriza e quem estava entupido de título americano, ganha dinheiro.” A seguir, trechos da entrevista.

O quanto do pânico levado pelo coronavírus ao mercado financeiro tem impacto, de fato, na economia?

Ninguém faz a menor ideia. Até o começo desta semana havia no mundo uma esperança de que essa doença ficasse contida dentro das fronteiras da China, mas ela se alastrou e pegou forte na Europa. Um exemplo é uma pesquisa divulgada pela revista The Economist. São três cenários. No caso de um impacto leve, vai comer 0,5% do PIB em 2020. Um impacto intermediário, queda de 2% no PIB. Se a crise for um negócio devastador, o coronavírus vai comer 4,5% do PIB de 2020. O grau de incertezas que o mundo está mergulhado hoje é boçal.

Foi a pior semana desde a crise do subprime americano, em 2008…

Pois é, o que acontece é que todos estão parando para tentar entender alguma coisa. As pessoas não sabem o que é, então vendem agora para perguntar depois. E depois compram títulos do Tesouro americano. Esses estão indo muito bem, obrigado. Quem estava entupido de título americano ganhou dinheiro. Teve um ‘rouba-monte’ grande no mercado financeiro.

Ontem, a Bolsa conseguiu se recuperar no fim do dia, mas chegou a perder os 100 mil no meio do caminho. Teremos mais uma semana de fortes oscilações?

A Bolsa está inserida no movimento global. A única que caiu menos nesta semana foi a Bolsa chinesa, mas porque ela já tinha caído muito lá atrás.

O peso das empresas de commodities, porém, é maior na B3. Isso a torna mais vulnerável?

Esse é um segundo efeito do que estamos vendo, uma despencada por demanda de matérias-primas. A China reduz o ritmo de demanda e a gente vê uma queda importante na procura por minério de ferro, soja, cobre, até mesmo carne, que era um insumo com demanda muito forte no fim do ano passado. Obviamente, a commodity é um canal de transmissão. Mas, por outro lado, não temos a Apple, que está paralisando a produção por falta de componentes. Eu, francamente, não sei o que é pior.

A cotação do dólar ontem bateu em R$ 4,51. Depois perdeu um pouco a força e fechou o dia a R$ 4,47. O real vai continuar se desvalorizando?

Acho que vai. Todas as moedas que não sejam dólar vão sofrer mesmo daqui para frente. Nada que cheire a risco está valendo. E no caso do real tem o fato de ser uma moeda muito próxima à venda de commodity, como falamos, assim como no Chile, na África do Sul, na Rússia.

Não há pressão inflacionária, com o dólar nessa patamar?

Algum repasse vai ter, por menor que seja. Lembro que estamos vivendo um momento de pânico e nesses casos é normal um overshooting de moeda. Pode ser que o dólar não fique em R$ 4,50. Mas, neste momento, o mercado que estava com o dólar a R$ 4,20, está vivendo uma realidade 5% acima disso, mais ou menos.

Deve haver impacto no PIB?

Acho que sim, principalmente, o primeiro trimestre vai ser muito abalado por essa história. Já temos relatos de empresas parando a produção por falta de componentes. Isso gera um choque de oferta que a gente acredita que será superado em algum momento. Mas o que foi perdido, está perdido. A questão da demanda externa, aí já é mais difícil aferir com o que temos hoje de dados. Mas acho que lá fora vai demorar um pouco para retomar. Esperava no começo do ano uma alta no PIB de 2,3%. Vai ser menos do que a gente estava esperando. Estou esperando para ver nesta próxima semana os dados do PIB de 2019 para ter uma ideia melhor do que foi o ano passado e, daí, projetar 2020 com o coronavírus.

O Banco Central havia sinalizado a manutenção da taxa de juros Selic em 4,50% para 2020. A atual crise muda os planos da instituição?

Eu acho que sim. Talvez não agora, em março, mas quando a situação normalizar um pouco, há uma chance de um novo corte de juros. Lá fora isso está ficando claro. Houve um mudança radical nos Estados Unidos. Até a semana passada, o mercado dava 95% de chances de o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) manter sua taxa. Hoje, já está 75% para reduzir para 1,5% ao ano (corte de 0,25%) e 25% para reduzir para 1,25% na taxa anual (corte de 0,50%), já em março. Existe uma mudança de política monetária global. E deve levar o mundo a uma nova onda de afrouxamento monetário. E o BC nitidamente vai ter de acompanhar essa onda.

Qual a opinião do sr. sobre o vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro convocando para manifestações contra o Congresso Nacional?

Eu acho uma injustiça dizer que o governo Bolsonaro é aquele que vê uma casca de banana do outro lado da rua e atravessa para pisar nela. Eles primeiro jogam a casca de banana do outro lado da rua, aí eles atravessam e pisam nela. O Congresso tem sido extraordinariamente amistoso com o governo. Ele aprovou uma reforma previdenciária muito boa. Mas o governo não ajuda.

O sr. ainda espera alguma reforma para este ano?

Eu torço mais do que espero. O calendário está ficando justo e cada pisada na bola empurra o calendário um pouco mais para a frente. Este é um ano de eleições e o espaço está muito pequeno para fazer alguma coisa. Até agora, o governo não tem agenda definida. Quais são as prioridades? E isso está nos colocando numa situação superdelicada. Se não passar nenhuma reforma em 2020, o Brasil terá dificuldades. Hoje, mesmo cumprindo o teto de gastos, o Brasil terá dificuldades de gerar resultados primários até 2023, no cenário mais positivo. A gente vai continuar comprimindo gasto discricionário para fazer as contas fecharem. Isso não pode persistir indefinidamente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.